A Pulga do Arquiteto estimula a imaginação com ótimas referências ao universo da arquitetura
Dib Carneiro Neto
O casamento artístico entre o dramaturgo Paulo Rogério Lopes, a diretora Débora Dubois e a Companhia Linhas Aéreas está rendendo mais um belo fruto. Depois de Enlouquecendo a Mamãe, o trio está junto de novo em A Pulga do Arquiteto, em cartaz na sala B do Teatro Alfa.
Atenção, escolas, fiquem atentas, pois o espetáculo fala de história da arte, ao mencionar o arquiteto e escultor italiano Filippo Brunelleschi, cujas criações marcaram o início do período chamado de Renascimento. A sua obra mais conhecida é a cúpula (o domo) da catedral Santa Maria del Fiore, em Florença, construída em 1434.
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Um menino chamado Pipo (referência direta ao nome Filippo), muito estudioso, adora pesquisar e inventar. Em seu quarto, fica amigo de uma Pulga muito irrequieta, que topa viajar com ele para Roma, para conhecerem de perto as magníficas construções do Antigo Mundo e da época das Grandes Navegações. Sem limite para a viagem da imaginação, Pipo e a Pulga divertem-se a valer, reforçando na plateia valores como amizade, confiança e solidariedade. As intérpretes Ziza Brisola e Isabela Graeff estão muito bem.
A cenografia (Renato Bolelli Rebouças) é linda, de forte impacto, com todos os móveis do quarto do menino suspensos no ar, como a querer reforçar a ideia dos voos da imaginação de Pipo. O desenho de luz (Mirella Brandi) dialoga com a poesia do cenário, inclusive antes de dar o terceiro sinal, quando uma bela iluminação em formato espiral alcança as primeiros poltronas do teatro.
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Também funciona muito bem o recurso do telão, em que Pipo desenha em sua mesa e o resultado é visto em maior escala. A diretora acerta no aproveitamento das potencialidades físicas ‘aéreas’ da companhia, criando cenas de grande beleza estética, sem deixar que isso fique descolado da trama. Destaque também para a excelente cena coreografada, em que Pipo e sua Pulga iniciam a viagem de bicicleta.
A dramaturgia é bem construída, embora com base em muito palavrório. Recurso esperto é fazer os diálogos ganharem vida e dinamismo ao girarem em torno de repetições. “Já te contei a história do Dédalo?”, pergunta a Pulga o tempo todo, referindo-se a outro notável arquiteto e inventor, mas desta vez parte da mitologia grega. O garoto Pipo também repete muitas vezes que nada pode ser feito sem um projeto prévio. São reiterações inseridas de forma inteligente e divertida.
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Merece elogios a coerência do personagem do menino, do início ao fim da peça. Dramaturgia e direção fazem de Pipo uma figura crível. O fato de ser sonhador não impede que seja organizado e regrado, como tantas crianças certinhas que a gente conhece na vida real. Adoro a cena dos porquês, em que Pipo desabafa: “Por que tenho de dormir quando não estou com sono? E por que tenho de acordar justamente quando eu mais estou com sono?” Também é genial o efeito de ‘quebra brechtiana’ sugerido pela frase do menino: “Fala baixo, senão minha mãe vai acordar!” Num momento do mais alto pique da imaginação, o personagem puxa a plateia para a realidade, lembrando que há uma mãe dormindo no quarto ao lado. É um jogo teatral, de certa forma metalinguístico, que enriquece o espetáculo.
SERVIÇO:
Teatro Alfa. Sala B. Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro
Tel. 11 5693-4000
Projeto Escola: 11 5693-4012
Sábados e domingos, às 16 horas
Ingressos a R$ 30 e R$ 15 (meia)
Até 23 de setembro
Dib Carneiro Neto, 50, é jornalista, dramaturgo (Prêmio Shell 2008 por Salmo 91), crítico de teatro infantil e autor do livro Pecinha É a Vovozinha(DBA), entre outros. Fale com ocolunista
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Cena de "A Pulga do Arquiteto"/Fotos Mayara Wui/Divulgação
Acrobacias aéreas contam história
Não é toda hora que se vê uma história no teatro que seja narrada com acrobacias aéreas, marca da companhia Linhas Aéreas em “A Pulga do Arquiteto” e “Pequeno Sonho em Vermelho” (2005).
“A Pulga do Arquiteto” é intensamente plástica: pelas cambalhotas, saltos e balanços nos objetos cênicos, suspensos no ar, atados às cordas em que as duas atrizes do espetáculo também se apoiam para executar sua coreografia fora do chão.
Atrás delas, desenhos feitos na hora e projetados em telão ao fundo, com traços infantis, e fotografias e mapas de cidades, florestas e o fundo do mar reforçam as significações do enredo, que é didático e acompanha uma aventura noturna do garoto Pipo.
A cenografia é assinada por Renato Bolelli Rebouças e Vivianne Kiritani.
Pipo vive em Florença e lê um livro de seu conterrâneo, o arquiteto Filippo Brunelleschi (1377-1446), antes que a mãe lhe ordene que apague o lampião de querosene para dormir.
Mas Pipo está ocupado – e assustado – com Pulga, que aparece no quarto e pede que ele lhe faça uma casa.
Pulgas transmitem peste bubônica porque picam ratos, que transmitem a doença, e depois, as pessoas. Esses insetos ocorrem em geral no chão das moradias humanas, o que torna os significados da peça mais entrelaçados, já que o assunto é a construção da casa.
Pulga faz Pipo (Ziza Brisola) perder o medo. O garoto então estuda projetos arquitetônicos e a dupla, interpretada com graça por Ziza e Isabela, ruma em direção a edificações históricas para conferi-las.
Navegam por mares, mergulham entre os peixes num submarino que constroem e voam em busca de um projeto que lhes satisfaça.
Entre as fantásticas viagens, Pipo e Pulga contam histórias que conhecem. O problema é que Pulga (Isabela Graeff) só conhece a lenda grega do arquiteto Dédalo, o que provoca risos nas crianças.
A direção de Débora Dubois deixa gestos e diálogos em timing adequado, sem cansar a plateia infantil.
Ficha técnica
Direção: Débora Dubois. Dramaturgia: Paulo Rogério Lopes. Cenografia e figurinos: Renato Bolelli Rebouças e Vivianne Kiritani. Desenho de luz: Mirella Brandi. Trilha sonora: Aline Meyer. Vídeo: Jonas Golfeto. Intérpretes-criadoras: Ziza Brisola e Isabela Graeff.