ou ainda
em prol da identificação de embustes na política
Quem me conhece sabe bem o profundo desprezo que o BE me merece, nas pessoas que mais mediaticamente o representam. Tendo tentado, ao longo dos vários posts que deixo no FB (não tantos quantos o que a irritação me impele a escrever e muito menos do que seriam justificáveis pela quantidade de barbaridades que aquela gente profere), justificar a minha irritação com argumentos, pareceu-me que a recente notícia de que Mariana Mortágua (reparem que omito o artigo definido "a") estaria na calha para Ministra das Finanças reclamava uma firme e objetiva recusa e, para tal, importaria uma justificação analítica e fundamentada.
Por razões que se prendem com curiosidade intelectual, de par com uma costela cética, tenho andado entretido com documentação relativa às pseudociências e às razões que levam as pessoas a acreditar em coisas estranhas. E foi-me, por isso, fácil listar um conjunto de falácias e de erros de pensamento lógico que justificam o sucesso de pseudocientistas e defensores do extraordinário, lista essa que me pareceu adequada aplicar a Mariana Mortágua, seu pensamento e formas de argumentação (de resto, e a este respeito, uma excelente representante do BE).
Erro 1: os factos importam menos do que as teorias/crenças.
Uma recolha de evidências e factos económicos, para não citar senão estes, permitiriam (permitem!) fazer ruir muitas das afirmações do BE, caso o seu séquito estivesse disposto a tê-los em conta e a incorporá-los nas suas análises do funcionamento da economia. O BE apresenta uma reconhecida seletividade na forma como elege factos dignos de análise e os torna fenómenos mediáticos. O colapso das economias centralizadas não resulta da circunstância de a economia de mercado funcionar melhor, mas antes de uma conspiração capitalista universal impedir que sejam bem sucedidas. O aumento do poder de compra dos portugueses dinamiza a economia, pelo que os factos que o contradizem nada significam. A consolidação orçamental levada a cabo, com consequências sociais indesejáveis, no governo de Passos Coelho não contribuiu para a melhoria das condições económicas do país. Foi o fim da austeridade e a reposição dos vencimentos da geringonça quem gerou o "milagre" português, tão invejado na Europa.
Erro 2: palavras geradoras de emoções (e que diminuem o pensamento crítico)
Palavras emotivas geram reações igualmente emotivas e, por vezes, obscurecem a racionalidade. Nuns casos, o BE utiliza palavras positivas - justiça social, emprego, verdade, igualdade, moralidade, crescimento económico, igualdade de género – e transforma-as am emblemas a que pretende (e, para alguns consegue) associar-se. Noutros, socorre-se de expressões a que confere imagens negativas - capitalismo selvagem, sistema bancário predador, exploração do patronato -, acompanhadas de muitos adjetivos e advérbios de modo (inqualificável, ignóbil, perverso, destruidor, machista, xenófobo, fascista, desgraçadamente, injustamente, lamentavelmente, …). As metáforas e as analogias que se lhe juntam ajudam à nebulosa e incitam a que se tome um lado da barricada: o Euro como a destruição de Portugal; as leis do mercado como a corrupção e a insensibilidade; o banqueiro como dono disto tudo, etc). Ora, tal como os episódios anedóticos (ou seja, as meras histórias individuais e únicas), os adjetivos, as analogias e as metáforas não constituem prova. São meros exercícios de retórica.
Erro 3: os ataques ad hominem
Trata-se da falácia que orienta o foco da análise para o autor e não para o argumento. Um dos objetivos do ataque ad hominem é o de desacreditar o proponente, com a esperança de que isso desacredite a proposta ou a denúncia. Afirmar que o PSD ou o CDS não têm legitimidade para falar de cativações, porque foram campeões na austeridade, não invalida que, em 2016, elas tenham sido política do Governo e de formas bem questionáveis. Argumentar que não se pode criticar os atuais problemas na saúde e na justiça porque o governo anterior cortou verbas para estas áreas é um outro exemplo. Apelidar alguém de fascista como forma de recusar a sua participação num evento académico é denegrir a pessoa sem mesmo ter tido a oportunidade de ouvir o que tem para dizer.
