Pergunta: Bom dia rabino. Tudo bem ? Espero que sim.
Rav, ontem assistindo um shiur de um rabino (rabino mesmo, formado aqui em Israel). Ele disse uma coisa que achei estranha. Mas como meu conhecimento está em construção, resolvi me certificar com o Sr.
Bem, ele disse que, segundo Rambam e o rab Nachman, o judeu não tem a obrigação de fazer as três rezas durante o dia, somente em casos de dificuldade. Porém, logo ele deixou claro que isso era a opinião dos dois, que a Halachá dizia o contrário.
Então fiquei confuso.. já que o mundo sefaradita tem o Rambam como referência por suas reflexões e comentário sobre as mitzvot.. em que momento a opinião dele não se leva em conta ? Como a Halachá que conhecemos hj foi formada, sem levar em consideração estes notórios sábios (levar em consideração neste tema em específico).
Como devo estudar Rambam, seguir suas orientações sem de fato saber se há choque com a Halachá ? Ou ele deve ser um mero comentarista ?
Não sei se deixei claro minha confusão das ideias.
Resposta: Bom dia! obrigado por perguntar e interessar-se! e perdoe-me se publiquei sua pergunta no grupo, mas é a oportunidade de colocar alguns pontos nos 'is'.
Respira fundo! deixou isto sim uma clara ideia do nível da confusão. 😊 Esta confusão é típica de estudo desorganizado, sem ordem e progressão de ideias que vão somando-se em forma de bloco sobre bloco, peça por peça que vai montando-se de acordo um manual até a forma geral ir despontando no horizonte... Ao contrário o estudo em forma de flashes, de palestra ouvida aqui, de uma notícia acolá, forma um lego espalhado, ou pior, uma sala cheia de peças de lego espalhadas sem nenhum nexo, e você terminará por pisar em um destes legos no meio da noite.
Não escolhi estas comparações de maneira casual. São exemplos do talmud traduzidos em linguagem atual que se aplicam a nosso caso.
Veja a recomendação de nossos kha'hamim: "assé lekhá rav" (tenha um rav, que organiza seus estudos, sabe de onde você vem e para onde tem de chegar - estudar e consultar-se com alguém que vai montando o quebra-cabeças com você.
Uma Torá estudada em flashes, em classes que provavelmente não são direcionadas a você o fará caminhar no escuro (והכסיל בחושך יהלך).
Não ouvi esta palestra, não conheço nada sobre o palestrante e não sei do que estava falando, para quem falava, em que contexto e com que propósito. Não tenho nenhum instrumento para comentar as palavras do Rav nem sequer para contextualizá-las ou referi-las a algo. Qualquer variante nos elementos acima muda completamente o âmbito da informação, tornando-a válida ou impertinente em nosso contexto específico ou ainda quiçá válida para uns, fora de âmbito para outros.
Ademais o fato de ter estudado em Israel não faz dele um aluno de um kha'ham ou uma autoridade nem trás pista de elemento que justifique levarmos em consideração seus estudos em nosso contexto de classes de identidade e conversão. Semelhantemente, se você estivesse em uma faculdade de história, não seria propício estudar lubrificação industrial, por mais brilhante que fosse o professor desta matéria.
Posso portanto apenas relacionar-me com as questões que surgem do seu comentário, e é onde concentraremos nossas atenções.
Rambam ou Ramban? dois rabinos diferentes. Suponho que realmente seja Rambam, Rabi Moshé ben Maimon, maior de todos os rabinos, em todas as opiniões sem exceção. Ele decerto não foi apenas comentarista - ele foi um dois mais importantes "poské halakhá", veja suas obras Mishné Torá, que é uma das pedras angulares para o shul'hán arukh.
Rabi Na'hman houveram alguns. Qual deles? No talmud, o marido de Yaltá? o Ran? Rabbi na'hman de Breslau? este viveu fazem + ou - 180 anos. Se for este, ele não pode ser usado em contraposição ao Rambam pois não foi seu contemporâneo e quem vem antes tem sempre preferência. Pode parecer incrível mas existe uma leitura dos escritos de Rabi Na'hman à luz do Rambam.
