A infância e a gentil presença paterna

A infância e a gentil presença paterna


Saudades da infância

Do que eu sinto saudade? Eu sinto saudade da minha casa cheia porque na casa do meu pai nós éramos onze filhos e a casa sempre estava cheia, tinha muita gente, muita criança, muito suco de limão, bolo de forma grande, sabe?! Ou você só tem a casa cheia quando você é criança ou quando você é pai de adolescentes, aí a sua casa enche e essa época já passou. Eu não sou mãe de adolescente e não sou criança mais. Nossa casa era muito cheia das crianças da rua. A gente tinha uma casa pequena, mas um quintal muito grande e a nossa mãe não deixava a gente brincar na rua e nem na casa dos outros, então era mais fácil receber o filho dos outros na nossa casa do que a gente ir para casa de qualquer pessoa. Então o quintal era grande, tinha goiabeira, tinha laranjeira, tinha acerola, tinha muita pitanga, né. Então, o quê acontecia, as crianças vinham e a gente ficava nas árvores. Meu pai fazia balaços para gente nas árvores e a gente ficava ali, quando a gente não resolvia balançar no bambuzeiro que ficava bem na frente da nossa casa. E aí a gente subia no quintal do vizinho, né! Olha a arte! A gente subia no quintal do vizinho e a gente pendurava na ponta do bambu e balança ali. Então eu tenho saudade desse tempo, porque hoje as famílias já não são grande mais. Você já não pode mais chamar as pessoas para sua casa porque você não sabe que está trazendo para sua casa e isso me faz muita falta, muita falta mesmo, de ter a casa cheia e de poder fazer aquelas formas de um kilo de bolo e até mesmo de biscoito e poder servir para aquele pessoal, bastante gente, jarras grandes, jarras de quatro litros de suco, naquela época só tinha suco. Então, eu sinto muita saudade é adoraria poder voltar a ser criança e estar junto com os meus irmãos, porque eu sou a mais velha de dez, eu sou a onze. Então o que acontece? Eu era muito moleque, eu sou muito moleque. Hoje em dia, meu espírito moleque fala mais do que eu com o meu neto. Quando estou com o meu neto eu solto pipa, jogo bolinha de gude, eu andava de carrinho de rolimã e isso era muito bom, poder ensinar os meus irmãos a brincar. Eu tinha quatro irmãs e irmãos. Então o que acontecia? Eu ensinava meus irmãos, eu era a mais velha e ensinava meus irmãos a soltar pipa, andar de carrinho de rolimã, meu pai fazia os carrinhos de rolimã para gente, ele trabalhava no posto de gasolina e trabalhava no lavador, então quando tinha rolimã, meu pai levava para casa para poder fazer carrinho para gente poder brincar. Sinto falta também de ir nos cultos com meu pai, porque hoje no culto as crianças ficam largadas dentro da igreja e nós não. Nós éramos, na época seis crianças, e todas ficavam sentadinhas; bonitinhas do lado do pai. Eu sinto falta até dessa organização que a igreja tinha antigamente, não tinha salinha para as crianças ficar enfiadas. Salinhas era só de escola dominical e olhe lá ainda. E as crianças tinham que aprender a assistir ao culto ficar do lado dos seus pais. Então eu sinto muita falta dessa organização porque hoje a gente vive numa bagunça em todos os lugares e eu sinto falta dessa organização, dessa autoridade que o meu pai tinha sobre nós. Eu sinto falta da autoridade do meu pai. Meu pai já partiu tem oito anos e eu sinto falta, porque só de olhar para gente nós já sabíamos o que ele queria e a gente não saía do lugar, não fazia nada que ele não permitisse . Eu sinto falta disso porque é só olhar para o mundo e ver que a gente não tem autoridade em nada e nem em lugar nenhum. Isso me faz muita falta. Então eu tenho saudade de tudo isso. Saudade de estar com ele. Saudade de estar com meus irmãos, principalmente com os meus irmãos, né! Fazer bagunça. Hoje quando a gente se encontra, eu tenho um neto de dois anos, e ele já sabe soltar pipa, porque quando junta eu e os meus irmãos, Mateus e Israel, é uma festa. E a gente vai fazer tudo que a gente fez antes e ensinar para os nossos netos e nossos sobrinhos. Isso é muito bom! Tenho saudade disso.


A praça...

