A civilização ocidental preocupa-se com o surgimento da barbárie, dos tribalismos e do desmoronamento de um conjunto de padrões que nos foram permitindo, com maior ou menor dificuldade, ir vivendo em conjunto.
Simultaneamente, nas escolas, recusa-se a transmissão da cultura, rejeita-se a passagem de testemunho cultural e civilizacional, localiza-se as verdades (cada um com a sua) e endeusa-se o relativismo radical, seja ele gnoseológico, estético ou moral.
Os progressistas na educação convenceram-se (e convenceram-nos) de que, ao desacreditar todas as autoridades e relativizando toda a forma de saber, tornaríamos as crianças mais livres, desta forma contribuindo para cidadãos mais responsáveis e socialmente mais empenhados. Não consta que o tenham conseguido.
Não procuro simplificar a questão. É óbvio que a cultura e o conhecimento não são a panaceia que resolve todos os males. A cultura não impede o homem de ser desumano, como é sabido. Mas a incultura impede-o de ser humano.
Perante o descalabro da cultura, o desaparecimento da autoridade, a ausência de referências comuns, a desvalorização do conhecimento, a dificuldade na utilização do instrumento que nos permite estar em comum - a linguagem -, o que fazem os progressistas da educação? Respondem com menos cultura, desvalorização da linguagem, relativização crescente do conhecimento, da verdade, da estética e da moral, e com a descredibilização da autoridade.
O pressuposto é o de que tudo é relativo, decorrente de lógicas de poder, portanto, formas encapotadas de imposição social, gratas às elites, apenas interessadas na manutenção das assimetrias.
Para não pegar senão no exemplo deste "brilhante pedagogo", Cohn-Bendit defendia, em 2013, que se abolisse a preocupação com a ortografia. Deixem as crianças escrever como querem, sugeria. Não se lhes imponha uma ditadura da linguagem, mera imposição das elites, pois interessa o conteúdo, não a forma.
Bourdieu, o sociólogo responsável pela revolução pedagógica operada em França na década de 80, defendia uma educação que preparasse profissionais exclusivamente para o sistema económico, como forma de acabar com os privilégios das elites (a desigualdade do capital cultural que se perpetua). A cultura das “elites”, a predominante nas escolas, era diletante e assente num habitus que segregava, afastava, desincentivava e eliminava os menos favorecidos. Ter-lhe-á escapado que esse mesmo sistema de ensino, que tanto criticou, permitiu que jovens oriundos de famílias desfavorecidas chegassem à universidade e se transformassem em referências internacionais nas suas áreas de estudo. O caso manifesto de Bourdieu.
Os exemplos de insucessos educativos resultantes de ideias progressistas têm-se sucedido: EUA, a partir da década de 60; França, depois de 1990; Suécia, a seguir a 1994; Finlândia, desde a última década do século passado.
Desde há décadas que os estudos feitos no âmbito da psicologia cognitiva nos informam que, para gerar conhecimento, é necessário conhecimento. As competências transversais, as tais do século XXI, não se desenvolvem no vazio. O domínio da linguagem e a amplitude do léxico são fatores determinantes para adquirir mais conhecimento. As tão badaladas pedagogias de projeto favorecem (sobretudo, se não exclusivamente) os melhores alunos. Os tais “herdeiros” de que falava, acusatoriamente, Bourdieu.
Em bom rigor, os progressismos na educação parecem agravar assimetrias sociais, em vez de as diminuir. Os resultados do PISA, ao longo dos vários anos, confirmam-no à saciedade.
Se o capital cultural das famílias é determinante para o sucesso educativo das crianças, que função caberá, primordialmente, à escola?
A pretender-se um sistema educativo que vise diminuir assimetrias de base, a escola deveria compensar insuficiências familiares, proporcionando mais linguagem e conhecimento, mediando-os com a autoridade científica do professor, dispondo de um currículo uniforme, iterativo e centrado no essencial (e já devidamente comprovado) e reforçando literacia científica, estética e moral.
Pelo contrário, o progressismo na educação tem “localizado” o currículo, centrado as aprendizagens em competências transversais, oferecido a cada comunidade educativa aquilo que esta valoriza (e sobretudo isso), individualizado a aprendizagem (é pecado rejeitar os conhecimentos prévios), incentivado cada criança a construir o seu próprio conhecimento (todos são cientistas e investigadores e cada um tem a sua verdade), no pressuposto de que, dessa forma, se respeita a liberdade das crianças, não as submetendo a “verdades arbitrárias e contingentes" e se prepara uma sociedade melhor.
A questão é pertinente: o que fazem cientistas e investigadores quando, em ensaios laboratoriais, obtêm mais efeitos secundários nocivos do que evidências de cura? Os mais rudimentares princípios de ética na investigação determinariam a interrupção das experiências e a utilização, até prova em contrário, das soluções conhecidas, soluções essas que, com mais ou menos limitações, se vêm revelado funcionais. A não pretender ser uma espécie de Lyzenko da educação, mudar-se-ia de rumo, colocando as evidências à frente das ideologias.
No entanto, o que continuamos a fazer com os nossos alunos? Permitimos, alegre e inconscientemente, que se mantenham como cobaias em experiências que se sabe não serem capazes de produzir resultados.
Rousseau, que os progressistas tanto admiram, dizia, elogiando, que a educação de Emílio servia para preparar “selvagens feitos para habitar em cidades”. Mal ele sabia!
Um alerta aos progressistas: os amanhãs assim não cantam, camaradas. A cantarem, irão desafinar. E muito. Já ouvimos guinchos estridentes e pouca melodia.
Vila do Conde,
novembro de 2020