Cidadania e Participação

Uma reforma eleitoral

Jorge Martins Bettencourt, Luís Costa Correia, Jorge Lourenço Gonçalves

Abril 2022

SUMÁRIO

Tem-se verificado que nas eleições para a Assembleia da República (AR), a maioria dos portugueses não identifica os deputados eleitos pelo respectivo círculo eleitoral. Daqui resulta que o distanciamento entre os cidadãos e os políticos que os representam constitui uma das características importantes do nosso sistema político.

Por outro lado, a descrença nos méritos dos candidatos de nomeação partidária é um dos factores preponderantes para a taxa de abstenção que se tem, por norma, verificado em eleições para a AR.

A fim de minimizar os dois problemas, julgamos ser necessário valorizar os votos dos cidadãos eleitores, dando maior peso à decisão e à manifestação da vontade que cada boletim de voto representa.

Trata-se de um objectivo que nalguns Estados europeus se procura alcançar com o reforço da influência dos cidadãos na forma de eleger os seus representantes, assegurando, de algum modo, a personalização do seu voto.

Acontece ainda que, na eleição da AR, o sistema de representação proporcional dos eleitores e dos partidos que os representam consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP) tem sido sistematicamente distorcido, sempre favoravelmente a alguns partidos e em detrimento de outros.

Esta distorção da proporcionalidade resulta da coincidência dos círculos eleitorais do continente com os distritos administrativos por força da Lei Eleitoral da Assembleia da República em vigor. Com esta distorção, alguns partidos, em conjunto, foram beneficiados em cada uma das duas últimas eleições legislativas, em mais de duas dezenas de deputados.

Acresce que as eleições para a AR, reduzidas à simples votação de listas fechadas definidas pelas direcções dos partidos políticos, deixaram progressivamente de ser a escolha pelo voto de projectos políticos distintos, e bem assim dos deputados de uma assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses para se transformarem - para muitos eleitores - na escolha de um dos “candidatos a primeiro-ministro” e na legitimação eleitoral de um mal conhecido programa de governo, violando também, neste aspecto, o que está definido na CRP e contribuindo para uma degradação do regime democrático.

Apesar de ambos os problemas terem sido identificados e estudados por vários especialistas, as propostas de solução por eles apresentadas foram sempre rejeitadas, por uma ou outra razão. Foi sobre essas propostas apresentadas por esses especialistas e, em particular, sobre a proposta conjunta da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social – e da APQD – Associação Por uma Democracia de Qualidade e Social, objecto da Petição nº 589/XIII/4 submetida à Assembleia da República em 2019, que foram elaboradas as reflexões desenvolvidas neste documento. Demos preferência às soluções que podem ser concretizadas apenas com a alteração da Lei Eleitoral, sem necessidade de revisão da CRP.

Dado que os partidos são as únicas formas de representação dos cidadãos na AR, parece-nos conveniente introduzir medidas que corrijam a distorção da proporcionalidade decorrente da configuração dos círculos eleitorais e promovam uma maior atenção destes na escolha dos seus candidatos e uma acrescida responsabilização dos eleitos.

Para a correcção desta distorção da proporcionalidade motivada pela configuração dos círculos eleitorais, acreditamos que a melhor solução é o círculo eleitoral único para todo o território nacional.

Qualquer que seja a divisão em círculos territoriais, o requisito constitucional da representação proporcional é extremamente difícil de cumprir dada a reduzida dimensão da maioria deles. Embora uma agregação de distritos e a introdução dum círculo nacional de compensação mitigue o efeito da divisão territorial, se o objectivo fundamental fosse apenas assegurar o sistema de representação proporcional, julgamos que o círculo nacional único seria a configuração mais adequada.  

Porém, no sentido de promover uma maior atenção dos partidos na escolha dos seus candidatos e uma maior responsabilização dos eleitos afigura-se-nos que a introdução da eleição em círculos uninominais de metade dos lugares parlamentares atribuídos aos círculos territoriais, seria uma medida adequada. Desta forma, cerca de metade dos candidatos partidários que, actualmente, têm a eleição praticamente garantida ao serem colocados pelas direcções dos partidos em “posições elegíveis” das listas plurinominais fechadas, teria de lutar pela vitória nos círculos uninominais para assegurar o seu lugar na AR. Quer o partido, quer os candidatos, seriam assim obrigados a esforçarem-se por merecer o voto personalizado dos eleitores dos círculos uninominais.

Nesta linha, consideramos que a personalização do voto poderá ter uma influência positiva na relação entre eleitores e eleitos, na compreensão que os cidadãos têm do sistema político-partidário e, ainda, no índice de satisfação democrática.

A introdução dos círculos uninominais previstos na CRP poderia ser realizada com a criação de um sistema eleitoral misto de representação personalizada de voto duplo, conforme proposta da SEDES e da APDQ, com a agregação dos círculos mais pequenos e um círculo nacional de compensação para a eleição proporcional, ou, preferencialmente, por uma solução em que os círculos uninominais fossem combinados com um único círculo nacional proporcional.

A alteração da lei eleitoral ou uma revisão constitucional que possibilite uma alteração mais profunda do actual sistema eleitoral para a AR terá, provavelmente, a oposição de partidos que poderiam perder posições se o aprovado na CRP fosse cumprido.

Por isso, só iniciativas de cidadãos no sentido de mudar a situação que se verifica desde 1976 – e que alguns denominam de “cartelização partidária” –, impondo as alterações da lei eleitoral que muitos sugeriram ao longo das últimas três décadas, poderão evitar que cada vez mais cidadãos optem por apoiar movimentos populistas e antidemocráticos como reacção contra a sub-representação que percepcionam naquela que devia ser “a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses”.

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