Bem-vindo a bordo


Pelo prazer do convívio e da troca de ideias ganhámos o hábito de uma vez por semana, no período do segundo "quartinho" por definição das 18 às 20h, mas bastante flexível no nosso caso e com um vento de feição que permite uma mareação de ideias “ao largo”, usar a tecnologia do Google Meet para conversar sobre assuntos que nos interessam.

Recordando os debates infindos que se desenrolavam nas Câmaras de Oficiais dos navios da nossa Marinha, estes marinheiros reformados e com experiências de vida muito diferentes, mas tendo uma raiz comum, a Marinha, abordam todas as questões que consideram importantes.

No entanto, os temas relacionados com o exercício da cidadania acabam por merecer maior atenção e um tratamento mais cuidado. Da conversa passamos aos textos escritos que, melhor, nos ajudam a estruturar o pensamento.

Metodologicamente, um de nós apresenta um projecto e, sobre ele, trocam-se ideias, realizam-se discussões e fazem-se sugestões, até atingirmos uma versão que, depois de lapidada, se considera unanimemente pronta a ser divulgada.

São essas versões lapidadas por muitas horas de “partir pedra” que aqui deixamos para serem lidas e comentadas por quem partilha os nossos interesses e preocupações. Os leitores decidirão se, e como, irão navegar até outras paragens, livres das amarras das nossas tertúlias semanais.

Estamos certos de que os comentários dos leitores darão origem a novas ideias, eventualmente objecto de comentários posteriores, ou, "partindo mais pedra", suscitarão novas abordagens e apontarão outros rumos.

Continuando a mareação “ao largo”, damos a palavra a quem nos ler.

O distanciamento entre os cidadãos e os políticos assim como a descrença nos méritos dos candidatos de nomeação partidária, são dois dos factores negativos que caracterizam as eleições para a Assembleia da República (AR).

Para credibilizar o processo eleitoral para a AR , julgamos ser necessário valorizar os votos dos cidadãos eleitores, dando maior peso à decisão e à manifestação da vontade que cada boletim de voto representa.

Não se pode absolutizar o conceito restritivo dos direitos fundamentais dos cidadãos militares, a ponto de os desvincular da tutela legal e constitucional. Os cidadãos sujeitos ao Estatuto da Condição Militar não renunciam, por terem essa condição, aos seus direitos fundamentais, nem se vinculam a qualquer estatuto produtor de uma capitis diminutio (capacidade diminuída) apesar de o seu estatuto específico admitir a restrição de certos direitos, perfeitamente delimitados, ainda que somente e na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções. 

Em Portugal, o regime semi-presidencialista cujos princípios foram consolidados na revisão constitucional de 1982, sendo muito flexível, tem resistido a crises políticas profundas e a diferentes interpretações do papel do Presidente da República, oscilando entre as mais discretas e as mais exuberantes actuações de quem ocupou o cargo.

Com a reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa, muito bem preparada e melhor recebida por grande parte da classe jornalística, verificou-se um novo fenómeno: o elevado nível de popularidade do presidente e a sua perícia na utilização dos media parece ter ampliado a sua capacidade de definir a agenda política e de influenciar a actuação do governo, eventualmente para além do quadro de poderes presidenciais definidos na Constituição da República Portuguesa.

Esclarecimento

Muitos cidadãos portugueses estão convencidos de que se um diploma for considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, a Assembleia da República pode ultrapassar o veto de inconstitucionalidade com os votos de dois terços dos deputados em funções, ou seja, 153 parlamentares, e o Presidente da República tem de promulgar tal diploma.

A propósito da reafirmação da primeira parte dessa presunção num artigo com o título «Marcelo prepara-se para “apertar” maioria absoluta com Constitucional» assinado pela jornalista Leonete Botelho, in “Público”, de 14SET22, Jorge Manuel Gonçalves esclarece que o veto de inconstitucionalidade pode ser ultrapassado com o voto de menos de 153 deputados, mas o Presidente da República não é obrigado a promulgar o diploma inconstitucional. 