Depois do culto a gente passava pela praça, pela rua direita, Nossa! A Sensação da cidade. Pensa! Na rua direita a gente passava pela padaria para chupar bala de ovo e aquelas antigas balas de coco, Sabe?! Por que a gente tinha se comportado bem, e aí o pai passava pela rua direita para que a gente ganhasse. Eram três balas de ovo e três balas de coco e chegou uma época que a gente já não era tão criança mais e como a gente é filho de um senhor, meu pai Israel, que é filho de pastor, e filho de uma senhora muito beata, porque foi criada com as freiras, minha mãe era católica roxa. Então o que que a gente fazia? A gente se encontrava na rua direita, terminava a missa e o culto também, e meu pai e minha mãe deixava a gente brincar na praça. Nossa que delícia brincar na praça! Tinha aquele pessoal que vendia pipoca. Hoje em dia não tem aqueles carrinhos de pipoca mais. Que delícia! Meu Deus! Que saudade da nossa época de criança porque Deus foi bom com a gente, sabe?! Porque a gente ía no domingo para praça e eu os meus irmãos brincávamos todos juntos. Hoje em dia eu já não vejo tanto amor entre os irmãos, mas a gente tinha um amor um pelo outro, uma alegria de estar juntos. A gente não precisava de ninguém para brincar com a gente, só os nossos irmãos já eram suficientes. Isso era muito gostoso! Muito gratificante porque era uma amor. A gente brincava de pega- pega. E meu pai e minha mãe ficavam olhando a gente brincar e eu vejo que hoje em dia, eu mesma fui assim, a vida é tão corrida que a gente não tem tempo para ver nossos filhos crescerem. Nossos filhos crescem e a gente não vê e aí a gente só consegue fazer isso de verdade com os nossos netos, que é o que eu faço com meu neto ,Pedro, hoje. Eu fico olhando o Pedro brincar e ensino algumas artes para ele. Isso é muito gratificante!


O momento mais emocionante e o inquebrável laço paterno

O momento mais emocionante da minha vida foi quando nasceu meu primeiro filho. Eu sou esposa de militar e eu ficava muito tempo sozinha. E chegou a hora do meu filho nascer. Naquela época nós não sabíamos o que era os filhos, né?! Não tinha ultrassom. E chegou a hora do meu filho nascer e eu fui para casa do meu pai. Como sempre tive mais afinidade com o meu pai do que com a minha mãe. Então como sempre eu corri atrás dele, “ Pai e agora eu não sei o que fazer”. Quando eu passei mal era onze horas da noite e estava acontecendo a festa do rosário, era a festa da cidade, e meu pai estava nesta festa acompanhando minha mãe e meus irmãos. E meu pai arrumou um carro, um fusca amarelo, e chegou com um senhor na porta da minha casa e me levou para o hospital e eu tive o meu primeiro filho. Foi o momento mais emocionante. Saber que meu esposo não estava ali, mas meu pai estava. A pessoa que eu tinha mais afinidade na minha vida e eu acredito que até mais que com meu esposo. Meu pai estava ali! Meu pai estava no lado de fora da porta do hospital porque não podia ter acompanhante no parto naquela época. Naquela época ninguém assistia parto, né. Então meu pai estava no lado de fora esperando eu ter essa criança. E quando eu tive a criança, meu pai entrou, porque aí você pode entrar para ver a mãe e a criança um pouquinho. E meu pai falou e agora o que a gente vai fazer e eu disse a gente vai registrar a criança. E olhar para a criança e procurar um nome e não saber que nome você vai colocar naquela criança, uma pessoa tão pequeninha, com as mãos tão pequeninas dependente de você para tudo. É muito interessante! É muito emocionante, muito gratificante, porque a gestação é emocionante, mas o momento de dar a vida a outra pessoa é mais do que emocionante. Você não sabe se chora, se ri, se sente medo, porque o medo é inevitável, né?! Como é que eu vou criar essa criança? Tão pequenininho, tão dependente de mim, essa criaturinha. O que que eu vou fazer? Será que eu sei fazer? Então esse foi o momento mais emocionante. Foi poder ter os meus filhos e saber que em todos os dois, porque depois de cinco anos, eu tive minha filha, Márcia, que meu pai estava ali, meu esposo também estava, mas meu pai estava ali e ele sempre foi. Eu digo que eu não faço as coisas erradas. Que eu não faço nada que possa sujar o nome do meu pai, um homem que eu pretendo honra até o último dia da minha vida. Esse nome, sabe?! Israel, o nome do meu pai é tudo para mim, porque hoje eu já não tenho ele. Então ele não sabe se estou honrando o nome dele, mas eu pretendo honrar até o último dia da minha vida. Ele foi uma pessoa que eu sempre tive muita afinidade, afinidade mesmo. Todos os meus segredos, angústias, minhas dores , meu desespero, meus medos, eu sempre contei para ele. Nunca foi para minha mãe.


