Como você reage ao escutar ou assistir – ao vivo ou em plataformas de streaming – a práticas ‘musicais’ culturalmente novas e diferentes para você? Elas te afetam emocionalmente? Causam estranhamento, atração, encantamento, repulsa? Você as analisa, observando timbres, afinação, métrica, texturas, intensidades, vocalidades, eventuais letras, danças, gestos, assim como as vestimentas, adereços, o perfil dos participantes e o ambiente? Entende o contexto ou a motivação social? Essas observações resultam de – ou provocam – comparações com suas noções e afinidades ‘musicais’? Percebe o grau de distanciamento em relação aos seus hábitos ‘musicais’ e os de seu entorno? A origem social, cultural, étnica dessa prática aciona gosto, entusiasmo, preconceito ou juízos de valor?
A noção de alteridade no campo das experiências musicais – e no de outras estéticas das sonoridades, visto que alguns grupos rejeitam o termo ‘música’ para representar suas práticas – e do seu estudo no Brasil é o tema deste verbete.
A palavra ‘alteridade’ advém de alteritas, que no latim significa ‘diversidade’, ‘diferença’. Na raiz está o adjetivo alter, era, erum, significando “outro”, “um de dois” (Neves, 2017, p. 71). Alteridade designa, pois, o outro, ou colocar-se ou constituir-se como outro (Abbagnano, 1998, p. 34-35). Trata-se de um conceito polissêmico e dinâmico, entendido corriqueiramente como uma disposição positiva para que se percebam e se respeitem as diferenças pessoais, sociais e culturais, sendo assim fundamental para a construção de relações mais igualitárias.
Ligado a noções de identidade, diferença e reconhecimento, o conceito de alteridade se faz perceber entre culturas com grandes distâncias geográficas, cosmológicas e/ou de hábitos sociais e também nas relações interpessoais, sendo a música um meio importante para expressar identidades e, mesmo, para negociar alteridades longínquas e internas. Grupos sociais por vezes encontram na prática musical um veículo de resistência e de afirmação de identidades ‘outras’, ou contra-hegemônicas, referentes, por exemplo, à etnia, à cultura, à religião, ao gênero, à classe social ou à faixa etária (ver Cambria, 2008).
A relação entre o mesmo e o outro vem sendo pensada sob diferentes perspectivas, a partir de matrizes de conhecimento diversas. Muito resumida e superficialmente, acepções relacionadas ao fenômeno da alteridade na história da filosofia eurocidental, incluem, dentre outras: uma visão ontológica de um humano homogeneizado e qualquer outro ser ou objeto diferente, não humano; a dicotomia uno (Deus)/múltiplo (perspectiva humana sobre a realidade); uma relação de oposição entre uma ‘identidade’ e um outro modo humano de ser; uma percepção egocêntrica da alteridade por um ‘eu’ que, a partir da consciência de si, apreende o ‘outro’, o representa e define sua realidade. Em algumas visões, a relação é hierarquizada, a alteridade sendo inferiorizada ou ignorada (Neves, 2017).
Sob um olhar fenomenológico, a consciência se abre ao mundo e aos outros. O ‘eu’ é reconhecido como indissociável do ‘outro’, sendo a consciência de si simultaneamente consciência do outro (Neves, 2017, p. 75). O outro pode ser percebido como reflexo ou projeção de si ou reconhecido em sua alteridade. Emmanuel Lévinas, por exemplo, sob uma perspectiva ética, defende que se respeite o ‘outro’, baseando-se na responsabilidade infinita para com a alteridade e entendendo que o outro antecede o eu (Souza, 1999; Neves, 2017). Lévinas critica a tradição filosófica europeia centrada no ‘eu’, passível de tratamentos de indiferença, manipulação e violência em relação ao ‘outro’.
