Boa noite Rav, estava assistindo a última aula novamente, e o senhor diz que é permitido escutar música não judaica. Sei que no mundo Haredi é proibido, mas no mundo dati está permitido um homem assistir uma mulher cantar? Isso quebraria as regras de tsiniut?
Boa noite - com a alegria de saber que vc segue as aulas! Aproveitando para seu comentário o fato de que durante a sefirat haomer não escutamos música, o que o faz particularmente pertinente.
Ponto por ponto, começando pela halachá:
1- música instrumental não está proibida para ninguém, proveniente de toda parte.
2- um homem não deve assistir à performance de uma mulher ao vivo (kol beisha ervá, shulján Aruj 21), o ikar hadin (a lei estrita) não restringe ouvir-se gravações onde mulheres cantam, o Rav Ovadia Yossef corroborou este ponto.
3- neste último caso, caso as letras das canções emanem de conteúdos problemáticos ou inspirem sentimentos inconvenientes devem ser evitadas - mas isto se aplica a música cantada por homens igualmente
4-não há diferença alguma entre os haredim e os demais
Agora para alguns comentários:
Gostaria de explicar alguns algos sobre o judaísmo e a música judaica que talvez não foram elucidadas e daí a importância de sempre consultar um rabino. Desde a destruição do templo fazem 2000 não existe mais música judaica no sentido estrito do termo, no sentido em que o jazz é música americana, java é música francesa, o tango e o chorinho ou música da garganta Inuit são a expressão musical da identidade de cada uma destas nações. Existe ao dia de hoje, música feita por judeus em todos os estilos e de todos os lugares onde passaram os judeus - e com isto, a esperança de com o renascer de nossa nação a canção judaica de raiz, o cantar dos cantares voltará a ver a luz.
A música típica de Klei zemer (klezmer) não é outra que a clássica música das Carpatas e dos Bálcãs, dos Cossacos, quando composta por judeus. A música "oriental" é a música marroquina e o Rai em sua versão israelense. Igualmente as canções de Shabath têm melodias espanholas populares (lamoledet shuvi roni), do Yemen (dror ikrá), da Turquia (iodujá raionai), do marrocos (yodu leja raionai). Também da Alemanha como a versão do maoz tsur ou mesmo o yom ze mejubad, da Italia como o igdal, etc.
Veja que em algumas comunidades mesmo o hino nacional da frança tornou-se canção de Shabat. No Brasil cantamos marchinhas do carnaval e Vinícius de Moraes para canções de Shabat, e o tropicasher do Paulinho rosembaum era o samba dos judeus.
Quando um judeu como Jacob do Bandolim faz chorinho, se trata de música judaica ou de música brasileira? A resposta é... os dois. É o judeu desenvolvendo-se dentro da fonte vital da identidade de uma nação que o acolhe, como explica o Rav Kook. É a criatividade e a energia judaica a usar os instrumentos que tem a sua disposição - instrumentos musicais, mas também as ferramentas espirituais que tem a sua disposição. Tratam-se dos Maayanot, (os mananciais) e cada nação tem seu manancial. Existe um em jerusalém, o manancial espiritual do povo judeu que foi tapado fazem 2000 por causa de nossos equívocos, cada pecado uma pedra na fonte, até que se bloqueou, e é a causa de nosso exílio, onde bebemos dos mananciais de outras nações. Durante nossos exílio limpa-se nosso manancial e ele volta a fluir, e convida o povo judeus a retornar e beber dele, desfazendo-se dos mananciais do exílio. Neste momento a cultura judaica no sentido estrito do termo voltará a florescer. (orot hateshuvá)
Esta a torá traduzida às 70 línguas nas fronteiras da terra de Israel, de acordo com o Midrash, e os grandes sábios do exílio, que, sem jamais ser parte da população propriamente dita, ostentam o nome da cidade à qual foram exilados.... o chacham de Berditchev, Ostropol, Kutna, Novograd, Praga - mas também de Bertinoro (Barternura), Sforno, Modena, Sevilha, Magenza, Colonha, Trieste, Salonica, Liubavitch... em contraponto ao chacham de Jerusalém, que no final há de prevalecer. O talmud da Babilônia, nosso talmud do exílio, em paralelo ao Talmud de Jerusalém a renascer dos anais da história judaica. כי מציון תצא תורה pois de Sion provirá a Torá.
