Sr. Aparecido

Transcrição da entrevista da aluna Paula, com Senhor Aparecido.

- Senhor Aparecido, o senhor tem saudade de quê?

- Tenho saudade da minha mocidade, quando eu cheguei no Rio de Janeiro.

- Que ano foi isso? Em que ano o senhor chegou?

- É, foi 1949.

- 1949? O senhor foi fazer o que no Rio de janeiro?

- Fui estudar e trabalhar no banco.

- Qual banco o senhor trabalhava?

- Banco Moreira Sales.

- O senhor foi estudar o que no Rio de Janeiro?

- Fui terminar o resto do científico para entrar na faculdade.

-Joia, o senhor morava onde no Rio de Janeiro? Morava sozinho, morava com alguém?

- Morava na Henrique Valadares, 33, sobrado da Lapa.

- Mas o senhor morava sozinho ou com alguém?

- Morava com Doutor Ibrahim, advogado.

- O doutor Ibrahim é o que do senhor?

- Meu irmão.

- Seu irmão, ah, ótimo. E deixa eu perguntar: o que o senhor fazia no Rio de janeiro, quando o senhor não estava trabalhando ou quando o senhor não estava estudando, o que o senhor gostava de fazer no tempo livre quando o senhor morava no Rio de janeiro?

- Gostava de conversar com os colegas, os amigos, passear, ir para praia, ia jogar futebol.

- Muito bom. E deixa eu perguntar: o senhor tinha carro naquela época?

- Eu não tinha, eu tinha dezessete anos, Paula. A idade que eu comecei a trabalhar. Eu cheguei no Rio sem nada.

- E como é que o senhor fazia para ir à praia, para ir?

- Eu ia de bonde.

- De bondinho?

- É, domingo. Trabalhava no banco sábado, a gente não ia a praia, a gente ia só aos domingos.

- Só aos domingos. E o senhor gostava de andar de bonde?

- Nossa, demais!

- Era... E quando chovia, molhava dentro do bonde?

- Se molhava? Não, não molhava, eu ia sentado no meio.

- Ah, não molhava, era fechadinho.

- Ótimo, joia, deixa eu perguntar uma coisa para o senhor: o que o senhor fazia de diversão no Rio de Janeiro? O senhor falou que ia a praia, o senhor conversava com os amigos, mas assim, e de cultura? O que o senhor fazia na época que o senhor morava lá?

- De cultura? Eu fazia o cursinho preparatório.

- Sim.

- Entrei no curso preparatório para medicina.

- Eu lembro que uma vez o senhor falou comigo que o senhor ia até a Rádio Nacional.

- Na Rádio Nacional.

- O que acontecia lá?

- Lá eu ia assistir show, do César de Alencar, da Emílinha Borba. Eu sou fã dela (risada).

- As pessoas podiam ir na Rádio Nacional e assistir os cantores?

- Sim, não pagava nada! Entrava lá, assistia o show inclusive levei a Fayne, levei a Anísia, minha cunhada, no sábado à tarde.

- Joia, sim. E como é que o Rio de Janeiro era? Diferente naquela época?

- Era completamente diferente.

- O que tinha de diferente?

- O Rio era outro, Paula. O povo falava diferente, pensava diferente, agia diferente. O povo era mais dado um com outro. Uma beleza, era só calmo.

- Não tinha a violência?

- É, não tinha violência. Hoje é muito agitado demais, muito agitado. Uma correria. Não é, Paula?

- Sim, todo mundo correndo hoje, é verdade. Tem mais alguma lembrança que o senhor tem do Rio de Janeiro, diferente, que o senhor guarda na memória? Alguma coisa que aconteceu na praia alguma vez, que o senhor estava na praia?

- Aconteceu comigo, uai.

- O que aconteceu?

- Do tubarão na Praia vermelha.

- Tubarão? O que aconteceu?

- Uai, eu ia com meus colegas na praia. A tinha a praia vermelha, ela é muito profunda. Voce dá dois passinhos e você afundava. Então você podia nadar um pouquinho distante, eu nadava bem, eu tinha dezessete anos, dezoito anos. Então eu fiquei nadando e os meus colegas lá na praia olhando. De repente eu vi a turma gritando para mim assim: “Fica aí, não vem não!!!”

Eram dois tubarões que estavam passando assim, um casal de tubarão entre a minha pessoa e a praia.