No Brasil, além dessas noções hegemônicas sobre alteridade, outras perspectivas filosóficas da relação entre o mesmo e o diferente, o si e o outro, são revitalizadas pela oralidade e corporeidade integrando cosmologias dos diversos povos originários e afrodiaspóricos. Como exemplo, citamos o pensamento africano de ubuntu, termo derivado de um ditado bantu-isiZulu significando “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas” (Moraes, 2019). O princípio ubuntu fundamenta que um ser humano e o outro não se dissolvem em um; em vez disso, na constante interação, a singularidade de uma pessoa enriquece a outra (Onyebuchi Eze apud Silambo, 2023). A partir da noção banta de ancestralidade, diante do ‘eu’, a categoria ‘outro’ engloba seres humanos em diferentes dimensões existenciais e seres cósmicos, formando o ‘nós’ constitutivo do humano. Assim, a ética da alteridade de ubuntu invoca o tshiamalenga – filosofia do nós – enquanto partilha e cuidado mútuo, o nós sendo anterior ao eu (Kashandi apud Moraes, 2019).
A violência da diáspora não reprimiu a potência de ubuntu que se territorializa nas novas terras, pela força da ancestralidade. Essa interconexão abrangente de ubuntu se vê multiplicada no cotidiano quilombola e em tradições expressivas afrodiaspóricas no Brasil. Reverbera, por exemplo, nas palavras de uma liderança quilombola de Minas Gerais, Mestre Bengala – José Bonifácio da Luz, doutor por notório saber pela UFMG: “vem somar com a gente porque sozinhos nós não somos ninguém” (Luz, 2020). O ato corrente de cantar, tocar e dançar juntos, por longo tempo, cada um cumprindo e/ou alternando funções, porém unidos por um pulso comum para produzir um resultado único, fortalece o princípio do ‘nós’ nesses grupos (ver Lucas, 2005).
Um exemplo indígena nos fornece Aylton Krenak ao conjugar o nós como ‘nós-rio’, ‘nós-montanhas’, ‘nós-terra’, referindo-se a um estado de maravilha e de unidade, que envolve seu povo quando à noite escutam o canto de Watu, o rio-música, reverenciando assim o elo existencial com esses outros seres vivos dignos de respeito, com os quais se comunicam (Krenak, 2022, 13-14). O nome Krenak significa “cabeça da terra”, “uma humanidade que não consegue se conceber sem essa profunda comunhão com a terra” (Krenak, 2020, p. 48-49). Os “espíritos” – assim chamados pelos brancos – também formam uma categoria de ser importante para grupos indígenas, como os xapiri, que cantam e dançam para os Yanomami no tempo do sonho, e nesse ambiente lhes ensinam esses e outros saberes (Kopenawa e Albert, 2015).
No âmbito hegemônico, é a antropologia cultural que se consolida no século XIX, na Europa e nos EUA, como a ciência da alteridade, ao se propor a estudar o ser humano de forma ampla. As metodologias desenvolvidas para a observação e análise dos modos de ser e de viver de sociedades não-europeias levaram a resultados variados de apreensão da alteridade, sobretudo considerando-se a relação inicial da disciplina com processos colonizadores. Seus métodos e teorias vão orientar as pesquisas em etnomusicologia, campo dos estudos musicais igualmente identificado com a diferença cultural desde suas origens.
Os estudos pós-coloniais e anticoloniais, por meio de intelectuais não europeus, e o pensamento decolonial (ver Colonialismo, colonialidade e Decolonialidade), a partir de pesquisadores da América Latina, colocaram holofote nas dimensões do poder no trato da alteridade. No processo colonialista, europeus manipularam a construção social e discursiva sobre outras sociedades, apresentadas como inferiores e incapazes, visando a subjugá-las, controlá-las e justificar a dominação e a exploração. “Não havia interesse em descrever objetivamente a alteridade e identificar nela as diferenças culturais; mas, sim, extinguir essa alteridade e colocar esses perturbadores homens nos esquemas de classificação baseados na Bíblia e nos autores gregos” (Bento, 2002, p. 33). Por meio de uma visão evolucionista e eurocêntrica, desqualificaram cosmopercepções, conhecimentos e tradições – incluindo as ‘musicais’ – de outras civilizações.
