... e adormecem a sociedade com eles.
o patriarcado
When a woman reaches orgasm with a man she is only collaborating with the patriarchal system, eroticising her own oppression.
Sheila Jeffreys (lésbica feminista, pesquisadora e ativista política; foi professora de ciência política na Universidade de Melbourne)
To call a man an animal is to flatter him; he’s a machine, a walking dildo.
Valerie Solanas (feminista radical, lésbica e escritora estadunidense)
I’m actually not at all concerned about innocent men losing their jobs over false sexual assault harassment allegations. If some innocent men’s reputations have to take a hit in the process of undoing the patriarchy, that is a price I am absolutely willing to pay.
Emily Lindin (cineasta e ativista feminista)
The ideal man is the one who has been beaten to a bloody pulp with a
high-heel shoved in his mouth, like an apple in the mouth of a pig.
Andrea Dworkin (feminista estadunidense e escritora)
The proportion of men must be reduced to and maintained at approximately 10% of the human race.
Sally Miller Gearhart (professora na Universidade de Oregon, escritora, feminista e ativista política)
Why can´t we hate men?
Suzanna Danuta Walters
(chefe de redação do jornal Signs: Journal of Women in
Culture and Society, num artigo do Washinton Post)
a heteronormatividade
Woman’ and ‘man’ are figures of male speech.
Gender – no less than sexuality – is an irreducible fiction.
David M. Halperin (docente universitário e teórico americano nas áreas de estudos de género, teoria queer e teoria crítica)
The disaster of heterosexuality.
Laurie Penny (jornalista, colunista e autora inglesa; escreveu vários livros sobre feminismo)
o racismo
Are white people genetically predisposed to burn faster in the sun,’ she asked, ‘thus logically being only fit to live underground like grovelling goblins? (...) It must be so boring to be white.
Sarau Jeong (foi escritora sénior da The Verge e participa, desde setembro de 2018, do conselho editorial do The New York Times)
On many levels, mathematics itself operates as Whiteness.
Rochelle Gutiérrez (professora de educação na Universidade de Illinois)
White people (as a term) doesn’t refer to the colour of people’s skin as much as it refers to people’s identification with the dominant power relations which continue to subjugate people of colour to a second-class status.
Myriam François-Cerrah (escritora, locutora e académica inglesa)
White people are potential humans – they haven’t evolved yet.
Louis Farrakhan (líder do grupo negro Nation of Islam)
White death will mean liberation for all. To you goodhearted liberals, apathetic nihilists, and right-wing extremists: accept this death as the first step toward defining yourself as something other than the oppressor. Until then, remember this: I hate you because you shouldn’t exist. Your DNA is an abomination.
Rudy Martinez (no jornal da Universidade do Texas)
You can still be homeless and have white privilege.
Munroe Bergdorf (modelo transgénero e ativista inglesa)
All white people are implicated in white supremacy.
Lola Okolosie (professora inglesa e colunista no The Guardian)
If time had a race, it would be white. White people own time.
Brittney Cooper (professora, ativista e crítica cultural americana)
White people are socialized into a deeply internalized sense of superiority that we either are unaware of or can never admit to ourselves.
Robin DiAngelo (consultora e facilitadora americana que trabalha nas áreas de análise crítica do discurso e estudos da brancura; autora do best-seller White Fragility)
White Americans should be a little less white, which means a little less
oppressive, oblivious, defensive, ignorant, and arrogant.
Robin DiAngelo
All white people are complicit in racism, because of their automatic participation in the system of power and privilege.
Barbara Applebaum (escritora, investigadora e docente da Universidade de Nova Iorque)
o eurocentrismo na ciência
Privilege-preserving epistemic pushback is a variety of willful ignorance that dominant groups habitually deploy during conversations that are trying to make social injustices visible. (...) I focus on these ground-holding responses because they are pervasive, tenacious, (...) and because I believe that their uninterrupted circulation does psychological and epistemic harm to members of marginalized groups”
Allison Bayley, a propósito das críticas à Teoria da Justiça Social (professora do Centro Nacional de Pesquisa em Avaliação, Padrões e Testes de Alunos e professora do programa de Desenvolvimento Humano e Psicologia da Escola de Pós-Graduação em Educação da Universidade da Califórnia)
I think that there’s a lot of people more concerned about being precisely,
factually and semantically correct than about being morally right.
