Satanismo

SATANISMO

No vulgo existe uma enorme confusão acerca dessa tenebrosa entidade que designamos por Satanás ou Diabo e também Demónio. Serão aspectos diferentes da mesma entidade ou entidades distintas? Melhor ainda, podemos considerar o Diabo como um ser individual ou como pessoa colectiva? Em qualquer dos casos, qual é a sua natureza do ponto de vista corpóreo? É um ser material ou imaterial? Tem existência autónoma ou é uma projecção do imaginário colectivo humano?

Será um pouco de tudo isto!

Afinal, é o Diabo de que todos já ouvimos falar desde a nossa mais tenra idade.

Neste estudo, pretendemos partir de uma visão muito diferente e inusitada para começar a definir essa misteriosa entidade. E o faremos recorrendo à própria Bíblia, pois foi nela que Satan, o Inimigo, ganhou os seus primeiros contornos.

Mas... quem é o Diabo? Diz a crendice popular, alimentada por certas correntes religiosas, que ele é o senhor do Inferno. Este reino inferior, pleno de fogo e abrasamento, destinado ao tormento das almas pecadoras como castigo, já nos impõe uma boa dose de temor, excepto para os irreverentes que riem do Diabo e do Inferno e, diz-se, até Satanás faz coro com eles porque bem sabe o destino que lhes está reservado: fazerem parte do seu reino de pavorosas alegrias e monstruosos divertimentos. O Diabo gosta de ver que muita gente não o leva a sério e folga com isso. É que o Diabo é muito mais irreverente, não desdenhando o anedótico e o burlesco em torno da sua pessoa.

A ciência que procura estudar esta figura chama-se “Diabologia” e chegou a ser uma disciplina obrigatória, segundo cremos, para o clero. Era um assunto sério para muitos padres da Igreja. Actualmente, a Igreja prefere ignorá-lo.

No Judaísmo nunca teve lugar preponderante, embora se falasse nele. O Antigo Testamento (ou Velha Aliança) faz poucas referências a SATAN, termo hebraico que significa vulgarmente “adversário”, “inimigo”, “opositor”. O termo “Diabo” provém do grego e significa “acusador”, “caluniador”. De qualquer modo, esta figura nasceu e desenvolveu-se no interior do judaísmo e passou, depois, para o cristianismo. Paralelamente, temos conhecimento que no masdeísmo o princípio do mal tem algo a ver com Satan, assim como no islamismo.

Iniciaremos, então, este estudo sobre diabologia referindo um texto de Máximo Gorki, fazendo falar um personagem dos seus romances:

«O Diabo não existe. O Diabo é uma invenção da nossa razão maligna. Os homens inventaram-no para justificarem a sua torpitude e, também, no interesse de Deus, para se porem a coberto. Apenas existem Deus e o Homem e nada mais. Tudo isso que parece o Diabo - por exemplo, Caim, Judas, o Czar Ivan o Terrível - é sempre invenção dos homens. É inventado para endossar a uma única pessoa os pecados e delitos da multidão. Acreditai-me. Nós outros, vagabundos e ladrões, perdemo-nos e então imaginamos coisa pior do que nós, o Diabo, etc.»

Se compartilharmos a opinião contida neste texto, concluímos que o Diabo tem origem no imaginário fantasista do homem o qual tem necessidade de projectar para o exterior da sua consciência uma entidade fictícia sobre a qual faz recair a responsabilidade dos próprios actos malvados e condenáveis: “São as tentações do Diabo; ele que responda por isso e está o assunto arrumado”. E assim, o homem se sente justificado perante Deus. É claro que este expediente é extremamente simplório e só tem o fito de desviar o homem de outras realidades, horripilantes e difíceis de entender.

Dado que a figura de Satanás se desenvolveu no interior do judaísmo, ou por outra, o judaísmo herdou essa figura da tradição esotérica antiga, é necessário analisar o que sobre esta matéria se nos oferece no Antigo Testamento.

Em todo o Antigo Testamento, a palavra Satan é usada com o artigo definido, como nome comum tendo o significado vulgar de “o inimigo”, “o adversário”, aplicável a qualquer mortal ou entidade que se opusesse ao “povo Eleito”. Nas acções bélicas, por exemplo, o inimigo ou adversário era “satan”. Isto nada tem de extraordinário. Porém, existem somente três excepções a esta regra:

No primeiro livro das Crónicas 21: 1;

No livro de Job 1: 6 a 2:7;

Em Zacarias 3: 1, 2.