Um momento marcante e a gentileza paterna


Como mulher eu acho que história mais intrigante da minha vida foi momento de ficar mocinha, porque a minha mãe não falava nada, nunca comentou nada. E era sete de Setembro, com sol rachando e aquela espera na escola, aquela enrolação para fazer a fila é aquela coisa de sete de Setembro, aquela euforia, porque eu sempre gostei de festa, muita festa e não importa qual seja, de sete de Setembro, carnaval, hoje mesmo sendo evangélica, eu sempre gostei de ver, e meu pai sempre levava a gente para ver e eu sempre gostei da festa, nunca participei da festa de carnaval,mas eu tinha que pelo menos ver, os meus olhos tinham que contemplar aquilo, porque para mim, a gente sabe que é uma alegria passageira, eu sempre soube desde menina, mas eu queria ver como as pessoas se portavam, e esse ano eu tive oportunidade de conhecer o carnaval de Santa Rita também, para algumas pessoas pode até não significar nada e até ignorar isso, mas eu tenho curiosidade de querer estar ali perto, de ver as fantasias, para mim não faz muita diferença, mas eu preciso ver. Então, era 7 de Setembro e ía encontrar com as amigas , na nossa época não tinha foto para gente poder ficar tirando porque era aquelas fotos de 24 poses ,né?! tanto que eu não tenho muita foto de quando eu era pequena e não podia errar, se perdesse uma, ai meu Deus do céu! Que tristeza porque a gente não conseguia comprar de 24 era de 12 então não podia perder uma foto. Então, era sete de Setembro eu já tinha 11 anos na época, longe do meu pai, longe da minha mãe, só com as minhas amigas, porque a minha mãe estava lá na frente na outra esquina esperando a gente passar. Na minha família sempre fomos doidos pelo sete de Setembro, eu tenho uma irmã, que já faleceu, que a maior festa para ela era sete de Setembro. Somos uma família de professores, meus irmãos são todos professores. Então a maior festa para nós era sete de Setembro, para ver as crianças dela da escola desfilando, isso era muito emocionante para ela e para mim. Até hoje eu ajudo muito meus irmãos a fazer as coisas de escola principalmente essa história de ter que vestir a criança de outro personagem. Então para mim é a hora que eu vou extravasar, vou ver tudo e vou fazer tudo que eu já vi e tudo que eu achei lindo. Então eu estava desfilando no meio da praça e eu senti que alguma coisa diferente aconteceu e eu não sabia o que era, nosso uniforme era calça comprida azul-marinho, mas mesmo assim eu senti que eu estava fazendo xixi na roupa. Foi isso que aconteceu e aí eu tive que correr, sair da formação.Eu tive que correr até o restaurante que meu pai trabalhava , ele trabalhava lá nos feriados, meu pai ajudava na cozinha eu tive que correr até meu pai e falar com meu pai. Eu falei pai “eu machuquei, mas eu não sei aonde eu machuquei. Eu estou sangrando”, e meu pai com toda atenção e com toda delicadeza do mundo, que hoje eu acho que nem as mães sempre tem para poder contar isso para a filha. Meu meu pai mandou alguém na que trabalhava com ele ir na farmácia e ele me trouxe uma fralda de pano. E meu pai com toda a delicadeza do mundo disse o quê estava acontecendo, que eu tinha ficado mocinha e que era para mim entrar no banheiro, tomar banho e colocar aquela fralda de pano. Isso marcou muita a minha vida, porque depois quando eu fui crescendo as pessoas diziam que teria que ter sido a minha mãe para poder fazer isso, mas não foi minha mãe. Talvez por eu não ter tanta afinidade com ela. Meu pai me ensinou que eu era uma mocinha, que eu não podia mais ficar sendo o molecão que eu era, que tudo era diferente agora. Quando eu tive que contar sobre isso para minhas filhas, sobrinhas e até mesmo para minhas irmãs, porque eu tinha mais três irmãs abaixo de mim, era uma história muito emocionante porque toda vez que eu lembrava era uma mistura de tristeza e alegria. Alegria por ter sido meu pai de frustração por não ter sido a minha mãe. Até hoje isso é muito emocionante. Quando fui contar para as minhas filhas eu chorei bastante. Essa foi a história mais intrigante da minha vida porque eu fiquei intrigada porque eu não sabia o que estava acontecendo e ao mesmo tempo eu me emocionei com a gentileza, delicadeza e com os abraços do meu pai.