- E o senhor estava muito longe da beira?

- Estava uns trinta metros. Eu nadava bem, Paula. Eu não sabia que era tubarão, né. Aí eu esperei um pouquinho, eles gritaram:

“-- Pode vir agora para a praia! ”

Eu vim nadando depressa e eles falaram olha lá o casal de tubarão indo lá na frente.

- Quase o senhor vira comida de tubarão, né, senhor Aparecido?

- Se eu vinha nadando eu ia montar cavalo no tubarão.

- Imagina! Quase que o senhor virou comida de tubarão, não foi?

- Verdade, Paula.

- É verdade. E na escola, o senhor falou que foi estudar, não é?

- Fui estudar.

- O senhor foi fazer cursinho para medicina?

- Fui fazer.

- E tinha muita gente na sala do senhor?

- Tinha uma média de umas quarenta pessoas, colegas.

- Tinha mulheres também?

- Mulheres também, para medicina.

- Para medicina tinha mulher também?

-Chamava Curso “Gallotti”!

- Ah, legal.

- O curso ficava na Cinelândia, naquela rua ali, Senador Dantas. Lembrei agora, rua Senador Dantas.

- Então além de ir à praia e a Rádio Nacional e conversar com seus amigos o senhor estudava e trabalhava?

- Estudava e trabalhava, eu fazia cientifico à noite, o cursinho eu fazia de manhã, Paula, e o banco à tarde.

- O senhor dava conta de trabalhar e estudar o dia inteiro assim?

- Fazia as três coisas, Paula. Não podia... aquela vida de correria. Comia fora de hora. Ficava até sem comer, né Paula? Para não perder o horário, correria de capital.

- E o senhor morou lá no Rio de Janeiro, quantos anos? O senhor falou que o senhor tinha dezessete anos, não é?

- Eu cheguei no Rio Paula em 1948, no final do ano.

- O senhor tinha 17 anos?

- É, 17 anos. O que você queria saber mesmo?

- Quanto tempo o senhor ficou no Rio de janeiro?

- Eu fiquei 48, 49 eu vim para o exército e 1950 eu voltei. Dei baixa, não é? Fiquei no rio fique até 1950 e... Deixa eu lembrar aqui... 1957.

-1957!

-1957 eu fui para a faculdade.

- 1957 o senhor serviu o exército aqui em Cambuí?

- Servi o exército em Pouso Alegre.

- Em Pouso alegre.... Então o senhor veio, serviu e depois voltou para o Rio de Janeiro e de lá o senhor foi fazer faculdade onde?

- Em Alfenas.

- Odontologia...

- Em 1957, 58 e 59

- Ótimo!

- Em 60 eu recebi o diploma.

- Recebeu o diploma, daí já começou a trabalhar, não é?

- Aí comecei a trabalhar, vinha a Cambuí passear, vinha de carro. Comprei carro e tudo, não é Paula?

- Qual foi o primeiro carro que o senhor comprou? O senhor lembra?

- Lembro. O primeiro carro que eu tive, Paula, foi um Morris Oxford, era inglês.

- Que cor? O senhor lembra a cor que ele era?

- Verde.

- Verde... joia.

- Verde verdinho. Lembro direitinho. Lembro que eu estava vindo para Caxambu passar o carnaval, o carro esquentou foi uma fumaceira medonha eu esperei esfriar e continuei a viagem. Naquele tempo não tinha o progresso que tem hoje, não é Paula? Hoje não acontece, né...

- Falando de carnaval, senhor Aparecido que o senhor falou, quando o senhor morava no Rio de Janeiro, o carnaval não era igual é hoje, não é?

- Não, completamente diferente, Paula.

- E como que era o carnaval?

- Nossa, era um respeito medonho.

- Era marchinha?

- Marchinha, tinha confete, serpentina, tinha lança-perfume mas ninguém usava lança perfume para vício. Usava lança-perfume para jogar nas moças.

- Para jogar nas moças, por quê?

- É, jogar nas meninas.

- Por quê?

- Para perfumar

- Para perfumar?

- Perfumar o ambiente.

- Ah, sim.

- Você entendeu, Paula? Era uma beleza!

- E o senhor gostava de ir nas marchinhas, o senhor ia na rua?

- Eu ia só para passear.

- Isso, é porque era bem mais...

