Tudo vai ficar bem

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Não era a primeira vez que recordava a infância, mas sempre que o fazia, o olhar era fixo e contemplativo, contudo, não mirava algo fora, e sim, dentro de si. Dizia das lembranças da década de 50, da fazenda, da casa da sede, dos pais e dos irmãos - éramos sete mulheres e três homens. Antes de tudo, éramos crianças.

A melhor opção em um dia quente era nadar no córrego que passava atrás da casa. Era evidente que não podia fazê-lo, mas qual criança não é desobediente? Qual criança não espera o pai correr os pastos e a mãe se distrair com os afazeres domésticos, para se trancar no banheiro, pular a janela, passar sorrateiramente pela horta e ir, com os irmãos e com os amigos, nadar? Ela era assim. Nadavam e nadavam, sem preocupação, até que as meninas decidiam montar uma casinha, com um fogão de restos de tijolos, em que usavam sabugos de milho para fazer o fogo (dava uma gargalhada ao falar de sabugos de milho, porque se recordava de histórias impublicáveis…) e cozinhavam arroz, feijão, fubá e café de garapa para alimentar as bonecas de pano. Filhas com cabelos de lã e roupas costuradas à mão pela mãe e pela avó. Enquanto isso, os meninos jogavam futebol. Recordava uma vez em que a irmã mais nova quase se afogou no córrego para pegar vagens de ingá e ela - das mais velhas (!) - atirou-se na água, agarrou-a pelos cabelos e conseguiu salvá-la. Ah Heloísa!

É uma memória sua, porém chama atenção que seja uma recordação plural. Antigamente, criança não era no singular e ainda sabia palavras como córrego, sabugo de milho, boneca de pano e ingá.

Dentro da Celma de hoje, vive uma menina de cabelos castanhos compridos e trançados, que gosta de dizer que “Jamais pensou em viver um momento como este!”, quando fala da necessidade do isolamento em razão da pandemia e que, por ter vivido de forma plural, sofre sobremaneira com o distanciamento.

Dentro da Celma de hoje, vive uma mulher que foi casada, trabalhou muito, era uma professora querida pelos alunos e pelos colegas do colégio e não gosta de dizer que é aposentada, porque acha que os outros entendem como descartável.

Dentro da Celma de hoje vive uma idosa que ganhou gosto por viajar, que ama conhecer pessoas e lugares diferentes e que acredita que “Tudo vai ficar bem!”, como quando pulou no córrego e salvou a Heloísa.

Os áudios enviados são de Celma Vieira Pinto Cassiano, ela é uma senhora nascida no dia 4 de julho de 1945, portanto, tem 75 anos. É viúva, tem duas filhas e três netas. Nasceu na zona rural do pequeno município de Rio Preto, em Minas Gerais, cresceu em uma fazenda, estudou e se tornou professora primária. Depois, casou-se e se mudou para Juiz de Fora, então se licenciou em História. Ama a natureza, ama a família e os amigos, é extremamente extrovertida, sobretudo, ama-se e contagia todos à sua volta com alegria e com bom humor.


Eis a figura.