Dúvidas Constitucionais e Penais

Jorge Manuel Lourenço Gonçalves
11 de Janeiro de 2024

ALGUMAS DÚVIDAS CONSTITUCIONAIS E PENAIS QUE ASSOLAM O MEU ESPÍRITO  

Escreveu a comunicação social que o primeiro-ministro em exercício estaria a ser investigado por um crime de prevaricação devido a ter sido aprovada, em Conselho de Ministros, a denominada “lei malandra”, a qual visaria facilitar os intuitos de um grupo económico em levar a cabo a instalação dum centro de dados em Sines.

Constitui crime de prevaricação a situação em que um titular de cargo político, contra o direito, conduz ou decide um processo em que intervém, no âmbito das suas funções, com o objetivo de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém. A pena prevista é a de prisão, de dois a oito anos, e este crime encontra-se definido no artigo 11.º da Lei n.º 34/87, de 16 de julho (regula os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos).

O Conselho de Ministros é um órgão colegial no qual as suas resoluções são aprovadas por voto do respectivo colégio e todos os membros do Governo estão vinculados às deliberações tomadas em Conselho de Ministros (cfr. artºs 4º e 38º do Decreto-Lei n.º 32/2022, de 9 de maio).

E será que a tal “lei malandra” vai implicar a investigação pelo crime de prevaricação de todos os membros do Governo que estiveram presentes no Conselho de Ministros que a aprovou?

Mas, acontece, que o diploma sob a forma de Decreto-Lei do Governo, necessitou de ser promulgado pelo Presidente da República (cfr. artº 136º, nº 4) da Constituição.

Ora, parece que o Presidente da República o vetou parcialmente, nomeadamente na parte respeitante ao pretenso favorecimento da empresa promotora do referido centro de dados.

A acreditar na palavra do Presidente, terá ocorrido o que determina o artigo 136.º, n.º 4, da Constituição: o Presidente terá comunicado ao Governo, por escrito, o sentido do veto. E o Governo terá feito aprovar, em Conselho de Ministros, como é constitucionalmente imperativo, um novo decreto, correspondendo às observações do Presidente, reenviando-lho para promulgação que, desta vez, foi realizada sem a parte vetada.

Assim sendo, pergunto-me como é possível que um membro dum órgão legislativo colegial possa ser investigado por um crime, o de prevaricação, no exercício de um poder que não lhe cabe formalmente, porque é um simples membro do órgão legislativo?

Mas, tendo o diploma sido expurgado da famigerada “malandrice”, será que a tentativa do crime de prevaricação é punível?

Embora não tenhamos encontrado qualquer doutrina ou jurisprudência sobre a punibilidade na tentativa no crime de prevaricação de titular de cargo político, entendemos que tal tentativa  é punível, baseado na letra da lei. Com efeito, se o titular desse cargo,  tem a intenção de praticar tal crime, bem sabendo que a sua atuação é contrária à lei, mas é impedido por qualquer circunstância ou por outrem, no cometimento desse ato não o chegando a realizar, deve ser punido pela tentativa de prática de um ato ilícito.

O busílis, no caso vertente, é que a tentativa de prevaricação terá sido praticada pelos vários membros do Conselho de Ministros que votaram a primeira resolução antes de ser refeita e, portanto, todos são suspeitos da tentativa de cometimento do crime.

São estas algumas das minhas dúvidas!


NOTA DO AUTOR: este escrito foi desencadeado pela leitura do artigo «Casos práticos de Direito Constitucional», publicado no jornal “Público” de 10 de Janeiro de 2024

e da autoria de Vitalino Canas. 


Em tempo: Pessoa amiga, jurista de reconhecido mérito, chamou a minha atenção para o disposto no artº 4º da Lei 34/87 que dispõe: «Nos crimes previstos na presente lei a tentativa é punível independentemente da medida legal da pena, sem prejuízo do disposto nos artigos 24.º e 25.º do Código Penal.» Assim sendo, está esclarecida a minha dúvida sobre a punibilidade da tentativa, acima referida e parece que o meu raciocínio estava correcto e a tentativa seria punível.

Outra questão que esta pessoa levantou e que me acrescenta outra dúvida.

O artº 24º do Código Penal prevê: «1 - A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.

2 - Quando a consumação ou a verificação do resultado forem impedidas por facto independente da conduta do desistente, a tentativa não é punível se este se esforçar seriamente por evitar uma ou outra.»

Escreveu-se no Acórdão 274/10.9JACBR.C1.S1 do Supremo Tribunal de Justiça:

«O art. 24.º do CP prevê a não punibilidade da tentativa, por desistência ativa do agente. No caso da tentativa acabada … só o impedimento da consumação por parte do agente o isenta de punição. Para que tal suceda é, porém, necessário que ele desenvolva uma conduta própria e espontânea, embora eventualmente com a colaboração de terceiros, a seu pedido, que seja idónea a evitar a consumação, e que esta efetivamente ocorra. O agente deve, pois, para ser considerado desistente e beneficiar da impunidade, dominar, ou, no mínimo, condominar o processo de salvamento do bem jurídico ameaçado pela sua conduta. Por sua vez, o n.º 2 do mesmo artigo admite ainda a não punibilidade da tentativa quando a não consumação do crime tiver resultado de facto não imputável ao agente, ou seja, quando a conduta deste não tiver sido causal do impedimento da consumação. Todavia, neste caso, a lei exige que ele se tenha esforçado seriamente por evitar a consumação.

A ser assim, e especulando as diversas hipóteses da promulgação da “lei malandra”, é possível que o primeiro-ministro tenha desistido da tentativa de consumação da “malandrice” por influência do Presidente da República, desenvolvendo esforços sérios, no Conselho de Ministros, para que o diploma fosse emendado e assim, evitando a consumação desta tentativa.

Assim sendo, parece que a tentativa de prevaricação do primeiro-ministro não seria punível, embora tal não impeça que seja constituído arguido e julgado como tal.

Envie o seu comentário para navegaolargo@gmail.com 

Obrigado