Alexandria Ocasio-Cortez (congressista na Câmara dos Representantes de Nova Iorque)
One can disagree and remain engaged in the material (Social Justice and white privilege), for example, by asking questions and searching for clarification and understanding. Denials, however, function as a way to distance oneself from the material and to dismiss without engagement.
Barbara Applebaum (escritora, investigadora e docente da Universidade de Nova Iorque)
Science is embedded in a set of social, economic and political relations embodied through patriarchy.
Jill Bowling and Brian Martin (artigo ‘”Science: a Masculine Disorder?” de 1985)
Resistance will not be allowed to derail the class discussions! Of course, those who refuse to engage might mistakenly perceive this as a declaration that they will not be allowed to express their disagreement but that is only precisely because they are resisting engagement.
Barbara Applebaum, comentando os alunos que discordam das aulas (docente da Universidade de Nova Iorque,)
Free speech is nothing more than a political ploy, a ruse, a term the far right willfully abuse to spread hatred.
Owen Jones
(colunista, escritor, comentarista e ativista político britânico da perspetiva socialista democrática; escreve para o The Guardian)
Being good or bad is not relevant. Racism is a multilayered system embedded in our culture. All of us are socialized into the system of racism. Racism cannot be avoided. Whites have blind spots on racism, and I have blind spots on racism. Racism is complex, and I don’t have to understand every nuance of the feedback to validate that feedback. Whites are / I am unconsciously invested in racism. Bias is implicit and unconscious.
Robin DiAngelo (consultora e facilitadora americana que trabalha nas áreas de análise crítica do discurso e estudos da brancura; autora do best-seller White Fragility)
o neocolonialismo
To be colonized is to become a stranger in your own land. As a desi, this is the feeling I get in most Westernized yoga spaces today.
Susanna Barkataki (professora, palestrante e praticante de yoga, no artigo “Decolonizing Yoga”)
Your jerk rice is not ok. This appropriation from Jamaica needs to stop.
Dawn Butler (Parlamentar Trabalhista, criticando o chef Jamie Oliver por apropriação cultural)
a interseccionalidade
Prophet Muhammad was not only a feminist for his time, but also an intersectional feminist who wanted to generate as much inclusivity as possible.
Muslim Girl Magazine
The hijab is a symbol of empowerment. Sharia law is reasonable and makes a lot of sense.
Linda Sarsour (ativista política americana, copresidente da Marcha das Mulheres de 2017, do Dia sem Mulher de 2017 e da Marcha das Mulheres de 2019; ex-diretora executiva da Associação Árabe Americana de Nova York)
In a misogynistic society, when people imagine the Earth as a “she”, they think she is less important than a “he”. So, the mostly all-male polluting corporate heads think they can treat the Earth badly.
Beth Stephens (artista americana, professora e presidente do Departamento de Arte da Universidade de Santa Cruz)
a obesofobia
Obesity discourse is totalitarian, by which I mean it presents itself as the only authority on fat, nothing else counts.
Charlotte Cooper (académica e escritora)
a tentar analisar estes dislates
As ideias de justiça social surgem com John Rawls, um progressista liberal.
Para ele, as sociedades socialmente justas seriam aquelas em que qualquer indivíduo, sendo dado a escolher, poderia tornar-se igualmente feliz, independentemente do meio social ou do grupo identitário em que nascesse ou a que pertencesse.
Esta era a visão liberal da justiça social.
Uma outra forma de encarar a justiça social, mais iliberal nos propósitos e na forma, é o movimento que ficou conhecido como Teoria Crítica (segunda metade do século XX).
A Teoria Crítica está, sobretudo, preocupada em revelar preconceitos escondidos e pressupostos não provados, geralmente identificando e destacando o que se denomina “problemáticas”, que são disfunções da sociedade e dos sistemas em que ela opera.
O pós modernismo, tendo inicialmente seguido o seu próprio caminho, foi retomado pelos ativistas da justiça social crítica, em particular a partir dos anos 80 e 90 (curiosamente, sem qualquer menção à influência de John Rawls).
