Jorge Manuel Lourenço Gonçalves
Junho 2024
A responsabilidade pelas infindas escutas telefónicas
Encarniçam-se (a Comunicação Social e os 50+50 signatários dum documento pedindo a Reforma da Justiça) contra o Ministério Público por este promover escutas telefónicas infindáveis a suspeitos, arguidos e outros com quem eles, fortuitamente ou não, conversam.
Acontece que o regime aplicável às intercepções telefónicas é o das proibições de prova a que alude o n.º 3 do art. 126.º do CPP[1]. Esta norma admite a compressão dos direitos constitucionais, por ser razoável numa lógica de proporcionalidade e ser exigido pelo próprio interesse do Estado no funcionamento da justiça penal.
Todavia, o artº 187º , nº 1 do Código do Processo Penal submete a intercepção e as gravações das comunicações telefónicas a despacho fundamentado do juiz de instrução a requerimento do Ministério Público[2].
Ora, tais escutas só podem ser autorizadas por um período máximo de 3 meses renovável por iguais períodos desde que tal se justifique[3].
E, para saber se a continuação das escutas se justifica terá o juiz de instrução no processo de ouvir as já realizadas e avaliar se o fim da descoberta da verdade que as determinou já foi alcançado[4].
Esta é uma tarefa praticamente impossível para o actual volume de trabalho dos juízes de instrução, tendo em conta que as muitas escutas que anteriormente já autorizaram corresponde, presumivelmente, a milhares de horas de gravação.
Nem se diga que o facto de o Ministério Público submeter ao juiz de instrução, de 15 em 15 dias, os suportes técnicos, bem como os respetivos autos e relatórios, facilita a tarefa hercúlea dos juízes de instrução os quais, na impossibilidade física de controlarem os suportes técnicos e não querendo ser acusados de obstaculizarem a investigação, se limitam a, quanto muito, ler, em diagonal, os respetivos autos e relatórios (no pressuposto de que são verdadeiros) e “assinar de cruz” os requerimentos que o Ministério Público lhes submete[5].
Certo é que a autorização da escuta telefónica de um determinado alvo, não deverá contender com os princípios constitucionais da proporcionalidade, da necessidade e da adequação conforme, em inúmeros casos, tem sido autorizado pelos juízes de instrução.
E só deveria ser possível lançar-se mão das escutas telefónicas, como primeiro meio de obtenção da prova utilizado conforme tem, abundantemente sucedido, quando - e apenas nesta hipótese - o juiz de instrução se convença, em face dos concretos dados factuais trazidos pelo Ministério Público, que ela é a única diligência capaz de fazer carrear para os autos os elementos probatórios aptos á descoberta da verdade e não por “dá cá aquela palha”.
Deste modo, conclui-se que, ao contrário do que tem sido veiculado mormente pela Comunicação Social, o responsável último e principal pelas escutas infindáveis que têm restringido o direito à privacidade dos cidadãos é o Juiz de Instrução (o Juiz dos Direitos, Liberdades e Garantias) que as autoriza, embora a requerimento do Ministério Público.
[1] - Artigo 126.º
Métodos proibidos de prova
3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
[2] -Artigo 187º
1 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público…
[3] 6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
[4] - Ibidem
[5] - Artigo 188º
1 - O órgão de polícia criminal que efectuar a intercepção e a gravação a que se refere o artigo anterior lavra o correspondente auto e elabora relatório no qual indica as passagens relevantes para a prova, descreve de modo sucinto o respectivo conteúdo e explica o seu alcance para a descoberta da verdade.
3 - O órgão de polícia criminal referido no n.º 1 leva ao conhecimento do Ministério Público, de 15 em 15 dias a partir do início da primeira intercepção efectuada no processo, os correspondentes suportes técnicos, bem como os respectivos autos e relatórios.
4 - O Ministério Público leva ao conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior no prazo máximo de quarenta e oito horas.