METER O BEDELHO- A GRUTA DE Nª SRª DE LURDES

Quem chega ao Largo de Santa Marinha e quer descer ao rio, encontra uma ladeira escarpada que mãos habilidosas tornaram acessível e construíram com fé e devoção, nos finais do século XIX, a gruta de Nª Senhora de Lurdes, pequena réplica da existente em Massabièlle, junto às margens do rio Gave (França). No fundo, corre o ribeiro da Assureira alimentado por veios de água cantante e pura, surgidos das ravinas, dando ao lugar mais verdura e poesia.

À noite, nessas noites estreladas e serenas de Verão, o chocalhar das águas mais parece uma pequena orquestra, acompanhada pela voz franciscana dos grilos e pelo coaxar dos sapos e das rãs, criando um ambiente de paz e de bem-estar. Vezes sem conta, ali, com aquela música de fundo, rezei o terço entrecortado com pequenos golos de água fresca que jorra da fonte.

Belo é o cenário! Estou mesmo em crer que uma nesga do Paraíso Terrestre saltou para ali, onde o belo, o horrível e o sublime se matizam em profusão. Transferir deste cenário bucólico e franciscano para outro lugar, o ‘ex-libris de Nespereira’, é não apreciar nada de beleza, de poesia e de ambiência religiosa que a natureza, generosamente, nos oferece.

Ali fez os votos perpétuos na Congregação das Servas de Nª Senhora de Fátima, na presença dos Bispos de Lamego e de Santarém, a irmã Maria do Carmo Leitão, no dia 31 de Agosto de 1980 e, em 11 de Julho deste ano celebrou a Missa Nova o P. José Filipe. Louvo a Junta de Freguesia por escolherem o lugar para outros eventos.

Por ali vivemos cerca de dezoito anos e fomos indagando a razão da devoção a Nª Senhora de Lurdes. No último quartel do século XIX, organizavam-se muitas peregrinações a Lurdes, onde, em 11 de Fevereiro de 1858, Nossa Senhora se apresentou como a Imaculada Conceição a Bernardete, filha dos moleiros Soubirous . O grande apóstolo dessas peregrinações foi o P. Baltazar de Jesus Ribeiro, reitor de Cimbres. O abade Tomé Pinto Cardoso, natural de Cárquere e que paroquiou Nespereira de 1880 a 1898, foi um dos que peregrinou a Lurdes e trouxe alguns propósitos: mandou construir, na Igreja, o altar a ela dedicado contratando o carpinteiro Joaquim de Brito do lugar da Feira – ainda aí tem netos – servindo de modelo um altar que existe na Igreja das Chagas de Lamego. Mas como Lurdes ficava longe, quis reproduzir uma réplica para que toda a região pudesse venerar a Senhora. E, no princípio, todas as gentes das paróquias desde Arouca a Castelo de Paiva, ali, vinham em procissão e a festa era de arromba.

O Abade Tomé era muito dinâmico e aproveitava a ocasião da vinda de algum ‘brasileiro’ (era o tempo da ‘Árvore da Patacas’ no Brasil) oferecia-lhe um almoço e depois ‘cravava-o’. Um deles queixou-se que ele só queria ofertas grandes. Sonhou ligar a igreja de Santa Marinha a ‘Santariço’ com as estações da Via-Sacra mas a morte surpreendeu-o aos 57 anos de idade.

Quando foi inaugurada a Gruta? A Tia Custódia da Cooperativa, mãe do senhor José Leitão disse-me que a tia Elvira Mendes, mãe do Zé da Altina, nascera no dia da inauguração. Consultados os registos de Baptismos dá-nos 19 de Setembro de 1896. Isso vem confirmar a festa realizar-se, primitivamente, depois dos Remédios como, ainda no meu tempo, sucedia em Espadanedo. Posteriormente alterou-se para o 3º domingo de Agosto.

É uma festa onde se reza, sobretudo na Missa e Procissão de velas que eu, nos princípios do meu sacerdócio, introduzi e, com grande resultado. Aquela Missa Solenizada pela nossa Banda e pelo Grupo Coral, naquele espaço aberto, eleva-nos para Deus amparados pelas mãos maternais da Imaculada Conceição.

Alguns pintores, creio que o Alves Pinto, e poetas têm aproveitado o lugar para darem largas à inspiração. Só este cheirinho do Chefe-Soares, o nosso ensaiador do teatro:

“Nespereira tem uma gruta,

Numa ribanceira abrupta,

Que vai da igreja ao rio;

Em patamar escavado,

No pendor alcantilado,

E densamente sombrio


O pequeno monumento,

Prende-nos o pensamento

A muitas recordações;

Que os ventos da distância,

Nos trazem com abundância,

As crenças e tradições.


Um oásis no deserto

E livre em campo aberto,

Como sala de visitas.

Mansão para repousar,

E com prazer ver passar

As horas mais favoritas.”


P. Justino Lopes