- Tinha a escola de samba, tudo era diferente, Paula. Não era profissional como é hoje tudo na base de dinheiro, era tudo de graça, o pessoal jogava confete Paula, brincava com a gente. Hoje é bebedeira, você viu como é a vida hoje? Mudou tudo!

- É verdade, com certeza. O senhor falou que o senhor jogava futebol no Rio de Janeiro também?

- Jogava no evento do campeonato bancário. Todos os bancos disputavam, um banco contra o outro.

- Era em campinho de terra ainda?

- Não, a gente jogava dentro daquelas. Como que chama aquele negócio?

- Ginásio, poliesportivo?

- Não aquele lá das montanhas, no Rio...

- Ah, sei...

- A favela, Paula!

- Ah, sei, nas favelas...

- A gente ia jogar nas favelas não tinha malandragem, não tinha nada.

- É?

- Não tinha perigo naquela época?

- Nada, nada, nada, Paula. Eu jogava para um time que chamava Esporte Clube Conceição na Praça Mauá, ao lado da Rádio Nacional. A gente ia disputar jogos em Juiz de Fora, Teresópolis, Paraisópolis. Em todo lugar!

- E qual era a posição o senhor jogava no time?

- Eu jogava de meia-direita e meia-esquerda. Eu jogava em qualquer posição. Eu era coringa (risada).

- E esses campeonatos, vocês ganhavam medalhas?

- Medalhas, todas. A gente ganhava medalhas, nossa! Homenagens... A gente ia a Juiz de Fora, nas cidades todinhas ali de Minas Gerais, vizinha do Rio.

- O senhor jogava pelo Banco Moreira Salles, não é?

- Moreira Salles.

- Que hoje é o Unibanco, né?

- É o Unibanco, que agora virou Itaú. Itaú Unibanco.

- Isso mesmo, o senhor trabalhou quanto anos no banco? O senhor lembra?

- Trabalhei sete anos.

- Sete anos no banco. O senhor era caixa?

- Não, trabalhava na parte administrativa.

- Parte administrativa?

- No setor de câmbio, parte administrativa só.

- Ahã, ahã.

- Trabalhei com Valter Moreira Salles...

- Ah, o fundador do banco, não é?

- Fundador, embaixador nosso nos Estados Unidos. Filho de Cambuí, parente da Nauta.

- Parente da sua esposa?

- É, o Valter Moreira Salles é filho de João Moreira Salles.

- O Senhor uma vez me contou que o senhor foi convidado para ir para os Estados Unidos, não foi?

- Estados Unidos! Quando eu cheguei no Rio, em 1948, antes de começar a trabalhar no banco, eu tinha que esperar ser chamado, não é Paula.

Eu fiz o concurso lá direitinho, não é? O exame, e eles falaram:

“-- Agora você vai para casa, aguarda, daqui menos de um mês você vai ser chamado. ”

Eu fui, mas como demorou muito, eu arrumei um emprego na Companhia Importadora Sueca, ali na Avenida Rio Branco, esquina com a Praça Mauá. Arrumei um emprego bom ali. Fiquei trabalhando ali quase um mês. Passou mais ou menos uns dez dias, eu cheguei lá tive uma surpresa. Um colega meu que trabalhava comigo, me falou assim:

“-- Óh, você nasceu mesmo, viu. Você nasceu virado para lua. Falou assim comigo.”

Falei, mas porque isso?

“-- É, você vai embora para os Estados Unidos. Você vai ser o representante nosso lá em Nova York. Você vai morar em um hotel cinco estrelas.’’

- Representante do banco?

- Representante do banco, do banco não, da importadora, da Companhia Importadora Sueca. Eu ia embora para os Estados Unidos.

- E por que o senhor não foi?

- Não fui porque o banco me chamou. Olha para você vê que besteira que eu fiz. O banco me chamou para comparecer urgente no banco Moreira Sales.

- Aí o senhor teve que escolher?

-É, a diretoria, os operários todos, pessoal da Suécia. Senhores de idade, sentiram minha saída. O único que estava disponível para ir era eu. Os outros eram casados, não tinham curso nenhum, tudo humilde, sabe? Pessoa parada, trabalhador até, mas que não podia ir embora, já era de idade. Eu tinha dezoito anos, Paula. Eles tinham já 30, 40 anos. Então, eu ia começar lá. Você viu que futuro que eu perdi lá?

