A "nova" ordem internacional

Uma reflexão

Jorge Martins Bettencourt

Junho 2023

A “NOVA” ORDEM INTERNACIONAL

“Os impulsionadores da desigualdade económica são complexos, mas entre os principais estão décadas de políticas económicas que favorecem os ricos ou privilegiados – políticas como cortes regressivos de impostos, cortes profundos no investimento público, concentração empresarial descontrolada e acções para minar o movimento sindical que inicialmente construiu a classe média americana. E, coletivamente, essas forças desgastaram as bases socioeconómicas sobre as quais repousa qualquer democracia forte e resiliente.”

Isto não foi dito por um membro do partido comunista norte-americano, mas por um dos mais importantes responsáveis da administração Biden, o Conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, perante uma plateia de economistas na Brookings Institution , em Washington, no passado dia 27 de Abril.

Sullivan ocupa o cargo que Kissinger ocupou durante mais de seis anos com Nixon e Ford ou que Carlucci ocupou durante um ano com Reagan. Tal como os seus antecessores, a sua preocupação principal não são as questões económicas, mas, acima de tudo, a política de defesa dos interesses norte-americanos no mundo. E uma leitura rápida do gráfico da Visual Capitalist permite identificar qual é a maior ameaça à liderança dos EUA: a economia da China.

Tal como outros responsáveis dos dois principais partidos norte-americanos têm feito recentemente, Sullivan contestou as ideias neoliberais dominantes desde a década de 80 que defendem a redução de impostos, a privatização em detrimento da acção pública, a liberalização do comércio como um fim em sim mesmo, a crença de que os mercados distribuem sempre o capital de forma produtiva e eficiente e de que todo o crescimento seria socialmente bom e inclusivo, o que levou a privilegiar setores da economia como o financeiro enquanto outros setores essenciais, como o industrial, atrofiaram. 

Durante três décadas, ideólogos e líderes de ambos os partidos norte-americanos falaram dos interesses económicos globais dos EUA em termos tão messiânicos quanto simplistas: o que era bom para os mercados era bom para a América e o que era bom para a América era bom para o mundo. 

Um discurso que exportaram para Europa e deu cobertura a políticas económicas movidas por interesses financeiros com custos muito pesados para os trabalhadores norte-americanos e europeus. Mas perante o sucesso do capitalismo dirigido pelo Estado chinês e a necessidade de competir com ele, decidiram agora que o mundo precisa de um sistema económico internacional que cuide dos assalariados norte-americanos, trabalhe para as indústrias norte-americanas, proteja o clima e assegure a segurança nacional dos EUA.

Os EUA toleram o crescimento chinês contínuo, mas apenas enquanto continuarem a ser a superpotência mundial dominante. Por isso definiram uma nova estratégia política e económica global, consubstanciada nos acordos entre os partidos democrata e republicano, que aparentemente contraria o consenso neoliberal de Washington.

A nova estratégia anunciada por Sullivan e por outros dirigentes políticos norte-americanos acabou por ser consagrada na recente cimeira do G7 em Hiroshima, apesar das reticências iniciais de alguns líderes europeus e do resto do mundo. Do ponto de vista económico, o objectivo principal é eliminar a dependência das cadeias de abastecimento chinesas e tentar manter a China afastada das áreas-chave de importância estratégica (chips de computador, tecnologia verde, IA, etc.) através do que Sullivan designa como um "pequeno quintal" protegido por uma "cerca alta". Portugal, como bom aluno, colocou-se de imediato ao lado dos EUA e foi o primeiro país da União Europeia a bloquear as empresas chinesas no 5G.

Como era previsível, esta nova estratégia de Washington, assim como a guerra comercial que se avizinha, está a provocar reações de vários sectores, desde logo de Wall Street e do sector financeiro onde bancos como o Goldman Sachs ou o JPMorgan receiam ver prejudicados os seus negócios na China. Foi por isso que Sullivan se viu obrigado a afirmar que a "nossa prioridade não é facilitar a vida do Goldman Sachs e dos seus parceiros na China. A nossa prioridade é garantir que lidamos com os abusos comerciais da China que prejudicam empregos americanos e trabalhadores americanos nos EUA."

Não sabemos se a mudança da estratégia de Washington irá para além da retórica, dado que os interesses instalados são poderosos. Mas no plano interno há pelo menos o reconhecimento de que as políticas liberais das últimas décadas penalizaram as classes trabalhadoras e a classe média norte-americanas.

Que efeito as medidas correctivas anunciadas terão na ordem económica interna e dos países na órbita dos EUA, desde logo na União Europeia, ainda é cedo para avaliar.

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