Erro 4: generalizações apressadas
Trata-se de um fenómeno bem conhecido e que consiste em retirar conclusões antes mesmo que os factos, em quantidade como em qualidade, o permitam. Alguns banqueiros desonestos significam um sistema financeiro perverso e que, como tal, deve ser nacionalizado. Um punhado de empresários exploradores justifica um ataque ao empresariado e uma justificação para o Estado controlar a economia. Um grupo de pessoas a aproveitar ilegal e opacamente offshores é razão suficiente para as impedir e considerar todas as movimentações financeiras criminosas. Tendo em conta que a senhora se encontra a terminar o doutoramento, julgo que devemos ficar preocupados com o que a Academia está a legitimar.
Erro 5: falácia da negação ou do falso dilema
Refiro-me à tendência para dicotomizar o mundo, de forma a que, ao descredibilizar uma posição, as pessoas tenham obrigatoriamente que aceitar a outra.
Ou aceitamos as PPP, que cobram rendas obscenas ao Estado, ou decidimos que se trata de assuntos que são da responsabilidade do Estado e como tal devem ser geridos. Ou aceitamos que as grandes empresas tomem conta da governação do país ou assumimos, de uma vez por todas, que só o Estado pode assegurar a justiça social e a correta alocação de recursos. E, a acompanhar estes raciocínios, vem um rol de casos, escolhidos a dedo, de manipulação empresarial e do poder nefasto das grandes corporações. O meio termo é deliberadamente omitido e, claro, esquece-se que uma nova proposta deve ter fundamentos e evidências por si só e que não se baseiem apenas na crítica ao oponente.
Erro 6: a redução ao absurdo
Trata-se de uma falácia que consiste em levar um argumento até ao seu fim lógico e reduzi-lo a uma conclusão absurda. Seguir as políticas de consolidação orçamental impostas pela UE significa impedir que o Estado funcione como regulador. Ora, isso, mina o papel do Estado em funções determinantes como a redistribuição social. Logo, o fosso entre ricos e pobres aumenta, o que é imoral. Por isso, a consolidação orçamental é nefasta.
Ora, a consequência, como é fácil de ver, não decorre necessariamente da premissa.
Erro 7: dizer sobretudo o que as pessoas gostam de ouvir
Esta técnica é famosa nas consultas astrológicas, bem como nas sessões de espiritismo, onde os mortos enviam mensagens tranquilizadoras aos seus familiares: “Estou bem, não te preocupes”, “Tenho muitas saudades tuas”, “Foste a melhor mãe do mundo”, “Diz a todos os familiares que os tenho sempre presentes”.
O BE é perito em prometer o melhor dos mundos sem as faturas elevadas que daí decorrem. Aumentar o ordenado mínimo, penalizar impostos sobre as empresas exploradoras, reforçar as verbas para a saúde, a educação e a justiça, aumentar o poder de compra dos portugueses, com acréscimos nos ordenados, garantir a justiça social, acabar com a exploração, impedir a corrupção, entre outras, fazem parte das promessas com exequibilidade inversamente proporcional à simpatia.
Erro 8: aproveitar a necessidade de certeza e de redução da ambiguidade
Todos nós gostamos de explicações claras, curtas e simples. A teoria evolucionista explica isto muito bem. O problema é que numa sociedade globalizada, com problemas complexos e interdependência planetária de fenómenos, a simplificação excessiva dos fenómenos interfere com o pensamento crítico e, consequentemente, com a capacidade para resolver problemas. Ora, podemos até concordar com o facto de o euro ser uma invenção mal construída. Mas isso não significa que sair da zona euro seja a solução para o problema. O EUROGRUPO pode aumentar a incerteza nas decisões europeias, em particular quando não tem funções e papéis institucionalmente formalizados; no entanto, isso não sugere inevitavelmente, que o Eurogrupo deva acabar. Os piropos deselegantes não são desejados; mas legislar proibindo-os, por muito que aumente a ilusão de segurança, não resolve o problema. A incerteza financeira gerada pelos mercados é uma realidade; mas recusar os mercados e a sua relevância não constitui solução.