Isto é válido em todos os campos do conhecimento. Note que alguns judeus fizeram música em nome do judaísmo, como as canções de shabat e suas melodias, outros não necessariamente. Anat cohen é uma judia israelense que faz chorinho, mas não em nome do judaísmo, como Benny goodman ou mesmo Woody allen.... e Clarisse Lispektor, poderemos considerar que fez literatura judaica? pergunta para você...
Note também que em diversos lugares e momentos os judeus deram expressão à quintessência da cultura de cada lugar - o principal e mais típico personagem Francês, Asterix, é obra de um judeu argentino. De Charlie Chaplin à Elia Khazan, cobrindo todo o âmbito cultural dos judeus, do oeste americano à Sibéria...e nas palavras do historiados (judeu) Eric Hobsbawm: "haviam tchecos e haviam eslovacos que se detestavam e se separaram sem uma gota de sangue... e judeus tcheco-eslovacos que deploraram esta separação" - Pois de beber deste manancial o judeu pode chegar ao mais elevado que alcance este manancial.... Mas não além! para ir além, ele deve situar-se no manancial dos mananciais, aquele que sintetiza todos os demais e ainda acrescenta o nível judaico com suas particularidades. Este é sábio judeu que merece ver, viver a gueulá.
Logo, à luz do recém enunciado:
1-nem os haredim nem ninguém está proibido de escutar música não judaica, quando instrumental
2-música cantada com temática estúpida, banal, grosseira, idiota, pornográfica, repetitiva, e da loira da garrafa - não é recomendada à ninguém, seja judeu, seja não judeu - e afaste seus filhos destas porcarias pois são o contrário da boa educação.
3- música cantada com temática judaica é melhor pois inspira à kedushá
4- nenhuma mulher está proibida de cantar, has veshalom! - mas os homens devem saber quando evitar expor-se a canto feminino - Jovens marinheiros com os nervos à flor da pele não devem expor-se à voz das sereias, que os levarão à profundezas das quais não poderão ressurgir. Nos dias de hoje quando vendem e comercializam música como na MTV, exageram a parte sensível a tal ponto que este canal está proibido como todos os canais que estão proibidos. Para bom entendedor...
Note também que existe música haredi e religiosa de muito baixo escalão, como por exemplo algumas inspiradas de funk/rap americano, mas daquele do mais baixo escalão, onde o que fizeram é substituir o "uh terere" (uh there it is) pelo "rabbi nah... nah..." Estes estilos empobrecidos terminam por limitar a sensibilidade musical e causam mais danos do que benefícios. Muitos rabinos se levantaram contra este fenômeno como o Rav Amnon Itshak. Se isto é música judaica, eu sou Mao-tse-tung.
Para ser sincero a maior parte das coisas que tocam hoje no rádio sequer são consideradas música de acordo com a halajá! ....e estão permitidas mesmo nos dias do omer quando não ouvimos música!
Estão incluídas as batidas monótonas e barulhentas, "bum-bum", músicas com menos de 3 acordes, gritos, urros, e sons radiofônicos - pessoas falando e não cantando, etc... Qualquer coisa que se ouça para acordar, não dormir enquanto dirige, fazer pular as crianças na cama no ikar hadin, não se proíbe nas 3 semanas....
A música proscrita temporariamente nos dias do omer é aquela cuja complexidade reflete a alma judaica e a eleva, aquela música que, como um aroma agradável percebido com os olhos cerrados, tem o poder de transportar-nos a outras dimensões. Aquela que ensina, toca, expressa - cujas cores ao ar formam um quadro dinâmico e um caleidoscópio de sentimentos - cada instrumento a dar expressão a um compartimento da existência criando-lhe um espaço proporcional no mundo das essências.
Igualmente a bela voz de uma mulher que canta (não que "fala") com os acordes corretos e em leve dissonância tem a força, no seu auge, de fazer chorar um homem. De removê-lo de sua realidade e transportá-lo a um jardim idílico do qual dificilmente retornará incólume. Logo, convém selecionar parcimoniosamente o quê, quando e como ouvir, já que a música é parte integral da alma do judeu, do homem e do ser humano.
A música judaica de raiz, em estado lactente, terá por vocação superar e sintetizar todas as identidades nacionais, e dar expressão mediante a identidade superior judaica da Torá, à saga do ser humano da criação à redenção e seu auge, narrada e cantada por nós no dia do shabat do mundo vindouro - E brotará em breve a música judaica de raiz com a reconstrução da identidade judaica no lugar no manancial de sua cultura profunda, o manancial de Jerusalém.