A palavra que define o homem pós-moderno é ingratidão.
Tremendamente ingrato face ao passado - aos progressos da ciência, aos caminhos da arte, às conquistas civilizacionais em termos de ética e moral - o homem pós-moderno crê não dever nada a ninguém e transforma esta ingratidão em ideal de vida.
Recusa a ciência ocidental, uma das principais causas do progresso humano, porque ocidental e opressora.
Rejeita qualquer manifestação de belo, considerando-o elitista e ilusório, porque oculta a verdadeira fealdade da vida.
Desconfia dos direitos humanos, como de muitas outras conquistas morais, achando-os etnocentristas e arbitrários.
Ignorante, nem se apercebe que a sua ingratidão se apoia na tradição que destrói.
E porque se considera um self made man, esquecendo de onde veio e acusando a cultura precedente de alienar a sua liberdade, o homem pós-moderno faz questão de ter um caminho só para si, mesmo não dispondo de quaisquer coordenadas.
Para ele, a vida é um enorme hipermercado, onde convém não ir munido de lista de compras. Compra sem restrições e orgulha-se de não ter critérios.
Rejeita qualquer regra culinária e odeia de morte nutricionistas. Alimenta-se de receitas inéditas, exclusivas, únicas e preferencialmente absurdas e incoerentes. É isso que dá likes e seguidores.
A nova norma é o anormal. Se tudo vale, então passa a valer tudo.
Precisamente por recusar a sua herança, o homem pós-moderno acabará falido e endividado, deixando um insuportável legado a quem lhe segue.
Ao escancarar as portas do hipermercado e disponibilizar a monte todos os produtos, a escola contribui alegremente para a festa.
Acabei de concluir que é chegada a altura de me reformar.
Vila do Conde
20 de novembro de 2020