Comemorar os 50 anos do 25 de Abril nas Escolas é fazer dele uma fonte de inspiração, atual e viva. 

É convocar as novas gerações para uma cidadania ativa que acrescente à memória e legado de Abril um sentido atual de juventude e de futuro. 

"Marcelo quer saber o que vai caber no próximo Orçamento " (in "Observador” de 21.09.2022 ).

E para que servirão as reuniões semanais entre Presidente da República e Primeiro-ministro? 

Não será para formular estas e outras perguntas e expor as dúvidas que vêm a público em vez de ficarem no segredo dos gabinetes?

Imagem: RTP

Populismo, o Espírito do Tempo

Aos responsáveis políticos e, em especial, ao Presidente da República, compete fazer tudo o que estiver ao seu alcance, no rigoroso respeito pela Constituição e pelas leis da República Portuguesa, para melhorar o funcionamento das instituições do Estado de Direito democrático. 

Mas qualquer cedência a condutas populistas, mesmo que esse seja o espírito do tempo em que vivemos, contribuirá para a degradação do sistema político democrático e fortalecerá os actores políticos populistas e as suas soluções antidemocráticas e autoritárias.

Prisão Disciplinar de Militares

A Constituição da República Portuguesa (CRP) permite que, para militares e só pelo facto de o serem, a prisão possa ser, não uma sanção judicial, mas uma sanção administrativa em função de infracções disciplinares.

De acordo com a CRP, apenas a prisão disciplinar dos militares não está sujeita a qualquer controlo judicial nas primeiras 48 horas nem nunca, se, após o despacho que a ordena, o militar não impugnar a decisão punitiva! 

Ilustração da publicação de José Melro Félix
no Facebook em 25.04.2021

Há cerca de dois anos, o economista José Melro Félix publicou no Facebook um relato inédito de um estranho episódio que teria ocorrido no dia 24 de Abril de 1974, na Direcção do Serviço de Abastecimento da Marinha Portuguesa, onde cumpria o serviço militar como Oficial da Reserva Naval da classe de Administração Naval. 

O relato feito pelo 2º Ten. RN AN José Melro Félix do alegado encontro com o, então, Comandante Rosa Coutinho, no dia 24 de Abril de 1974, continua a ser reproduzida por sectores radicais da sociedade portuguesa, saudosos do regime ditatorial derrubado pelo Movimento da Forças Armadas, com o objectivo de  desprestigiar a Marinha e a sua participação no movimento militar de 25 de Abril de 1974.. 

No entanto, quando é analisado com objectividade, conduz a questões sem resposta e revela contradições insanáveis, apenas explicáveis por uma percepção distorcida da realidade por parte do autor. Tendo em conta o percurso de vida de José Melro Félix e o período em que cumpriu o serviço militar, admitimos que podemos estar perante um caso de fadiga com consequências nos processos de memorização.

O "Caso Mondego"

No dia 11 de março de 2023, treze militares da guarnição do NRP Mondego − quatro sargentos e nove praças −, formaram no cais do Porto do Funchal, não cumprindo a ordem de largada para missão de acompanhamento de um navio russo.

Como oficiais de Marinha na situação de reforma, preferiríamos não escrever este texto. Mas perante os eventos e comportamentos públicos a que assistimos, nem sempre conciliáveis com a especificidade da Instituição militar e dos códigos e leis que a regem, decidimos partilhar as nossas reflexões e questões.

Uma prosopopeia e outras “bazófias”

Os mais recentes acontecimentos no NRP Mondego provocaram um inusitado caudal de intervenções públicas de pessoas que, pelas suas responsabilidades, deveriam preservar a discrição. 

Esta atitude parece ser influenciada pela alcunha de “bazófias” dada ao patrono do navio pelas gentes de Coimbra, antes da regularização do caudal do rio, nos idos anos 80 do século passado.