Além do mais, Rambam influenciou o povo judeu em sua totalidade, mas Rabbi Na'hman de Breslau apenas a seus 'hassidim. Nós poderemos estudá-lo e aprender dele, mas não conte comigo para ser 'hassid, pois tenho horror ao 'hassidismo - ainda mais levando em consideração os que fizeram de seu neto o mashia'h e já recusam apontar um rabino sucessor à sua 'hassidut, lembrando perigosamente o paradoxo do mashia'h morto - apesar de muito mais ameno do ponto de vista das ideias judaicas do que outros já que não crêem ou esperam seu retorno até onde saiba. Voltaremos a falar de 'hassidut em algum momento propício.
Um judeu de acordo com todas as vertentes tem a obrigação de fazer 3 rezas por dia. Ponto.
O que sim posso te adiantar é que existe nesta obrigação vários ângulos. Por exemplo se se trata de uma obrigação da Torá ou Rabínica. Afinal, a única reza obrigatória pela Torá como já vimos é o bircat hamazon, ואכלת ושבעת וברכת...
Não disse no entanto que se trate da única reza citada na Torá - mas que é a única que vem com um mandamento explícito. Sabemos que cada um dos patriarcas tinha um momento específico em que rezava, Avraham de manhã, Its'hak de tarde, Yaakov de noite... que Avraham reza pela cura de Avimelekh, Moshé reza para que cessem as pragas, e tantas outras - o que significa que rezar é natural a identidade judia. Um judeu, por sua natureza gosta de rezar - mesmo o ser humano em geral talvez goste de rezar - mas este será outro assunto.
Ou seja: se alguém precisa de obrigação para rezar, algo nele está doente. Uma parte daquilo que o define como homem, e sobretudo como judeu (judeu= yehudi = aquele que agradece/reconhece).
Existe outro ponto que é o de dizer que em nosso nível diminuído em relação a nós mesmo em nosso pleno potencial, a maior parte das nossas rezas arriscam beirar a Avodá Zará. De acordo com algumas opiniões a reza deveria proibir-se e permitir-se unicamente aos profetas.
Esta é uma das razões que rezamos de acordo com o sidur, para sempre estar dentro do âmbito que nossos sábios determinaram.
Ademais na Torá a reza está quase sempre vinculada com a cura, de Avraham que reza pela cura daquele crápula, Moshé reza pelo fim da praga, Elishá para que Deus devolva a vida ao garoto morto... ou para que Deus cure Naaman. Neste caso cabe dizer que a reza é concomitante com os momentos de dificuldade... quando tudo foi tentado e problemas não têm cura.
Rezar não é questão de opinião na halakhá! é o mais profundo de nossa identidade como judeus! Toda discussão depois é se a manifestação de nossa identidade se materializa de forma espontânea ou se é seu dever rezar quando há problemas mesmo quando você pensar ter a solução em suas mãos...
Tanto Rambam como Rabbi Na'hman rezavam três ou mais vezes no dia. Mas o primeiro, que é o único possek halajá entre os dois que levamos em consideração, a obrigação de rezar não provém do explícito na torá senão está embutida em nossas existências, e chama-a "avodá shebalev" - é uma mitsvá assé: מצוות עשה להתפלל בכל יום, שנאמר 'ועבדתם את ה' אלהיכם'; מפי השמועה למדו שעבודה זו היא תפלה, שנאמר 'ולעבדו בכל לבבכם' - אמרו חכמים: 'אי זו היא עבודה שבלב? זו תפלה'. ואין מניין התפלות מן התורה, ואין משנה התפלה הזאת מן התורה, ואין לתפלה זמן קבוע מן התורה" (רמב"ם), תפילה א', א - seu texto não deixa lugar à dúvidas.
A única discussão possível seria as consequências de não rezar ou de perder uma reza, se infringiu um regra da torá, ou dos rabinos, ou nenhuma....
Ou ainda quando considerar que a reza, além de ser o Avodá shebalev, também tem (desde a destruição do templo) a função de substituir os korbanot do templo, que certamente são da Torá.
Neste caso específico, sha'harit e min'há substituem korbanot, mas arbit é adicional, o que faz teoricamente da reza Arvit um mérito mais do que uma obrigação (unicamente no que tange à reza como substituto ao korban - não como valor intrínseco).
Também a ideia de rezar com os seus irmãos judeus, em um minian, com um livro de Torá, etc. A reza é 1/60 de profecia, e o contato do judeu simples com os últimos profetas.
Percebo que teremos de fazer classes específicas sobre as rezas, beezrat hashem.
Com carinhos e abraços!