As explicações simples, na maior parte dos casos, não são a solução.
Erro 9: imunidade ideológica
Um cientista social, Jay Stuart Snelson, concluiu que pessoas educadas, inteligentes e bem sucedidas raramente alteram os seus pressupostos fundamentais. Quanto mais conhecimento acumulam, mais as suas teorias se tornam fundamentadas e, portanto, mais confiança nelas depositam. O problema com isto é que acabam por desenvolver imunidade contra novas ideias, em particular as que não corroboram as suas. Pode ser que isto ajude a explicar por que razão professores universitários e personalidades que nos habituamos a respeitar defendam ideias extraordinárias. Sim, e vale a pena incluir Louçã e Rosas na lista (e não, não me apetece incluir nas pessoas educadas, inteligentes e bem sucedidas as manas Mortágua, perdoem). De resto, são vários os estudos que afirmam que pessoas com elevado QI têm mais resistência a ideias que os contradizem e, cereja no topo do bolo, dispõem de capacidades argumentativas acima da média que os ajudam a fazer vingar as suas convicções. Portanto, nada nos deveria fazer admirar que alguns intelectuais e académicos defendam o BE e algumas das suas bizarrias. A inteligência específica (o domínio de uma determinada área do saber) não pode ser confundida com inteligência geral. Ou seja, e a título de exemplo, ser excelente e uma referência em biologia não legitima que deva aceitar-se, sem mais, uma crença no espiritismo. Isto devia ajudar-nos a rever a forma como ouvimos comentadores políticos, lestos a pronunciar-se sobre tudo o que mexe.
Se somarmos ao exposto a circunstância de, no essencial, o BE ser constituído por jovens, de experiência de vida pouco consolidada, mais facilmente marcados por maniqueísmo nas posições e para quem a vontade de mudar o mundo confunde voluntarismo com verdade, então temos reunidos os ingredientes para o desastre.
Mariana Mortágua não está, portanto, interessada em factos económicos tanto quanto em condimentar, mascarando, questões económicas. Se fosse professora, estaria menos interessada em ensinar as nuances e diferentes perspetivas da economia do que em instilar a sua agenda de esquerda radical. Socorre-se do válido e sustentado argumento de que a ideologia influencia o conhecimento, mas só para poder acusar os outros. Vive da ignorância, apatia ou genuíno (mas incauto) voluntarismo de alguns descontentes, mistura factos com inferências ideologicamente enviesadas, acrescenta algumas fake news e verdadees alternativas, produzindo, no final, pouco mais do que pseudoeconomia.
Se juntarmos a esta forma de estar perante o conhecimento, a verdade e o erro um percurso profissional que não a habilitaria, sequer, à direção financeira de uma empresa, temos, sem grandes exageros, o retrato da indígena que Louçã, qual Conselheiro de Estado, refere poder ser a futura Ministra das Finanças.
À luz do que se afirma, apeteceu-me intitular o texto “Armados em moralistas, mais razão nos dão para os considerarmos umas bestas! Mariana incluída.”. Mas isso seria ceder ao entusiasmo e seguir o caminho mais fácil. Optei pelo mais difícil, pelo menos para mim, porque mais analítico e argumentativo.
Agora, e terminados os argumentos, poderá quem me lê criticar o facto de, porventura, eu incorrer em algumas das falácias e erros de raciocínio de que acuso o BE e, em particular, a sua reputada economista. E pode até dar-se o caso de estar correto/a nessa crítica. Mas ao fazê-lo, e de forma a evitar a falácia tu quoque (tu também cometes o mesmo erro), tenha o cuidado de lhe acrescentar argumentos, por gentileza. Até agradeço que o faça. Desse confronto de opiniões resulta a lucidez na análise.
Vila do Conde
Dezembro de 2017