Pergunta: por que se diz que ao cabo de 3 meses recebemos a Torá, se contamos entre pessah e shavuot 50 dias?
Resposta: relembrando alguns princípios de base. As contas dos prazos na Torá não se fazem exatamente como o que seria natural em Português, leia-se, os conceitos fundamentais da contagem do tempo são um pouco diversos. Logo explicaremos. Além do mais, a Torá não relata sempre os eventos da saída do Egito na ordem em que ocorreram por algumas razões, a principal para colocar em evidência eventos mais relevantes em detrimento de outros menos pertinentes, inclusive para evitar citar demasiados fatos que, se fossem estudados sem intermediações poderiam deixar a entender que a geração do deserto foi malévola. Sem embargo, se trata da geração que recebeu a Torá, situando-se assim portanto entre as mais elevadas.
A parte disto, considere que a contagem do Omer refere-se a tempos agrícolas das colheitas de cevada e trigo entre entre o início e o fim da primavera e da oferenda das primícias no Beit hamikdash, contando-se claramente 50 dias - e a priori a Torá não parece citar o dia da entrega da Torá como uma festa por si só, já que a Torá a chama de festa das "semanas" em Shemot 34, 22 festa da "colheita" em shemot 23,16 ou festa das "primícias" em Bamidbar 28,26.
Isto significa que o Matan Torá não deve ser visto como uma imposição divina sobre uma data pré-existente em um calendário agrícola, ou duas celebrações concomitantes - mas muito pelo contrário: a conexão entre os dois eventos é natural e inevitável na vivência judaica, e um é a consequência natural do outro quando o judaísmo é vivenciado da forma correta.
Portanto a contagem é específica, de sete semanas completas e constitui uma mitsvá por si só, mas a recepção da Torá não é a priori consequência desta - o Matan torá está na natureza incontornável dos fatos. A exemplo da Maguen David representada por dois triângulos voltados à direções opostas, a relação de Deus com o Povo Judeu é recíproca. O triângulo de baixo para cima representa as ações do povo judeu elevando-se em direção a seu criador, e ao contrário, aquele de cima para baixo, o de Deus voltando-se ao povo judeu... E uma ação em uma extremidade mesmo mínima provoca uma ação na outra. Um pequeno gesto do povo judeu provoca, desperta grandes mudanças nos mundos superiores. פתחו לי פתח כחודו של מחט ואני אפתח לכם כפתחו של אולם (Abram-me uma abertura como de um buraco de agulha e lhes Abrirei abertura como o mundo)
E neste dia que oferecemos as primícias (como Caim deveria ter feito em um mundo ideal), a Torá não necessita especificar que será o dia em que Deus nos dará a Torá - emanação do coletivo judaico cuja expressão do amor divino se materializa de forma sublime com sua a dádiva - já que a oferta das primícias é oferenda coletiva de baixo para cima e a resposta de Deus, אם תעירו ואם תעוררו את האהבה עד שתחפץ, (se despertareis este amor até que chegue o momento apropriado) quando despertada é imediata - de cima para baixo - a poderosa e sublime materialização do amor divino, מה יפית ומה נעמת אהבה בתענוגים. - um amor com deleites.
Isso dito, a Torá cita algumas datas - note que em Shemot 16,1, o versículo cita 15 dias do segundo mês depois da saída dos Bnei Israel do Egito, foi quando ocorre o episódio da queixa por carne e das codornas. Isto subentende um total de 45 dias até então e Rashi explica que o tratado de Shabath (87b) retém o dia 16 de Yar, um domingo, como o dia no qual caiu o Man. Neste dia costumamos ler "parashat haman"
Em shemot 19 a Torá relata que os Judeus chegaram no deserto do Sinai no terceiro mês da saída do povo judeu da terra do Egito. Rashi relata que se trata de Rosh 'hodesh (Sivan) baseando-se no tratado de (Shabath 86b). E segue explicando que Moshé sobe ao monte no segundo dia. No terceiro dia, Moshé relatou as palavras para os anciãos. No quarto dia Moshé volta ao monte relatar a Deus que o povo aceitaria apenas o que Deus dissesse e não o que Moshé quisesse. Deus lhe disse que comunicasse ao povo que se preparasse no mesmo dia (era de manhã) e no dia seguinte, para que no sexto dia do mês Deus descenda ao monto Sinai ante o povo. De acordo com Rashi Moshé acrescenta outro dia, ou seja espera o dia completar-se Entretempos Moshé no quinto dia tinha construído um altar ao pé do monte e os 12 monumentos (como relatado em shemot 24)
Ou seja: a saída do Egito produziu-se ao 15 de Nissan, metade do primeiro mês, passou-se o mês de Yar completo, segundo mês, no qual ocorre a parashat haman e chega no início do terceiro mês no deserto do Sinai. No sexto dia do terceiro mês Deus aparece na nuvem espessa com o toque do chofar.
Ora, ao dizer três meses, imaginamos três meses completos, como a contagem sistemática do Omer e relacionamos a contagem ao Matan Torá. A contagem no entanto é sua preparação, não uma contagem regressiva no sentido estrito. Neste mesmo espírito, a Brit-milá por exemplo deve fazer-se no oitavo dia após o nascimento do varão. Não no nono dia! ou seja: quando começa o dia oito - não após o final do dia! Todos os marinheiros de primeira viagem fazem este erro ao calcular o dia. Se nasceu em uma segunda-feira, a brit-milá ocorrerá no oitavo dia, ou seja na segunda seguinte - afinal o dia em que ele nasceu também é um dia. Na prática portanto a brit deverá ser feita ao final de sete dias completos, quando já começou o oitavo dia, e a mitsvá é fazê-la o mais rapidamente possível. Sugiro voltar a contar agora e entender o significado do versículo que diz: בַּחֹ֨דֶשׁ֙ הַשְּׁלִישִׁ֔י לְצֵ֥את בְּנֵֽי־יִשְׂרָאֵ֖ל מֵאֶ֣רֶץ מִצְרָ֑יִם בַּיּ֣וֹם הַזֶּ֔ה בָּ֖אוּ מִדְבַּ֥ר סִינָֽי: no terceiro mês da saída...