Ao passo que a narrativa dominante buscou o apagamento da alteridade, elementos estéticos dos povos invisibilizados foram apropriados na produção artística hegemônica.
O histórico dessa relação de poder unilateral, assimétrica, no âmbito da música no Brasil se verifica na forma, por exemplo, como compositores vinculados à matriz estética europeia representaram o outro em suas criações, incorporando conteúdos sonoros de “fontes” que conceituaram ou categorizaram de primitivas, folclóricas ou populares; como compositores e intelectuais criaram noções de uma identidade musical nacional mestiça; como pesquisadores discorreram sobre expressões sonoras de base estética não europeia e/ou híbridas, a partir da lente estética e epistemológica europeia; como as expressões desses outros surgem estereotipadas e marginalizadas nos currículos dos cursos superiores em música.
A virada para o século XX no Brasil é elucidativa quanto à dinâmica dessas construções. Inspirada em teorias como o positivismo, o darwinismo social e o evolucionismo, parte da intelectualidade buscava uma suposta evolução histórica e social e, assim, fundamentava os princípios epistêmicos de formação nacional (Ortiz, 1986). Raça, meio e momento histórico foram tratados como parâmetros indissociáveis. Inclusive, raça e mestiçagem se tornam, por exemplo, elementos ideológicos potentes, dando origem à teoria do branqueamento, política de Estado que tinha como objetivo incentivar a imigração estrangeira de europeus brancos e, ao longo de algumas décadas ou séculos, eliminar os traços fenotípicos, civilizacionais, culturais, artístico-sonoros de povos originários e afrodiaspóricos.
Entretanto, mesmo que de forma contraditória, um outro panorama se desenhou. O caráter mestiço da sociedade foi discutido como importante ponto de inflexão, pois, uma das perspectivas de alteridade tinha no resgate de tradições, principalmente as populares, uma solução ao suposto atraso civilizacional. Por meio de literaturas regionalistas e da valorização de costumes que se contrapunham à temida influência dos estrangeirismos, a camada popular ganhava destaque através das pesquisas etnográficas. “Nos cantos, nos contos, na poesia e nas danças o povo brasileiro começava a ser identificado na figura do indígena, no africano, no europeu e no mestiço” (Velloso, 2010, p. 42). Espelhados na consolidação dos estados nacionais europeus, a alma nacional deveria ser autêntica e orgânica, inspirada no espírito do povo. Ou seja, os mesmos povos antes outrificados – hierarquizados e inferiorizados numa suposta escala civilizatória – se tornam importantes à construção da noção de ‘brasilidade’, à luz da alteridade. (Carmo, 2014, 2022).
Ao longo do século XX é perceptível, por exemplo, o aprisionamento conceitual de sujeitos afrodescendentes nas ciências sociais, abordados numa perspectiva de ‘negro-tema’, como seres estáticos e exóticos, praticantes de manifestações culturais entendidas como risco aos valores civilizatórios brancos. Essa conceitualização negava-lhes a possibilidade de apreensão enquanto conhecedores e dinâmicos, seres multifacetados e produtores de saberes nas diversas áreas do conhecimento – isto é, enquanto ‘negro-vida’ (Guerreiro Ramos, 1995). Essa ideologia é refratária de um discurso intelectual que há muito tempo mantém como critério estético, artístico e musical, um ideal de brancura. Recorde-se da metáfora escrita pelos bávaros Spix e Martius, na metade do século XIX, de que a sociedade brasileira era formada por um grande e caudaloso rio branco, que teria povos negros e povos originários como seus pequenos confluentes (Lisboa, 1997). Esse discurso germânico – já afinado com as teorias eugenistas que ganhariam força no Brasil, no início do século XX – foi também muito influente na tradição historiográfica musical brasileira – por exemplo, o mulatismo musical de Curt Lange – reforçando a negação da alteridade de povos que não se enquadravam no arquétipo que privilegiava os compositores e suas técnicas legitimadas por uma “teoria da música” (ver Ewell, 2020).