O novo Código de Conduta da Marinha

O Despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada n.º 35/23, de 16 de maio, aprovou o Código de Conduta da Marinha. Trata-se de um documento onde se dá a conhecer às entidades públicas ou privadas, e à sociedade em geral, os princípios e valores pelos quais a Marinha Portuguesa pauta a sua atividade.

Como cidadãos e oficiais de Marinha, na situação de reforma, partilhamos a nossa opinião sobre o novo Código. 

A "nova" ordem internacional

Durante décadas, os líderes dos dois maiores partidos dos EUA falaram dos interesses económicos globais dos EUA em termos tão messiânicos quanto simplistas: o que era bom para os mercados era bom para a América e o que era bom para a América era bom para o mundo.

Agora, perante o sucesso do capitalismo dirigido pelo Estado chinês e a necessidade de competir com ele, alguns deles contestam as ideias neoliberais dominantes desde a década de 80 e defendem que o mundo precisa de um sistema económico internacional que cuide dos assalariados norte-americanos, trabalhe para as indústrias norte-americanas, proteja o clima e assegure a segurança nacional dos EUA.

A mistificação da Constituição

Na Ucrânia, o Presidente da República Portuguesa afirmou, dirigindo-se ao Presidente Zelensky, que o poder político em Portugal quer que, no futuro, a Ucrânia faça parte da família europeia. E deixou claro  "que quando o Presidente de Portugal diz que esse é o objectivo, está dito, não há ninguém acima do Presidente que possa dizer coisa diferente nessa matéria.”

É verdade que não há ninguém acima do Presidente da República que possa dizer coisa diferente nesta matéria, todavia existe um Governo que conduz as negociações e pode exercer o seu voto no seio da União Europeia, de acordo com a sua política, sem que tenha de pedir autorização para tal ao Presidente.  Conforme já temos dito em outros escritos, estamos a assistir a uma mudança de regime pela mão duma pessoa que, ao tomar posse, jurou cumprir a Constituição, mas que, oportunisticamente e à revelia de quem tem poderes para o fazer, a está a alterar conforme as conveniências do vento que o açoita!

O "Grupo dos 80"

Ficaram conhecidos pelo “Grupo dos 80”. Para os membros era a “Organização”, com uma estrutura celular e piramidal, dirigida pelo “Grupo Central”. Actuava na clandestinidade e com secretismo e, a ela, só pertenciam os escolhidos e convidados pessoalmente pelo “Grupo Central”.

Hoje apresentam-se como protagonistas da “resistência na Armada ao desvio totalitário pós 25 de Abril”, com participação no planeamento e desenvolvimento da acção do 25 de Novembro de 1975. 

No entanto, somente depois do 25 de Novembro tivemos notícia da actuação de alguns dos seus membros. Estes e outros, cavalgaram oportunisticamente o poder e, a partir daí, prejudicaram a carreira de muitos dos camaradas, ligados ao 25 de Abril e, até, ao 25 de Novembro. 

O exemplo mais flagrante é o do Almirante Vítor Crespo, cuja carreira naval terminou na chefia da Repartição de Justiça, uma “prateleira” muito conveniente para quem tanto tinha arriscado, antes e depois do 25 de Abril!

Sobre o foro judicial aplicável ao Primeiro-Ministro demissionário

Não se julgue que é líquido que a anunciada demissão do Primeiro-Ministro (PM) será inócua, depois de formalmente demitido, em relação às garantias de que poderia auferir enquanto se mantivesse em funções! Efectivamente, uma questão juridicamente controversa é a de saber se o foro competente para instruir e, depois julgar, o PM demitido é o Supremo Tribunal de Justiça.

Dispõe o artº 11º, nº 3 alínea a), do Código de Processo Penal que compete ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal, julgar o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro pelos crimes praticados no exercício das suas funções. Está em causa saber se, em relação a actos praticados enquanto Primeiro-Ministro, mas inquiridos e julgados quando o exercício dessas funções tenha terminado, é aplicável a prerrogativa de foro, previsto no artigo supra-referido.

Na nossa reflexão procuramos analisar a questão e encontrar uma resposta para ela.