Nestes versículos, a palavra SATAN não é precedida do artigo, passando a constituir um título que designa uma pessoa determinada, com intenção bem clara de referir o chefe dos anjos rebeldes, o insidioso, o anti-Deus.

Analisemos aqueles versículos, do último para o primeiro.

Zacarias 3:1 E me mostrou o sumo-sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à sua mão direita, para se lhe opor. 2 Mas o Senhor disse a Satanás: “O Senhor te repreenda, ó Satanás; sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreenda; não é este um tição tirado do fogo”?

Esta cena está num contexto visionário futurista, podendo ser interpretada como um simbolismo proveniente do imaginário realista do profeta Zacarias. O nome próprio Josué provém do hebraico Yoshuah e é o mesmo que Jesus. Era um nome muito vulgar, havendo muitos Josué/Jesus na chamada Terra Santa cuja capital era Jerusalém. Nas visões nocturnas de Zacarias, o sumo-sacerdote Josué prefigurava o vindouro Jesus, o Messias ou Cristo do Senhor, sendo mesmo descrito um cerimonial inequívoco:

Zacarias 6:11 Recebe, digo, prata e ouro, e faze coroas, e põe-nas na cabeça de Josué, filho de Josadac, sumo-sacerdote. 12 E fala-lhe, dizendo: “Assim fala e diz o Senhor dos Exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é Renovo: ele brotará do seu lugar, e edificará o templo do Senhor”.

É importante reter este cerimonial da coroação, visionário e pré-messiânico, na figura do sumo-sacerdote Josué, a cuja mão direita Satanás se havia colocado para se lhe opor. A mão direita de alguém em qualquer cerimonial, ainda hoje, é lugar de honra; terá Satanás usurpado esse lugar? Estando Josué/Jesus à mão esquerda de Satanás, apesar de ser sumo-sacerdote, ficaria hierarquicamente inferiorizado. No entanto, o Senhor (Josué/Jesus) não escorraça Satanás daquele lugar de honra e limita-se a dizer: “O Senhor (Deus) te repreenda, ó Satanás”.

O próprio Messias terá sido colocado à mão direita de Deus após a ascensão!

Analisemos Job:

Job 1: 6 E vindo um dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o Senhor, veio, também, Satanás entre eles. 7 Então o Senhor disse a Satanás: “Donde vens”? E Satanás respondeu ao Senhor, e disse: “De rodear a terra e passear por ela”.

Este versículo abre a hipótese para Satanás ser considerado um dos filhos de Deus. Segue-se a disputa entre Deus e Satanás acerca de Job e decidem submeter este a duras provas para ficarem a saber se, mesmo assim, ele se desviaria de Deus ou não! Uma aposta tenebrosa proposta por Satanás e que Deus aceitou, a qual teve custos dramáticos, a começar pelo terrível sofrimento de Job, passando pela destruição de todos os seus bens, e acabando na mortandade dos seus filhos e servos. Mas “JOB” é o título de uma peça teatral para ser representada em palco. Reflectirá alguma realidade? Satanás poderá ser aqui interpretado como uma entidade criada pelo compositor da obra para metaforizar a desgraçada condição humana figurada pela personagem de Job.

Analisemos, por fim, as Crónicas.

I Crónicas 21: 1 Então Satanás se levantou contra Israel, e incitou David a numerar a Israel.

 Neste versículo, Satanás ganha contornos inesperadamente históricos, pois os acontecimentos narrados nada têm de visionário nem de teatral mas são objectivamente história de Israel, mais precisamente, do reinado de David em que este se submeteu a uma incitação satânica. Ou será história inventada pelos cronistas de Israel? Os comentadores bíblicos mais avisados evitam a todo o custo este versículo e todo o contexto histórico a ele associado, nos versículos subsequentes, procurando desembaraçar-se dele com poucas palavras. Mas a pior coisa que se poderá fazer a um exegeta é confrontar este versículo (I Cro 21:1) com um outro paralelo que se refere exactamente aos mesmos acontecimentos históricos, no segundo livro de Samuel:

II Samuel 24: 1 E a ira do Senhor se tornou a acender contra Israel; e incitou a David contra eles, dizendo: “Vai, numera a Israel e a Judá”.

A comparação destes dois versículos abre-nos um panorama espantoso:

Num, foi Satanás que incitou David a numerar Israel; noutro, foi a IRA do Senhor que incitou David a numerar Israel. Devemos, temerariamente, propor a seguinte equação?

SATANÁS = IRA DO SENHOR!