- Aí o senhor optou por ficar no banco, então.

- Por ficar no banco, eu pedi demissão lá. Eles me agradeceram tanto. Mas foi uma pena, viu Paula.

- Sorte minha que o senhor ficou no banco, não é?

- É, senão o Humberto não tinha nascido.

- Ele deu um sorriso para mim, eles todos de branco.

- Como era o nome dele mesmo?

- Francisco Alves. O rei da voz chegou. Foi maior cantor do Brasil. Paula você não queira saber. Eu tenho disco dele, eu vou pegar para você vê.

- Aí ele foi o banco que o senhor trabalhava.

- É, porque o Francisco Alves, ele cantava na Rádio Nacional, não é. Então ele vinha a pé. De branco todo bonito não é.

Ele ia lá, o banco tudo aberto, sábado funcionava o banco, Paula. Aí eu trabalhava na rua da Alfandega, número 19, pertinho da praça Mauá. Ele tinha oito a dez contas, não existia poupança naquela época, é prazo fixo. Eu que abri as contas para ele.

-Chique.

- Que espetáculo, viu! Nossa, Paula. E outros cantores também que eu conheci lá, no carnaval. Quantos cantores famosos. Naquele tempo a gente tinha amizade, Paula.

- Naquela época eles andavam na rua, normal né? Não era igual hoje, não é?

- Hein?

- Naquela época eles andavam na rua, eles conversavam, não é?

- Tudo, não tinha nada.

- Que nem gente comum, não é?

- O Oscarito, quantas vezes encontrei com Oscarito na Cinelândia. Oscarito andava com a mãozinha para trás, assim. Um dia eu cheguei assim, eu não tinha amizade com ele, não conhecia ele pessoalmente, não é. Eu parei assim, ele olhou para mim assim, fiz que cumprimentei ele e fui embora. Não tinha noção de quem era. Ele estava sozinho, quer ficar livre, não é. Os artistas querem ter liberdade, não é Paula? Quer passear, não é? Para você vê, vai aquelas meninas pedir autógrafo, atrapalha a vida deles.

- Não tinham nada daquilo, não é? Eles tinham mais liberdade para andar na rua.

- Morei com o doutor José Maria de Cambuí. Nós fomos colegas juntos. Quantas vezes fui para o carnaval com ele, tirei ele de briga lá porque ele bebia, ficava vendo. Quantas vezes, para não deixar ninguém importuná-lo na mesa lá.

- Ih, pois a minha vida, uma correia, Paula, você nem queira saber.

- Mas foram anos bons, não é?

- E aquela música dos dez anos. Você sabe por que que deu saudade? Entre o Cristo redentor e a Largo da Carioca tinha um bondinho que ia para lá, não é? Então, uma vez eu fui lá a noite com a turma de Cambuí e tinha aquele toca fita, toca disco. Grandão assim que você comprava uma fichinha, colocava e escolhia as músicas. Então, quando eu cheguei assim, ninguém sabia ainda as músicas que estavam em sucesso. Eu apertei, eu falei assim vou apertar aqui os dez anos, e assim se passaram os dez anos. Coloquei do Dia Borba, aquilo entrou em minha cabeça, Paula.

- E o senhor não conhecia a música?

- Não conhecia.

- Ficou conhecendo aquele dia?

- E até hoje eu mando o Humberto gravar para mim ali.

- Sem querer, não tinha namorada, não tinha ninguém ainda não, Paula. Não tinha namorada nenhuma ainda não.

- Que coisa medonha! Aquela voz bonita dela, ela cantando. Suave, Paula, bonita. Morreu há pouco tempo, não é?

- Morreu há pouco tempo, é.

- Mas senhor Aparecido, o senhor chegou a namorar alguém lá no Rio de Janeiro, ou não?

- Nossa, oh louco (risada). Cada baile eu tinha uma namorada.

- Oh senhor Aparecido do céu!

- Eu era namorador, Paula. Eu não tinha o que fazer.

- É não tinha. Não era igual é hoje, não é?

- Lá tinha bailinho, Paula, todas as quarta-feira tinha bailinho a noite no banco do City Banco. Parece que é banco americano, não é Paula, ali na Rio Branco perto da Praça Mauá. Todas as quartas feiras, é dançante, tarde dançante. A gente saía do banco e ia para lá e ficava dançando até às 20h.