Este movimento intitula, também, a sua ideologia como Justiça Social, imagino que para sugerir que os seus defensores e ativistas, também designados por SocJust ou woke (no sentido de awakening), têm o exclusivo desta preocupação. "Justiça social" é um objetivo tão superior aos "interesses estabelecidos" que se opõem a ela, que redime toda e qualquer ação levada a cabo em seu nome.
Roger Scruton denuncia esta autodenominação por revelar duas importantes assimetrias: uma moral (apropriam-se de toda a bagagem da virtude humana); outra lógica, (o ónus da prova recai sempre no outro lado).
Em todo o caso, SocJust e/ou Woke são as designações de docentes, investigadores, formadores de opinião e ativistas que reificaram (tornaram reais e indiscutivelmente verdadeiros) dois princípios abstratos e duvidosos do pós-modernismo: o princípio do conhecimento e o princípio político.
Segundo o princípio pós-moderno do conhecimento, a verdade objetiva não existe (desconfia-se da ciência e do conhecimento baseado em evidências) e o conhecimento é socialmente construído e um produto da cultura.
Por sua vez, o princípio político assenta na ideia de que a sociedade é construída através do conhecimento, com base na língua e nos discursos, concebidos para manter os grupos dominantes a exercer o seu poder sobre os oprimidos.
Os primeiros pós-modernistas de finais dos anos 60 (Michel Foucault, Jacques Derrida e Jean-François Lyotard são grandes influências) caracterizavam-se, sobretudo, por cepticismo radical e cínico, desespero epistemológico, niilismo e um tom irreverente e irónico, embora pessimista, para desconstruir tudo o que se julgava saber e se tinha como adquirido.
Reagiam, em grande medida, à desilusão com o fracasso do marxismo, que constituiu, durante muito tempo, o quadro de referentes da esquerda académica.
O esboroar do seu quadro teórico de referência levou-os a adotar uma atitude cínica de completa e sistemática desconfiança. Eram céticos em relação ao cristianismo, à ciência, ao conceito de progresso e a todos os valores do Iluminismo, a que chamavam metanarrativas.
A mensagem desta Nova Esquerda era simples: todo o poder no mundo é opressor e todo o poder é usurpado.
E, com o fracasso do marxismo, ruiu também a esperança de conseguirem reestruturar a sociedade em direção à "justiça". Por isso, procuraram desmantelar, desconstruir e perturbar ironicamente os referenciais existentes, num jeito de brincadeira sem alegria. Os novos pensadores de esquerda deixaram de se concentrar na difícil tarefa de descrever o futuro socialista e focaram-se, antes, na fácil diversão da destruição.
As ideias nucleares do pós-modernismo consistiam em:
- duvidar que qualquer verdade humana forneça uma representação objectiva da realidade;
- centrar atenções na linguagem e no modo como as sociedades a utilizam para criar as suas próprias realidades locais;
- negar o universal.
Esbatem as fronteiras entre objetivo e subjetivo, verdade e crença, ciência e artes (Lyotard), natural e artificial (Baudrillard), cultura erudita e popular, homem e outros animais, homem e máquina (Deleuze), diferentes entendimentos de sexualidade e género, saúde e doença (Foucault).
Como Scruton bem recorda, o único conselho que têm para oferecer é o de Sartre: não ser verdadeiro a nada, de modo a ser verdadeiro para si mesmo. Não há soluções, somente problemas. E fortalecem-se desmascarando o que consideram ser os enganos dos outros.
O conhecimento, a verdade, o significado e a moral (o bom, o verdadeiro e o belo) são produtos culturalmente construídos e relativos a culturas individuais, nenhuma das quais possui as ferramentas necessárias para avaliar ou fazer juízos de valor sobre as outras.
Nenhuma cultura pode considerar-se superior a outra, até e desde logo porque não se pode falar de outra cultura olhando-a de fora. Qualquer análise cultural que se pretenda fazer é, na melhor das hipóteses, errada, senão mesmo ofensiva, pois configura uma ideia de superioridade. Até dentro de uma mesma cultura se torna necessário um enorme cuidado na análise, pois a legitimidade para expressar opiniões depende da posição que se assume na sociedade (opressor ou oprimido, por exemplo).
