JOANÉTICOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS
BUNION IS BEAUTIFUL
Como sou muito visual, têm de me ajudar e de fazer o favor de imaginar a Declaração Universal dos Direitos do Homem (perdoem as reações epidérmicas que esta sexista expressão legitimamente desperta) explodindo e gerando inúmeros cacos. Cada um destes cacos dispõe da sua declaração de direitos. Um deles explicita direitos das mulheres, outro os dos negros, outro dos refugiados, outro dos portadores de NEE, outro dos ciganos, outro dos muçulmanos, outro dos cristãos, outro dos homossexuais, outro dos transexuais (há mais de 70 géneros já referenciados, pelo que ……….)
O ser humano explode em pedaços, perdendo a sua identidade como ser e pessoa, cedendo espaço a tantas identidades quantas as que cada um resolver conceder a si próprio, no âmbito, claro, de comunidades que, independentemente do seu grau de expressão, de dimensão e, sobretudo, de validação centífica (ah! A miragem das metanarrativas!), reclamam as suas especificidades e, consequentemente, os seus direitos. Uma reclamação de direitos à la carte. Um direito inalienável.
Pois bem, caros amigos facebookianos, resolvei aderir ao pós-modernismo. Resolvi libertar-me de uma terrível aflição, desde que me conheço penalizada por esta sociedade normalizadora, normativa e cientista, e imaginar um futuro sem opressão.
Tenho joanetes. Leram bem. Tenho joanetes. Tenho sido ostracizado e excluído desde que me recordo. Tenho presente os horrendos momentos, para outros prazenteiros, em toalhas de praia, observado e comentado por outros, sem possibilidade de defesa pela normalização fascista, diria mesmo racista, de uma sociedade que valoriza os pés perfeitos e sentindo-me humilhado por algo que, sei agora, constitui fator de orgulho e de enriquecimento da diversidade social.
Pois bem, I had a dream. Sonhei com uma sociedade em que os direitos de pessoas com joanetes são salvaguardados. Para a atingir, e nas palavras de Mamadou Ba, é preciso inteligência teórica, estratégica e, claro, “dar porrada”.
Mobilizemos ativistas e criemos comunidades que estes encabecem a favor dos portadores de joanetes.
Vasculhemos o passado, pois nem difícil é, à procura de génios que também tinham joanetes e que, apesar disso (sobretudo, por isso) se destacaram.
Aos gritos, e em bicos de pés, os nossos ativistas devem criticar o sistema, deixando claro que esta especificidade dos joanetes não está salvaguardada pelos cânones pré-determinados desta sociedade homofóbica, sexista, racista, capitalista e normalizadora, pois, qual atitude fascista e fascizante, “põe as pessoas em caixinhas”.
Criemos um movimento internacional denominado BUNION IS BEAUTIFUL. Organizemos mesas de debates, por todo o mundo, com palestrantes de pés deformados (descalços, deliberadamente descalços, e selecionados pela sua deformação – quanto mais melhor).
Aqui em Portugal, apresentemos um projeto à FCT, encabeçado por Boaventura Sousa Santos e Joacine Katar Moreira (sim, colegas! Além de mulher, negra e portadora de gaguez, também é portadora de joanetes), onde possamos estudar as múltiplas e horríficas formas de opressão dos portadores de joanetes, ao longo de toda a história da Humanidade, em particular no mundo ocidental e, com especial destaque, na União Europeia.
Nesses debates (onde devemos evitar a designação mesa-redonda, por alusões subtis mas não menos opressivas aos pés dos ativistas e dos que estes representam – tenham sempre presente o poder dominador da linguagem, colegas!), tenhamos palestras de ativistas que, perante públicos entusiasmados e moralizados (no duplo sentido), expliquem o que os trouxe à causa e, em particular, ao ativismo.
Convoquemos os palestrantes-ativistas para abrir o coração e contar o que os levou a sentirem-se excluídos. Recordo, a título de exemplo ilustrativo, um colega de luta cujo professor de ginástica lhe vaticinou fracasso em qualquer atividade desportiva em que se envolvesse, opressão inequívoca a que este nosso colega, precoce e seguindo o que os genes de revolucionário lhe ditavam (sei que tudo é socialmente construído e que a hereditariedade é uma construção capitalista, mas é de colegas que estamos a falar), retorquiu, com enorme sagacidade, sugerindo ao professor um bom psiquiatra que conhece. A história terminou com mais um exemplo de EXCLUSÃO INSTITUCIONAL (não esqueçamos que a escola é conservadora, elitista e o seu currículo é invisível): o professor aplicou-lhe falta disciplinar.
Criemos grupos contestatários nas faculdades e universidades, que defendam as minorias joanéticas (Joana, amore mio, perdoa este neologismo, mas escasseava a imaginação e a sonoridade é atrativa) e as suas especificidades. Colegas de luta: os norte-americanos reclamam a autoria desta defesa das minorias e dos desprotegidos, mas esquecem-se dos intelectuais europeus, designadamente franceses, que deram origem a estas pulsões libertadoras.
Um grupo deverá intitular-se JOANÉTICOS E UMA REVISÃO DA FÍSICA MODERNA. A física está repleta de exemplos de enviesamento científico de cientistas sem joanetes. O mesmo se passa com a biologia, a matemática, a economia e muitas outras ciências ditas exatas e que mais não são do que um instrumento de poder que tem vindo a ser subtilmente utilizado contra as minorias, entre elas nós, os JOANÉTICOS.
Um outro grupo deverá pugnar pela revisão, nas faculdades, de critérios avaliativos para os Joanéticos. Temos direitos especiais, colegas. Estar sentado, durante duas horas, em exames é um privilégio branco, ocidental e de homem sem joanetes, razão mais do que suficiente para que tenhamos condições especiais.
Deveremos, ainda, lutar pela existência de quotas, nas empresas, no parlamento, nas universidades, etc) para joanéticos.
Meus colegas de luta, isto foi um sonho que tive, mas que pode e deve ser ampliado. Conto convosco. Muito há por fazer e idealizar. The sky is the limit, deveria ser o nosso mote.
A este respeito, obtenhamos o apoio de músicos de todo o mundo. Aproveitemos as músicas e reformulemos os títulos::
· Lucy in the sky with Bunions (Beatles)
· The great gig, with Bunions, in the sky (Pink Floyd)
· A sky full of bunions (Coldplay)
· When the Bunion comes falling from the sky (Bob Dylan)
· Bunion city in the sky (The Who)
· The sheltering sky for bunions (King Crimson)
· See the sky about to rain … bunions (Neil Young)
Na esteira do neo-marxismo, permitam-me que termine com uma saudação:
JOANÉTICOS DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!
João Gouveia
Janeiro de 2020