- Ah, e que horas o senhor ia para a escola?

- Oh Paula, eu ia para a escola os outros dias, tinha dia que eu tinha folga, não é. Então só ia quando tinha folga.

- Ah, tá. Então o senhor não tinha cursinho todo dia então?

- Não, não no começo, não conhecia ninguém ainda.

- Então tinha dia que o senhor não ia no cursinho e ia no baile dançante?

- Tarde dançante. Tinha salgadinho, a gente no banco, davam para gente, refrigerante. Nada de confusão, briga, nada de droga, essa porcaria danada. Era tudo coisa assim, bem amigável, sabe Paula.

- Aquele povo bom, sabe?

- Era tudo ingênuo, não é senhor Aparecido?

- Acabou o Rio de Janeiro. Ah, Paula!

Eu ia jogar futebol lá para aqueles cantões. Nunca vi um malandro, nunca chegou ladrão perto de mim, nunca chegou uma pessoa para pedir cigarro para mim, nada. Você acredita, Paula?

- Era um outro mundo, não é senhor Aparecido?

- É, de madrugada, eu ia nos casamentos, voltava de madrugada. Tudo de bonde, só coisa boa, você não via malandro.

- Tudo de bonde. E nem o seu irmão, o senhor Ibrahim, não tinha carro também?

- Não tinha, também. Ibrahim estava estudando. Ibrahim era bancário e fazia Direito. Então o dinheiro que ele ganhava ele gastava tudo.

- E o senhor falou que o senhor fazia cursinho para medicina, não é?

- Para medicina.

- Mas por que o senhor escolheu fazer odontologia depois?

- Eu não escolhi. Eu estava trabalhando no banco lá em Copacabana. Eu fui transferido para Copacabana em 1953. Acabei ficando quatro anos em Copacabana e três anos na cidade. Por sete anos, não é? Aí, como é que era, era numa sexta-feira, o Rui me telefona para mim. O Rui com o Bruno, da Capozzoli, e o Dito do Adolfo. O Dito casado com uma moça lá de Alfenas:

“-- Aparecido, pega um avião, amanhã sábado. Vem para cá para prestar odontologia, vestibular. ”

Eu falei assim, mas eu vou fazer medicina.

“-- Larga de ser bobo rapaz, vem para cá. Pega um avião amanhã, da Arraial aí. O avião vem até aqui, Alfenas. “

Aí eu falei assim, mas eu estou com pouco dinheiro aqui no bolso, não vai dar rapaz. Aí eu tinha um relógio, relógio bonito, Relógio espetacular, o relógio naquela época era um sucesso medonho. Aí eu falei assim:

“-- Quem quer ficar com o meu relógio aí, eu vendo baratinho. “

Não sei se custava três mil reais, eu vendi pela metade do preço.

“--Eu vendo pela metade do preço.

--Tá aqui. “

O cara deu o dinheiro na hora. Deu para ir. Peguei o avião e fui embora.

- E tinha avião que vinha do Rio de Janeiro para Alfenas?

- Alfenas. Varginha, Alfenas, Pouso Alegre e Uberlândia ou Uberaba. Naquela época. Da arraial.

- Era avião pequeno?

- Era, se não me engano, era avião de 40 ou 50 passageiros.

- Avião pequenininho.

- É, então peguei o avião de manhã, o avião parou em Varginha, de Varginha voltaria para Alfenas, o motor falhou, teve que voltar para Varginha. Olha para você ver? Esperamos vir outro avião de Belo Horizonte para pegar a gente, levou para Alfenas, prestei vestibular. Isso foi no domingo, não foi de sábado para domingo. Na segunda feira prestei vestibular para odontologia.

- E passou?

- Passei, isso foi em 1956. 1956 isso, hein. Eu voltei para o Rio. Fiquei um ano no Rio, tranquei a matrícula lá. Em 1957 fui embora. Não prestei vestibular mais, já entrei direto. Paguei os 3 anos lá, não devo despesa para o Ibrahim, para ninguém. O dinheiro que eu tinha guardado deu.

- Chique.

- Que coisa senhor Aparecido, muita coisa o senhor passou já.

- É que estou com a cabeça cansada, cabeça doída.

- Sim, com certeza.

- Nossa quanta coisa...