Por seu turno, a linguagem assume-se como uma espécie de obsessão pós-moderna, levando a rejeitar muitas ideias e conhecimentos tidos como objetivos pelo facto de serem meras construções do discurso. Neste campo, Derrida revelou-se o mais obcecado - para ele, "não há nada fora do texto".
O pós-modernismo é, assim, uma espécie de teoria da conspiração sem conspiradores, uma vez que todos somos participantes do jogo.
Durante a segunda metade do século XX, esta era a tendência cultural dominante nas sociedades industriais avançadas do Ocidente, espalhando-se depois para outras regiões do globo.
Aqui, interessar-nos-á sobretudo a versão francesa do pós-modernismo (com Michel Foucault e Jacques Derrida como principais influências), pois são sobretudo as ideias francesas sobre o conhecimento e o poder que configuram o essencial do que, muitas vezes, se chama simplesmente Teoria. Estas ideias foram incorporadas no ativismo e no discurso da Justiça Social (e na consciência social dominante), embora, curiosamente, isto tenha tido mais impacte no mundo anglófono do que propriamente em França.
De referir ainda que, no pós-modernismo inicial, a mudança era vista como impossível, tendo em conta a inerente falta de sentido de tudo e o completo relativismo moral.
Vinte anos mais tarde (no final dos anos 80), surge uma segunda vaga que, recuperando o desespero, o fez acompanhar de um impulso para formas mais positivas e aplicáveis da Teoria. Para isso, resgatou os dois princípios-chave do pós-modernismo (o do conhecimento e o da política) e tentou fazer algo com eles.
Foi nesta fase que se operou uma evolução no sentido das teorias pós-modernas aplicadas, no plural. Por esta altura, o pós-modernismo fragmentou-se, dando origem às várias Teorias: Pós-Colonial; Queer; Teoria Crítica da Raça; Feminismo Interseccional; Estudos da Deficiência; e Estudos da Obesidade.
A terceira vaga, entre 2000 e 2010, é marcada por certezas absolutas e zelo ativista e constitui uma forma integrada (a interseccionalidade) de pensar os vários "grupos marginalizados".
Sobretudo desde 2010, as várias teorias agregaram-se na Justiça Social Interseccional, combinando academismo e ativismo e disseminando-se pela sociedade e pela consciência pública como descrições factuais do modo como o conhecimento, o poder e as relações sociais funcionam.
Depois de décadas a serem considerados como saberes (knowns) dentro de setores académicos e de ativismo, os princípios, temas e afirmações da Teoria (designação para os pressupostos pós-modernos) tornaram-se, com a 3ª vaga, saberes sabidos (known knowns). Ou seja, ideias assumidas como certas e como afirmações verdadeiras sobre o mundo.
O resultado foi o seguinte: a crença de que a sociedade está estruturada com base em sistemas de poder e privilégios específicos mas invisíveis, baseados na identidade, que constroem o conhecimento através de formas de falar sobre as coisas é agora considerada como uma verdade absoluta pelos académicos e ativistas da justiça social.
A reificação dos dois princípios pós-modernos a que atrás nos referimos (conhecimento e político) significou, portanto, que o ceticismo radical dos inícios do pós-modernismo foi transformado numa certeza absoluta de que o conhecimento é construído ao serviço do poder, que está enraizado na identidade e que isto deve ser escrutinado através de um apertado controlo da linguagem.
Para os Justiceiros Sociais, o patriarcado, a supremacia branca, o imperialismo, a cisnormatividade, a heteronormatividade, o ableism (discriminação contra deficientes) e a obesofobia (fatphobia) estruturam a sociedade e infetam tudo. Ainda que encobertos por uma superfície aparentemente agradável, estes fenómenos opressivos constituem parte integrante e inseparável da rede social - sempre e em todo o lado. A maior parte de nós é incapaz de tomar consciência destes sistemas e discursos opressivos porque eles são a água em que nadamos.
De certo modo, a dúvida cartesiana Penso, logo existo vê-se, assim, substituída por Sou vítima de opressão, logo existo ... e a opressão e a dominação também.
