Tenho aprendido, nos últimos tempos, que as decisões políticas, quando influenciadas por posições ideológicas, são perigosas. Perdoem a minha ignorância: eu nunca imaginei que fosse possível fazer política à margem de uma ideologia. Sempre pensei, vejam lá a minha ingenuidade, que o que separava contendores políticos não era o facto de uns terem ideologia e outros não, mas antes a circunstância de se tratar de ideologias diferentes. Afinal, de um lado, há uns técnicos, neutros e científicos na abordagem, e do outro, uns perigosos agitadores, demasiado marcados por posições ideológicas.
De resto, e a propósito do debate dos contratos de associação de escolas, considerava (néscio!) que esta defesa da denominada liberdade de escolha da escola era decorrente de uma posição ideológica. Acreditava que assentava numa lógica de mercado (que resulte claro que nada me anima contra os mercados), segundo a qual a procura determina a oferta e, progressivamente, a sua qualidade. Na minha completa cegueira ideológica, até lhe associava a ideia da mão invisível do Smith. Ou, sendo um pouco mais moderno, a destruição criadora do Schumpeter.
Erradamente, socorri-me de leituras que, pelo contrário, sustentavam que o mercado, só por si, não reúne as condições suficientes para se organizar e tender para a estabilidade. E, claro, li mal todos os acontecimentos recentes da última crise financeira, achando (mal) que tinham sido resultado de excesso de mercado e escassez de Estado. Li até umas coisas mais arrojadas que sugeriam especial cuidado com alguns setores de atividade, como o caso da educação, da saúde e da justiça (para não mencionar senão estes), onde se impunha, e bem visível, uma mão do Estado.
No caso específico da educação, e de entre muitas outras razões possíveis, considerava que os desequilíbrios entre oferta e procura resultavam de assimetria de informação (com escolhas de consumidores e posições de prestadores de serviços que desequilibravam a tal mão assética do Smith) e de não haver, verdadeiramente, liberdade de escolha dos pais.
Pois acordei para a realidade com esta entrada em cena dos paladinos da liberdade de escolha (PLE). Foi um acordar sobressaltado, confesso, mas emancipador.
Percebi que a liberdade de escolha é dos pais. E não das escolas. Inocente, tendia em crer, antes do café libertador dos PLE, que as escolas, tendo em conta a lógica atual de accountability e a pressão gerada em torno dos resultados, quando podiam, selecionavam os melhores alunos e rejeitavam os mais difíceis. Na minha simplicidade, comparava isto à olaria, cuja qualidade de saída está relacionada, também, com a excelência do barro. Ou aos cirurgiões, que têm taxas de sucesso diretamente dependentes da gravidade das condições de saúde dos doentes. Até porque tinha conhecido médicos com taxas de sucesso próximas dos 90% que eu preteria em favor de outros, que não recusavam doente algum e que considerava melhores, apesar de taxas de sobrevivência bem inferiores.
Afinal, nas escolas isto não acontece. Não há, pelo visto, qualquer relação entre os resultados dos exames e a origem social e económica dos alunos. As melhores escolas dos rankings, e mais concorridas pelos libertados encarregados de educação para as escolher, encontram-se nessas posições cimeiras apenas e só porque são muito boas e têm mesmo muita qualidade. E os pais, conhecedores como ninguém do que é a verdadeira qualidade educativa, estão mais do que habilitados e informados para escolher as melhores escolas. E, como é sabido e os rankings o comprovam, essas escolas mêmo boas são as privadas, onde os professores trabalham a sério, contrariamente aos das escolas públicas.
Na minha falta de cultura geral, ignorava também que os exames nacionais, de que dependem os rankings das escolas, são o único e decisivo fator a ter em conta para avaliar a qualidade educativa. Confesso que não sabia. Julgava que os exames, à semelhança de sondagens de opiniões, se baseiam em amostras de conhecimentos e competências e que, pelas suas limitações óbvias, estão longe de poder revelar, por si só, o que se deve entender por sucesso educativo. Pensava que decidir da qualidade das escolas e dos professores com base nos resultados dos exames, uma amostra das aprendizagens realizadas, era como eleger o Governo só com base nas sondagens feitas antes das eleições.
Pois não é assim. Já não tenho dúvidas quanto a isso, felizmente, e muito devido à luz providencial dos PLE.
Apercebi-me, por fim, (tanta aprendizagem em tão pouco tempo) que a própria lógica dos silogismos pode ser revista, sempre que isso nos interessar. Senão vejamos:
- se os contratos de associação são bons
- e a liberdade de escolha das escolas é boa
- os contratos de associação estão na base da liberdade de escolha das escolas
A minha capacidade de argumentação como que decuplicou, fruto dos PLE e da sua lógica (podemos chamar-lhe lógica situacional, julgo eu). Reconheço agora, com humildade, que estava demasiado atreito aos condicionalismos do que aprendi na cadeira de lógica em Filosofia. Foi como uma espécie de 25 de abril para a minha retórica.
Assim, e na esteira desta lógica situacional, enquanto houver contratos de associação, e consequentemente, liberdade de escolha de escolas, não mais haverá problemas de exclusão social, com alunos preteridos (afinal, os pais escolhem as escolas, certo?), diminuir-se-ão desigualdades sociais , nivelar-se-ão as oportunidades de educação e a qualidade educativa será exponenciada.
E, sobretudo, enquanto tivermos contratos de associação de escolas, teremos a certeza de que o Estado, a quem cabe a responsabilidade da educação, mas não ao nível da prestação de serviços, apoiará qualquer escolha que os pais queiram fazer. Mesmo que se trate de escolas com projetos educativos baseados na Cientologia ou no Criacionismo. Afinal, os pais pagam impostos e devem poder ter liberdade na escolha das escolas.
Sendo professor, não poderia sentir-me mais seguro, pois, atentos e vigilantes, os paladinos da liberdade de escolha das escolas zelam por uma educação de qualidade, para todos.
Vila do Conde,
11 de maio de 2016