A República do “faz de conta”

No seu comunicado de 07 de Novembro passado, a Presidência da República informou: “Na sequência do pedido de demissão do Primeiro-Ministro, que aceitou, o Presidente da República decidiu convocar os Partidos Políticos representados na Assembleia da República…

O pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro (PM) e a sua aceitação pelo Presidente da República (PR) implicaria a demissão imediata do Governo por um acto formal (decreto de demissão) do PR.  No entanto, o PR comunicou que vai adiar a demissão do PM para "inícios de dezembro", permitindo que o Orçamento do Estado para 2024 seja aprovado. 

Pensamos, contudo, que a solução de adiamento da demissão do PM, se bem que formalmente aceitável, é materialmente inconstitucional, inconstitucionalidade que pode contaminar os actos do Governo que ultrapassem os meros actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos e cuja inconstitucionalidade material poderá ser impugnada por qualquer interessado em tribunal. Isto por serem actos de um Governo que estará a “fazer de conta” que está em funções plenas!


As escutas indirectas ao
Primeiro-Ministro

Poderão as escutas telefónicas indirectas às comunicações do Primeiro-Ministro (PM) não ser admitidas pelo Conselheiro Juiz de Instrução do STJ no inquérito que, por enquanto, aí decorre?

Escutas indirectas” é um termo que se refere a escutas telefónicas realizadas não diretamente ao telefone da pessoa de interesse, mas sim aos telefones de outros indivíduos com quem essa pessoa conversou e, segundo os media, o Ministério Público determinou que existem mais de vinte "escutas indirectas" que ligam o PM aos factos sob investigação no processo original.  Nesse processo os crimes imputados aos arguidos e suspeitos são, nomeadamente, os seguintes: prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e tráfico de influência. 

Assim, tal como os outros arguidos, o PM é suspeito (e somente  suspeito não tendo sido constituído arguido) de ter cometido algum ou alguns destes crimes, pelo que, à luz do disposto no Código do Processo Penal, ele é um alvo legítimo de escutas telefónicas.

Imagem Marinha Portuguesa

Plataforma Naval Multifuncional

Sobre o “navio do PRR”, contratualmente designado por Plataforma Naval Multifuncional, conhece-se o corpo do contrato assinado entre a Marinha Portuguesa e a sociedade comercial Damen Shipyards Gorinchem B.V. 

Conhecem-se também as intervenções oficiais durante a cerimónia de assinatura do contrato.

É com base no que foi divulgado sobre o novo navio e respetivo contrato de aquisição que entendemos oportuno partilhar algumas reflexões.

Dúvidas Constitucionais e Penais

Escreveu a comunicação social que o primeiro-ministro em exercício estaria a ser investigado por um crime de prevaricação devido a ter sido aprovada, em Conselho de Ministros, a denominada “lei malandra”, a qual visaria facilitar os intuitos de um grupo económico em levar a cabo a instalação dum centro de dados em Sines.

Sendo o Conselho de Ministros um órgão colegial, será que a tal “lei malandra” vai implicar a investigação pelo crime de prevaricação de todos os membros do Governo que estiveram presentes no Conselho de Ministros que a aprovou?  Pode um membro dum órgão legislativo colegial ser investigado por um crime, o de prevaricação, no exercício de um poder que não lhe cabe formalmente?  Tendo o diploma sido expurgado da famigerada “malandrice”, será que a tentativa do crime de prevaricação é punível?

São estas algumas das dúvidas constitucionais e penais que o Jorge Manuel Gonçalves  nos deixa para reflexão e eventual resposta pelos nossos leitores.

Imagem Portal do Ministério Público 

Prevaricações

Ainda uma reflexão sobre as consequências para o Estado de direito democrático, consagrado no Artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, das notícias de que o primeiro-ministro em exercício estaria a ser investigado por um crime de prevaricação devido a ter sido aprovada, em Conselho de Ministros, a denominada “lei malandra”, supostamente para beneficiar a Start Campus, a empresa responsável pelo megacentro de armazenamento de dados informáticos em Sines.