A imagem de uma rede elétrica ajuda a perceber esta conceção da sociedade humana. Nascemos e posicionamo-nos na sociedade a partir de características e elementos da nossa identidade e, portanto, com diferentes níveis de acesso ao privilégio do poder. Como estamos ligados à rede, somos parte do sistema e, ao desempenharmos os nossos papéis , somos “condutores” desse poder, mesmo sem sabermos que ele existe.
Por sua vez, o acesso ao poder corrompe. Somos levados a aceitar as injustiças do sistema (e a convencer os outros a aceitá-las), justificando o nosso privilégio e racionalizando a exclusão de outros, sendo tudo isto feito através da linguagem que utilizamos – a forma como falamos das coisas.
Esta "realidade", porque profundamente problemática, precisa de ser constantemente identificada, condenada e desmantelada para que a sociedade possa ser corrigida.
E, para navegar nesta complexa rede de discursos carregados de energia, é necessário que a saibamos detetar o que, por sua vez, exige preparação, estudo e formação …. na Teoria.
Trata-se, portanto, de um raciocínio circular e autojustificador: a Teoria assenta na ideia ...de que precisamos da Teoria.
O pós-modernismo transformou-se, assim, numa metanarrativa. Exatamente aquilo que os seus primeiros pensadores tanto repudiavam.
Os académicos, educadores e ativistas da Justiça Social veem os princípios e conclusões da Teoria como a Verdade. Os seus textos assemelham-se a uma espécie de Evangelho e afirmam, com absoluta certeza, que todos os brancos são racistas, todos os homens são sexistas, o sexo não é biológico, a linguagem pode ser violência, a negação da identidade de género está a matar pessoas, o desejo de remediar a deficiência e a obesidade é odioso e tudo precisa ser descolonizado.
Na Academia, por exemplo, o que significa descolonizar?
1. Diversificar os docentes, tornando as universidades mais inclusivas. Acham que o currículo é branco e deve substituir-se docentes brancos por pessoas de outras cores, preferencialmente de regiões oprimidas e subordinadas.
2. Diversificar o conhecimento, abrindo-o a “outras formas de pensar”, com base no pressuposto de que não há verdades objetivas e universais. Ou seja, evitar o “conhecimento ocidental”. O conhecimento provém da experiência vivida de determinados grupos identitários, que assumem posições diferentes na sociedade e que, portanto, veem aspetos diferentes e de modo diferente. Estas outras perspetivas têm a mesma legitimidade, senão mesmo superior, até para poder compensar séculos de opressão. Acham o conhecimento científico eurocêntrico e ocidental, autoridade epistemológica que importa combater e desmontar. Não só é necessario desconstruir estas perspetivas; é imperioso transformá-las.
3. Decidir o que deve ser estudado e investigado e como o deve ser.
Trata-se, portanto, de desconstruir a mente ocidental, muito para além dos textos e do discurso (ideias oriundas de Derrida e Foucault). Encontram sinais do colonialismo opressor em tudo e em todo o lado, pelo que descolonizar implica desconstruir toda a sociedade. Os próprios espaços físicos têm de ser desconstruídos, como Derrida sugeria que se desconstruíssem os textos.
Isso ajuda a perceber o derrube de estátuas, a denúncia de colonialismo e racismo nos livros, na arte, na economia, nos media, nas organizações, etc.
Esquece-se, como salienta Harari, que foi precisamente a herança de homens brancos, europeus e ocidentais que permitiu e permite a muitos dos críticos serem anti-brancos e anti-europeus. Foi o Ocidente e a sua racionalidade quem criou o mundo tal como o conhecemos, inclusive as ideologias que são utilizadas para o julgar.
Hoje em dia, todos os humanos são, em muito maior medida do que os justiceiros sociais conseguem admitir, europeus na moda, no pensamento e nos gostos. Podem ser ferozmente antieuropeus na sua retórica, mas quase todos os habitantes do planeta veem a política, a medicina, a guerra e a economia atraves dos olhos europeus e ouvem música composta em moldes europeus, cantada em línguas europeias.
