Espetáculo familiar

Lembranças pai completo.mp3

Você me pede para falar o que marcou, para mim, na minha infância, do que eu tenho saudade naquela época...

Eu diria que apesar de ter sido uma infância complicada, muito humilde, ah, por várias circunstâncias, que não vem ao caso... mesmo assim, nós conseguimos superar.

Éramos uma família grande e superamos fácil, numa cidade do interior, na nossa quadra havia uma interação muito grande entre os vizinhos.

E era um mundo muito mágico, nós tínhamos de fato, momentos muito especiais todas as noites, à luz da rua, em frente à minha casa, onde a gente brincava de ciranda, de pique esconde, está frio... está quente ... morno e ... queimada, e outros brinquedos mais como ... bola de gude.

E o tempo passava rapidamente e era muito mágico, tudo que acontecia.

Andávamos com os bolsos cheios de peões de madeira ... bolinhas de gude, no outro bolso um estilingue, para atirar alguma coisa, alguma pedra numa pobre ave que passava, ou mesmo numa manga, numa fruta nas árvores que, as casas mantinham e que caiam pra fora do muro, na rua, por onde a gente transitava.

E, além disso, claro, nós tínhamos uma facilidade muito grande para desenvolvermos o teatro, pelo carinho de meu pai, era do gosto dele isso tudo. E então, começamos a fazer, claro, provocados pelos meus irmãos mais velhos, um circo que chegou a ficarmos bons naquela época, chegamos a sair no Jornal Estado de São Paulo e porque era muito interessante. Todo ele feito por crianças, com realmente começo meio e fim, atrações ... de todos os tipos, que deveria ter um circo, com uma peça de teatro, malabares... humorismo, era muito interessante.

E isso preencheu a minha infância, bastante. E assim foi durante todo esse tempo, inclusive também na igreja que a gente frequentava, era muito comum, botava-se em prática realmente essa facilidade para o teatro, onde então desenvolvemos as músicas, principalmente nas festas de final de ano, Natal, quando a gente cantava: “Glória a Deus nas alturas, paz na terra aos homens de boa vontade.”

Eu diria que a minha infância se traduz nas palavras do poeta Mário Barreto França:

Faz tanto tempo já! ... Mas a memória,

Aos embates da sorte e do destino,

Revive na minh’alma a humilde história

Dos meus dias risonhos de menino ...


Na rua do meu bairro proletário,

A bola, os papagaios e os piões

Eram, para nós outros, o estrelário

De um mundo de folguedo e de ilusões ...


E, à noite, à luz da lâmpada da rua,

Ou ao clarão balsâmico da lua,

Começávamos, rindo, de mãos dadas,

O brinquedo de “rodas”, nas calçadas ...

“Ciranda, cirandinha

Vamos todos cirandar,

Vamos dar a meia volta,

Volta e meia, vamos dar! ...”


Depois ... era o brinquedo de esconder;

- “Chi! está frio” ... está ficando morno! ...”

Ou este assim:

- “Boca de forno! ... Forno! ...

Rei, meu senhor, mandou dizer! ...”


E a correria, e os empurrões, e as zangas:

- “Não fale mais comigo! Estou de mal!”

E as pedradas nas aves e nas mangas ...

E as batalhas no fundo do quintal ...


Então, a voz da minha tia, em brasa,

Queimava-me o prazer com repreensões:

- “Deixe disso, menino! Vá pra casa

Estudar as lições!”


Outras vezes, porém, eu tinha o ensejo

De ouvir ao lhe mostrar meu boletim:

- “Muito bem! ... boas notas! Dê-me um beijo!

Você há de vencer, fazendo assim!...”


Doutra feita, era alguém que narrava:

- “Era uma vez um príncipe encantado ... “

E, no Natal, eu sempre costumava

Cantar na igreja, em coro, emocionado:

- “Nasce Jesus, fonte de luz!

Oh glória a Deus nas alturas!

Paz na terra aos homens!

A quem quer Ele bem!...”


Faz tanto tempo já! ... Ah! que saudade

Dos meus dias risonhos de menino!

Quem me dera voltar àquela idade! ...

Quem me dera, outra vez, ser pequenino! ...



(Poesia: MEUS DIAS DE MENINO, de Mário Barreto França. Icaraí 1946. páginas 125-126

Livro: Sob os céus da Palestina - Casa Publicadora Batista, 1947 - 204 páginas)

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Aqui terminam as memórias de meu pai e começam as minhas, Renata.

Desde pequenos, meu irmão e eu ouvíamos as histórias de meu pai, vividas nos anos 50.

Ficávamos encantados com essas aventuras e aprendemos a brincar ... Junto com os

nossos amiguinhos da vizinhança, construímos nosso próprio circo, com peças de teatro

e apresentações feitas para os outros vizinhos.

Tinha ingresso vendido com antecedência, pipoca, Q-suco, bolo pão de ló,

que eram distribuídos antes do espetáculo! Enquanto os convidados esperavam o início

do espetáculo.

Por trás da cortina, cuidadosamente pendurada em madeiras da cobertura da garagem,

no quintal, nós sentíamos o coração batendo intensamente ... como se quisesse sair

por nossas bocas! Vestidos com roupas cuidadosamente confeccionadas com restos

de tecido, pedaços de cobertores e lençóis ... coroas feitas de cartolina, cobertas

com purpurina, presas com cola feita de farinha de trigo ... Um mundo mágico ... nosso mundo

mágico ... anos 70!

Meu pai ajuda, servia de consultor, tirava dúvidas, participava e, com orgulho, via-nos

aprender como nos divertir sem precisar de coisas caras ... só imaginação!

E com alegria, posso dizer que a “tradição” não parou aí ... pois, meus sobrinhos também

ouviram histórias e criaram suas próprias aventuras! Em pleno século 21! Só que,

meu pai, agora o avô, era convidado para as apresentações! Ele era o expectador!

Podendo assistir, as peças feitas por meu sobrinho e minha sobrinha! Então, em 2015,

o que ele aprendeu com seu pai, meu bisavô, era realidade na vida dos seus netos...

Podemos dizer que nasceu uma tradição ... do bisavô Rômulo Rezende ... para o

avô Pedro Paulo ... os filhos Ricardo e Renata ... e agora os bisnetos!

Uma história de amor, que leva alegria a muitos corações.

Escrevi tudo isso, para mostrar a importância das “histórias contadas” pelos mais velhos...

São memórias, que irão gerar outras memórias ... trazendo alegria! E estamos precisando

Muito disso hoje, com o distanciamento, por causa da pandemia e da tecnologia,

que já estava afastando as pessoas, mesmo antes do Covid-19 aparecer ...

Mas esta é uma outra história ... para uma próxima ocasião!