A partir da década de 1930, em decorrência do desenvolvimento do conceito de brasilidade e do abandono de uma visão apenas exotizada de expressões culturais de povos então outrificados, é que se percebe a construção de uma nova perspectiva sociocultural, na qual as ideias de mestiçagem, música popular e unificação nacional ganham outra abordagem. Metáfora de unidade, a noção de democracia racial e social foi amplamente apoiada como política de Estado, mas sem que as perseguições e repressão às organizações populares deixassem de ser realidade. De fato, a década de 1930 é marcada pela expansão da radiodifusão e pela ampliação da escuta, possibilitando uma alteridade midiática, mas sem perder os ares de massificação e de consumismo, críticas daquele período que contrapunham a música popular (ou popularesca) à música erudita. (Naves, 1998).
Portanto, a definição de música também passaria por este crivo ‘civilizacional’, por estar diretamente ligada à escrita e seus cânones, assim como um suposto nível de desenvolvimento musical esteve atrelado ao legado da partitura, enquanto objeto com valor em si mesmo, autônomo, obra de arte sem referenciais sociais, políticos, culturais externos (Small, 1998). Esse embate revelava, novamente, um tratamento universalista da música, modelo este que não mais dava conta da complexidade das sociedades, civilizações, etnias e povos que constituíam os estados nacionais, inclusive o Brasil.
No âmbito da etnomusicologia, o foco no objeto “musical”, autônomo ou nem tanto, fundamentou os caminhos metodológicos em direção à alteridade durante boa parte de sua história, desde a musicologia comparada. Da descrição de artefatos sonoros e de trechos curtos de gravação descolados de seus territórios à transcrição em notação europeia, para análise, de gravações mais extensas coletadas em trabalho de campo, a investigação depositava grande interesse nas singularidades estéticas das construções sonoras. A definição da disciplina como “estudo da música na cultura” (Merriam, 1964) – autônoma como uma gota de óleo na água – ecoa essa perspectiva na segunda metade do século XX. Mesmo seu substituto “música como cultura” mantém o foco no objeto “música”, ou seja, na alteridade acústica, ainda que sinalizando um entendimento tanto de maior fusão entre música e cultura quanto de conexão do material sonoro-musical às concepções e comportamentos humanos.
O entendimento de que as experiências sonoras estão integradas a muitas esferas do viver, assim como o interesse nas várias atividades humanas e não humanas vinculadas às práticas das sonoridades, elevaram em importância a etnografia baseada no trabalho de campo como via para a percepção acústico-cultural e interpretação de múltiplas faces da alteridade. A escrita sobre o povo – ‘etno-grafia’ – contribuiu para diversificar o foco principal para além do sonoro (Ver Seeger, 2008), e novas perspectivas da etnomusicologia propuseram esse deslocamento temático em fins do século XX, como, por exemplo, o estudo das pessoas fazendo e experienciando “música”, mais interessado na compreensão das (inter)ações humanas mediadas pelos sons, do que na explicação das estruturas dos objetos sonoros (Titon, 2008).
A relação interepistêmica da experiência etnográfica reflete o olhar sobre os “outros”, indo desde dualidades mais rígidas e hierarquizadas – pesquisador/informante ou ético/êmico – até abordagens mais dialógicas e polifônicas, com as vozes dos interlocutores ocupando um espaço mais generoso e relevante na escrita final (Clifford, 2008).
Ao longo dos anos, a etnomusicologia foi ampliando seu escopo temático, vindo a abordar todo tipo de experiência acústica, incluindo as midiatizadas, as periféricas urbanas, toda sorte de hibridismos, e mesmo as músicas de concerto, fazendo-a redimensionar os parâmetros da alteridade, sobretudo quando há maior proximidade estética e social entre as pontas da relação.
