Jorge Manuel Lourenço Gonçalves
Dezembro de 2022
DELARAÇÃO DE INTERESSES: Sendo militar na situação de reforma, o autor goza, plenamente, dos direitos do cidadão normal, pelo que as considerações que, adiante, expende não o afectam pessoalmente.
Em tempo de revisão constitucional, julgamos que, enquanto militares, devemos alertar para o teor do artº 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na alínea d) do nº 3, o qual dispõe:
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
E qual o princípio a que se refere esta excepção?
1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
Daqui que, a priori, os cidadãos militares parece sofrerem mais uma discriminação por lesão dos seus direitos fundamentais, em igualdade com:
a) os suspeitos de crimes praticados em flagrante delito;
b) os suspeitos de crimes em que existam fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos;
c) as pessoas que tenham penetrado ou permaneçam irregularmente no território nacional ou contra as quais estejam em curso processos de extradição ou de expulsão;
d) os menores sujeitos a medidas de protecção, assistência ou educação decretadas por tribunal judicial competente;
e) os detidos por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
f) os suspeitos para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários;
g) os portadores de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.
E, de todo este conjunto, apenas a prisão disciplinar dos militares não está sujeita a qualquer controlo judicial nas primeiras 48 horas nem nunca, se, após o despacho que a ordena, o militar não impugnar a decisão punitiva!
Verifica-se, assim, que a CRP permite que, para militares e só pelo facto de o serem, a prisão possa ser, não uma sanção judicial, mas uma sanção administrativa em função de infracções disciplinares.
Temos para nós que a prisão disciplinar do militar, conforme está configurada na CRP e no Regulamento de Disciplina Militar , afronta, gravemente, os direitos fundamentais do cidadão militar, nomeadamente o direito à liberdade, e que ela não se justifica devendo, a ordenação das penas disciplinares por graus de severidade, culminar, porque são suficientes e adequadas para a gravidade de uma infracção disciplinar, nas penas de proibição de saída ou na de suspensão de serviço, reservando-se a pena de prisão, unicamente, para os crimes previstos no Código de Justiça Militar (CJM).