O potencial que a Europa desenvolveu e que lhe permitiu dominar o mundo moderno tardio tem duas explicações: a ciência e o capitalismo. Os europeus estavam habituados a pensar e agir de uma forma científica e capitalista, mesmo antes de gozarem quaisquer vantagens tecnológicas significativas.
Nesta terceira fase, exige-se justiça epistémica e justiça de investigação. Ou seja, defende-se a inclusão das experiências, das emoções e das tradições culturais de grupos minoritários, considerando-os "saberes" a privilegiar, em detrimento da razão e do conhecimento baseado na evidência.
Garantir justiça na investigação implica, muitas vezes, evitar deliberadamente citar pensadores brancos, homens e ocidentais, valorizando os interseccionalmente marginalizados, e censurar investigações que possam contrariar os dogmas da Teoria.
Nesta lista de identidades interseccionais, não há, surpreendentemente, qualquer referência substantiva à classe económica. O proletariado de Marx foi completamente esquecido e substituído por outros oprimidos e outras formas de opressão. Isso ajuda a perceber que muitos trabalhadores e pobres se sintam esquecidos por esta esquerda, achando, legitimamente, que as suas preocupações são muito burguesas. Ajuda a perceber, também, a forma como, em Portugal, partidos como o PCP reagem a fenómenos pequeno-burgueses como o Bloco de Esquerda.
É, de resto, profundamente irónico que um movimento que reivindica a problematização de todas as fontes de privilégios seja liderado por pensadores e ativistas de classe média-alta, com elevados níveis de instrução e que revelam uma reveladora amnésia do facto de serem membros privilegiados da sociedade.
No meio de tudo isto, existe uma regra de ouro: a Teoria é real e nunca pode ser negada.
O academismo da Justiça Social transformou-se numa espécie de Teoria do Tudo (daí a interseccionalidade), um conjunto de verdades inquestionáveis (com V maiúsculo).
Aqui chegados, perguntamo-nos como é possível que pessoas inteligentes afirmem a Verdade da Teoria com esta absoluta certeza e, ao mesmo tempo, sejam radicalmemte céticos e relativistas.
A resposta é simples: são seletivamente céticos e relativistas. O conhecimento é mais fiável e legítimo se ouvirmos a "experiência vivida" dos membros de grupos marginalizados do que se nos basearmos na racionalidade, na lógica e em evidências.
Esquecem, portanto, as dificuldades de epistemologias (teorias do conhecimento) assentes em sentimentos, intuição e experiência subjetiva. Por exemplo: como fazer quando as experiências subjetivas conflituam?
A seguir um princípio liberal, a resolução de conflitos (que são socialmente naturais e até desejáveis) obtém-se apresentando os melhores argumentos e remetendo a solução para as melhores provas disponíveis de que se dispõe. Para os SocJust, esta abordagem constitui uma conspiração que mantém e até agrava as lógicas opressivas estruturais e inerentes à sociedade.
A Teoria da Justiça Social tornou-se, assim, completamente inatacável e impossível de contrariar: independentemente das evidências disponíveis sobre a realidade (física, biológica e social) ou dos argumentos filosóficos apresentados, a Teoria pode sempre descartá-los.
Ao aplicar os seus métodos "críticos" para analisar sistemas, linguagem, e interações na sociedade para "descobrir" os sistemas de poder e torná-los visíveis para todos, os SocJust acreditam que se pode operar uma revolução social e alcançar justiça social. Desde, claro, que cada um de nós aceite como imperativo moral prestar atenção e aceitar as suas interpretações.
Qualquer ceticismo face às suas interpretações é assumido como uma tentativa de preservar o próprio privilégio (caso se pertença a um grupo privilegiado), ou como prova de se ter interiorizado o sistema de poder opressivo (nos casos de se pertencer a um grupo oprimido). Isto torna impossível que qualquer desacordo seja visto como legítimo. Uma verdadeira armadilha de kafka – uma discordância honesta é logo utilizada para reforçar a nossa culpa; nenhum acusado pode ser inocente pois a estrutura da armadilha kafkiana exclui essa possibilidade.
Este tipo de raciocínio radica em lógicas demenciais e assumiu contornos de fé, com discursos e práticas totalitárias e supressão de contraditório. Uma espécie de religião para uma certa esquerda, lado político que nos habituamos a ver como secular.