No Brasil, a etnomusicologia de cunho interpretativo historicamente se apoiou nas bases teórico-metodológicas europeias e estadunidenses, e os interesses de pesquisa recaíram quase que exclusivamente sobre as práticas e repertórios do próprio país (Ver Reily, 2002 e Sandroni, 2008). Isso nem sempre significou maior proximidade estética e conceitual dos(as) pesquisadores(as), uma vez que sua formação básica acontece principalmente em cursos superiores de música largamente eurocentrados. Ou seja, os focos e campos de pesquisa – mesmo alguns com os quais se identificam e/ou dos quais participam – estão ausentes, em geral, dos currículos. Além disso, disciplinas como etnomusicologia ou afins tendem a ocupar um lugar periférico nos cursos de graduação, reforçando seu estigma de alteridade enquanto exclusão. Ficam assim evidentes as relações assimétricas de poder entre as instituições acadêmicas e os grupos que acolhem as pesquisas, bem como os paradoxos epistemológicos da história da etnomusicologia. Se, por um lado, a disciplina é marcada pelo respeito à diversidade e à alteridade, pela defesa e valorização dos grupos étnicos e sociais que vêm desde sempre sofrendo violências e opressões no país, por outro, é fruto do próprio pensamento eurocidental, desenvolvido sobre bases colonialistas e racistas. Além disso, seus resultados expostos em escrita acadêmica muitas vezes estabelecem equivalência entre parâmetros epistemológicos europeus e dimensões de saberes que não admitem redução ou tradução (Carvalho; Florez, 2014).
Nesse sentido, logo nas primeiras décadas da institucionalização da etnomusicologia no Brasil, houve uma crescente busca de horizontalização nas interações entre os pesquisadores e os sujeitos envolvidos nas pesquisas, intensificando também o seu engajamento político e o compromisso com as lutas e anseios dos grupos parceiros. Pesquisas e ações aplicadas e colaborativas se tornaram uma forte corrente do fazer etnomusicológico no país, fortalecendo a intervenção transformadora como finalidade, para além da representação. Nesse processo de descolonização tanto da disciplina quanto da universidade, mestres e mestras detentores(as) dos saberes cantados e tocados de seus grupos foram conquistando maior espaço nos fóruns acadêmicos e produzindo seus próprios textos e materiais audiovisuais sobre esses saberes. Tal protagonismo se fortaleceu com iniciativas concretas de diversificação cultural e epistêmica das universidades brasileiras, como o Projeto Encontro de Saberes, idealizado por José Jorge de Carvalho (UnB), e outros projetos afins. Por meio deles, mestres e mestras de saberes tradicionais atuam como professores(as) em disciplinas de graduação e pós-graduação, seguindo seus próprios critérios de seleção e transmissão de conhecimentos. Como parte desse projeto descolonizador, algumas universidades brasileiras desenvolveram resoluções para o reconhecimento dos mestres e mestras desses conhecimentos ausentes dessas instituições como doutores(as) por notório saber, legitimando academicamente saberes outrora outrificados.
Hierarquias culturais, epistêmicas, raciais, dentre outras, se perpetuam naturalizadas no paradigma da colonialidade do poder e do saber. A noção de alteridade permanece central para se debaterem os conflitos políticos e as tensões sociais contemporâneas no enfrentamento das desigualdades e opressões, e se complexifica num mundo altamente interconectado, por vezes, embaçando o reconhecimento do que é outro em si mesmo(a) e vice-versa. Muitos desses dilemas e dessas ambiguidades são (inter)mediados pelas expressões estéticas das sonoridades, ou aquilo que insistimos em chamar, apesar das rejeições, de “música”.
A percepção das alteridades acústicas, especificamente, demanda disponibilidade e abertura pessoal para acolher o diverso e distinguir configurações sonoras não habituais, seus fundamentos estéticos e cosmológicos, suas conexões sociais e contextuais. Passa, pois, pela descolonização da escuta, tão treinada para aprofundar a percepção auditiva referente a uma única base cultural, o que favorece, paradoxalmente, a expansão do entendimento sobre essa própria base.
Glaura Lucas
Jonatha Maximiniano do Carmo
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