Entenda o caos haitiano e o papel das forças armadas brasileiras no país


Autora: Eliene Ferreira 

15 jul. 2021

Manifestantes marcham durante um protesto contra o governo. - Um homem foi morto à margem da manifestação que reuniu vários milhares de pessoas no dia 9 de Junho, em Porto Príncipe, exigindo a renúncia do Presidente Jovenel Moïse por acusações de peculato. (Foto de CHANDAN KHANNA / AFP via Getty Images).

 

O Haiti voltou a ganhar foco na mídia tradicional, isso porque no dia 7 de julho (quarta-feira), Jovenel Moïse, o então presidente do país, foi assassinato por um grupo armado que, durante a madrugada, invadiu a residência presidencial em Porto Príncipe (capital do Haiti). 

Mesmo antes do ataque, que além de causar a morte de Moïse deixou sua esposa, Martine Moïse, gravemente ferida, a conjuntura haitiana já se mostrava instável. 

A nação está localizada numa ilha caribenha, divisa com a Republica Dominicana e, apesar de ter sido pioneira em diversos aspectos — foi a primeira a declarar independência na América Latina, a precursora na constituição de uma república governada por negros de origem africana, assim como, no processo de abolição da escravidão nas Américas —, é considerada a mais pobre do continente americano. 

A história do Haiti é assinalada por golpes, ditaduras, violência e inúmeros períodos de fragilidade política e social. Por essas razões, em 2004, após o golpe de Estado que pôs fim ao mandato do, até então, presidente Jean-Bertrand Aristide, com histórico de aproximação com a teologia da libertação, foi implementada a Missão de Estabilização da ONU no Haiti (MINUSTAH), que estabeleceu uma intervenção militar liderada pelas forças armadas brasileiras, cujo intuito era amenizar a crise vivenciada no país.

A iniciativa, apesar de ser considerada por muitos um grande êxito, é constantemente alvo de questionamentos e críticas. Há diversas denúncias que apontam irregularidades na operação, como relatos de violência e exploração sexual, repressão de manifestações populares, autoritarismo e abuso de poder

Um dos episódios mais marcantes envolvendo a MINUSTAH, no que diz respeito a truculência por parte das forças militares, ocorreu no dia 6 de julho de 2005 quando cerca de 300 militares invadiram Cité du soleil, um bairro pobre de Porto Príncipe, ação que, segundo grupo um formado por ativistas dos direitos humanos, resultou na morte de ao menos 63 pessoas e deixou 30 feridos, no período em que Augusto Heleno general que atualmente ocupa, no governo de Jair Bolsonaro, o cargo de chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da Repúblicaera comandante das tropas no país caribenho.

Outro fato que marcou a ação foi a, inesperada, morte do general Urano Bacellar, substituto de Heleno no comando das tropas no Haiti. Diferente de seu antecessor, o novo condutor relutava em utilizar a força militar nas periferias do país. Urano foi encontrado morto, no dia 7 de abril de 2006, em um hotel de Porto Príncipe. Oficialmente, a morte foi considerada suicídio, porém surgiram hipóteses de que o general teria sido vítima de um homicídio. Segundo informações vazadas pelo WikiLeaks, Leonel  Fernandez, então presidente da República Dominicana, teria exposto, durante uma reunião com autoridades americanas, que não acreditava nessa versão, para ele Urano teria sido vítima de um grupo haitiano responsável pela morte de outros membros da MINUSTAH.

A missão a princípio duraria 6 meses, mas se prolongou por 13 anos. Em 2017, no mesmo ano em que foi finalizada a intervenção, Jovenel Moïse foi alçado ao posto de presidente. Devido a um conturbado contexto político, manifestações e denúncias de fraude, Moïse tomou posse um ano depois do previsto e, por essa razão, declarou que seu mandato deveria durar até 2022.

Segundo a constituição haitiana, que estabelece um mandato de 5 anos para presidentes, o líder de direita, do partido haitiano tèt kale (PHTK), deveria ter deixado o cargo em 7 de fevereiro de 2021, dia do aniversário do fim da ditadura. Mas Jovenel permaneceu no poder mesmo após o Conselho Superior do Poder Judiciário (CSPJ) ter declarado o fim de seu mandato constitucional, e a realização de diversas manifestações que pediam a renúncia do governante , além disso, objetivando sua permanência, diluiu o congresso e tentou implementar mudanças constitucionais.

Até agora o atentado orquestrado contra o chefe de Estado não foi completamente solucionado. Estima-se que ao menos 28 pessoas estejam envolvidas na ação. Mercenários, militares da reserva do exército colombiano, foram apontados como membros do grupo responsável pelo ataque armado. Um dos suspeitos de ter participado do assassinato foi informante da DEA, a agência antidrogas dos Estados Unidos.

Atualmente, o ex-primeiro-ministro, Claude Joseph assumiu o governo e se autoproclamou presidente interino. Entretanto, o senado haitiano nomeou oficialmente o líder do senado, Joseph Lambert como chefe de Estado interino até o dia 7 de fevereiro de 2022, o que impulsionou uma disputa de poder no país. 

Claude Joseph estabeleceu, no dia 7 de julho, um estado de sítio de 15 dias, fato que culminou no fechamento de todas as fronteiras do país e o estabelecimento da lei marcial, que ampliou os poderes para que militares e a Polícia Nacional garantam o cumprimento da lei. Vale ressaltar que o anúncio em questão abre margem para que, mais uma vez, seja estabelecida uma intervenção estrangeira que tenha o objetivo de “instaurar a paz” no país.


Para saber mais:


A revolução do Haiti – Prof. Everaldo Andrade:  https://youtu.be/PaHMoFP1WM0

Brasil de fato - Fantasmas de massacre no Haiti assombram generais do governo Bolsonaro: https://www.brasildefato.com.br/2019/03/18/fantasmas-de-massacre-no-haiti-assombram-generais-do-governo-bolsonaro

 

O Globo - Haiti: A história violenta de um país que teve seu primeiro presidente esquartejado, há 200 anos:  https://blogs.oglobo.globo.com/blog-do-acervo/post/escravidao-e-revolta-no-haiti-historia-de-violencia-nas-origens-do-pais-caribenho.html


Instituto Humanitas Unisinos - A morte do presidente do Haiti e o neocolonialismo: http://www.ihu.unisinos.br/610998?fbclid=IwAR1gXvIcx0dm2iGi9gGLCoxrVuVVI7neg8splLFyyayOxUXtmVCl8kUv9Gk%20http://www.ihu.unisinos.br/610998?fbclid=IwAR1gXvIcx0dm2iGi9gGLCoxrVuVVI7neg8splLFyyayOxUXtmVCl8kUv9Gk

 

The Guardian - WikiLeaks points to US meddling in Haiti: https://www.theguardian.com/commentisfree/cifamerica/2011/jan/21/haiti-wikileaks?INTCMP=SRCH

 

Uol - Haiti: Missão de 13 anos do Exército brasileiro deixou legado questionável: https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2021/07/11/haiti-minustah-missao-de-paz-onu-exercito.htm