Segundo esta forma de pensar, eu tenho de acordar e consciencializar que, cada vez que interajo com uma mulher ou com uma pessoa não-branca, tenho mais poder e uso-o contra elas. Devo, também, educar-me e fazer o meu trabalho ("do the work"), reconhecendo a minha "fragilidade branca", cada vez que tenho dúvidas quanto ao facto de ser inerente e estruturalmente racista.
O problema começa, desde logo, nas Universidades. Este conceito de Justiça Social é transmitido aos estudantes, que depois saem para o mundo do trabalho, ensinados a ser céticos em relação à ciência, à razão, à lógica e às evidências, a considerar o conhecimento dependente da identidade de grupo, a ver opressão em tudo, a politizar todas as dimensões da vida, a aplicar princípios éticos de acordo com a identidade que assumem, extasiados com a iluminação da certeza subjetiva.
A dimensão do problema não se limita à Academia, onde já há evidentes sinais de preocupação com as exigências crescentes dos estudantes quanto a espaços seguros, os receios de micro-agressões e a consequente cancel culture. Uma cultura de vitimização de muito mau agouro.
A Teoria, apesar de algo obscura e apenas dominada por uma minoria, espalhou os seus efeitos pelas redes sociais e pelo jornalismo ativista, tornando-se uma força social e cultural significativa com profunda - e negativa - influência, inclusive na política.
São muitos e conhecidos os relatos de intolerância, atentados à liberdade de expressão, bullying, agressões, condicionamento de linhas de investigação científica, artigos científicos fraudulentos, pseudociência, condicionamento da liberdade artística e até mesmo demissões.
Como bem recorda Bret Easton Ellis, o progressismo socialmente justiceiro tornou-se tão rígido e autoritário como as instituições que critica, evoluindo perigosamente do “Não me consigo identificar com algo” e “Não o leio ou ouço ou vejo” para o “Não vou permitir que alguém o veja ou ouça”.
Tudo isto ao abrigo de uma conformidade canina com o suposto “bem pensar” ou “pensamento progressista”, denunciando todas as visões não conformes, por lógicas e racionais que sejam, com o ágil rótulo de “crime do pensamento”, seja ele racismo, homofobia, fascismo, ...
Ao abrigo da suposta defesa de supostos oprimidos, os SocJust estão a dar origem a um macarthismo de esquerda, assente num maniqueísmo primário, onde a identidade de cada um se forja por oposição aos seus inimigos. Como dizia Sartre, outra arrogante autoridade,"O inferno são os outros".
Tudo isto se assemelha a um enorme vazio ético, por muito repleto de barulho que esteja. Um bifocalismo moral em que se nos exige que, em vez de compreender e racionalizar, tenhamos fé.
Importa, portanto, denunciar os exageros dos guerreiros da justiça social, afirmar sem receios que o rei vai nu (no mínimo, pessimamente mal vestido) e mantermos a possibilidade de rir de tudo antes que acabemos a não poder rir de nada.
James Joyce terá dito: “I have come to the conclusion that I cannot write without offending people.”
É isso mesmo!
Vila do Conde, março de 2021
Fontes:
ELLIS, Bret Easton, (2019), White, New York, Alfred A. Knopf.
HARARI, Yuval Noah, (2017), Homo Deus – História Breve do Amanhã, Amadora, Elsinore, 2020 Editora.
McGRATH, Titania, (2019), Woke: A Guide to Social Justice, London, Constable.
PASQUALE, Lisa, (2017), The Social Justice Warrior Handbook: a practical survival guide for snowflakes, millenials and generation Z, New York, Post Hill Press.
PLUCKROSE, Helen, LINDSAY, James, (2020), Cynical theories : how activist scholarship made everything about race, gender, and identity-and why this harms everybody, Durham, Pitchstone Publishing.
RAUCH, Jonathan, (1993j, Kindly inquisitors : the new attacks on free thought, Chicago, University of Chicago Press.
SCRUTON, Roger, (2014), Os Pensadores da Nova Esquerda, São Paulo, É Realizações Editora.