Aqui já não há lugar para o anedótico nem para o burlesco! É assunto da máxima seriedade. Entrar é levantar o véu de Ísis. É penetrar na Esfinge...

 

A Ira do Senhor

O que é isto? Esta designação aparece profusamente em todo o Velho Testamento e refere-se a uma acção específica do Senhor ou Deus de Israel. Quando a ira do Senhor se acendia, terríveis castigos vindos dos céus causavam estragos e mortandade entre o povo Eleito. O Deus do antigo Israel, IHVH, era um Deus de ira e de punição.

O acendimento da ira do Senhor é relatado pela primeira vez em:

Êxodo 4: 14 Então se acendeu a ira do Senhor contra Moisés, (...)

Assim, Moisés, o grande legislador de Israel, foi o primeiro a sofrer a Ira Divina. Porquê? Porque Moisés resistia, opunha-se, a que o Senhor o incumbisse de tirar Israel do Egipto, evocando, entre outras razões, o facto de não possuir o dom da palavra. Esse Moisés tinha um carácter duro e rebelde. Ele contendeu sempre com o Senhor e foi no meio de uma brutal agitação interior, pessoal, que encetou o caminho desde Midian até ao Egipto a fim de dirigir a libertação dos hebreus escravizados, em obediência aos planos do Deus de Israel. Tão grande era aquela revolta que Moisés intentou matar o Senhor!

Acham que isto é uma enormidade?

Então, abram a Bíblia (estamos a utilizar a versão traduzida em português por João Ferreira de Almeida ¾ edição revista e corrigida) em Êxodo, capítulo 4, e verão que Moisés mete-se a caminho do Egipto depois de obedecer, revoltado, às instruções do Senhor. Mas...

Êxodo 4: 24 E aconteceu no caminho, numa estalagem, que o Senhor o encontrou, e o quis matar. (ênfase nosso).

Quem quis matar quem?

O Senhor quis matar Moisés? É absurdo, dado que o tinha incumbido de uma missão importante e para tal lhe havia dado elaboradas instruções.

Moisés quis matar o Senhor? Isto é sacrílego! Mas parece mais lógico devido à revolta, senão ódio, por ter sido obrigado a aceitar aquela missão. Quem o obrigou? A IRA do Senhor! Portanto, o Senhor e Moisés envolveram-se numa luta de morte. Resta saber em que plano: se no material ou no espiritual (entenda-se espiritual como imaterial ou mental).

Não restarão dúvidas de que Moisés intentou cometer deicídio ao lermos o versículo seguinte:

Exo 4: 25 Então Zípora tomou uma pedra aguda, e circuncidou o prepúcio do seu filho, e o lançou a seus pés, e disse: “Certamente me és um esposo sanguinário”.

Moisés, descontrolado pelo furor, terá investido contra sua mulher por ela o acusar de sanguinário face ao seu intento deicida.

Exo 4: 26 E desviou-se dele. Então ela disse: “Esposo sanguinário, por causa da circuncisão”.

Zípora procurou aplacar a fúria do marido transferindo a acusação de sanguinário para o acto de circuncisão do filho, que deliberou executar naquele momento crítico, pois Moisés não o havia cumprido, conforme era seu dever sagrado por respeito ao sinal do concerto estabelecido entre o Senhor e Abraão, ou seja, o “pacto da circuncisão”.

O Pentateuco retrata Moisés como um homem duro, insensível e por vezes violento. Mas possuía um carácter mental rigorosamente justo, talvez adquirido através da sua profunda iniciação na ciência esotérica dos sacerdotes egípcios. Ele odiava a mentira e a falsidade. Mas não estava certo das intenções do Senhor e só via nele o poder terrífico de castigar e até matar quando se acendia a sua Ira. Por isso se rebelava e se opunha, havendo nisto actos satânicos na medida em que se tornava adverso aos desígnios do Senhor. Este, por seu turno e como resposta, se irava, acusava e castigava, havendo nisto igualmente actos satânicos pois, assim, Deus parecia mais um inimigo do que amigo. A ira do Senhor, uma vez acesa, tomava proporções calamitosas. Em todo o Antigo Testamento, Deus revela-se quase sempre ciumento, irado e vingativo. Não tolerava desvios aos seus estatutos e mandamentos. Os filhos de Israel temiam-no até à morte.

Estaremos a sugerir que, afinal, Satanás é o próprio Deus?

Há que ter muito cuidado com certas doutrinas ocultistas que apontam, efectivamente, IHVH como sendo o verdadeiro Satan. Isto não é, de modo nenhum, verdade, pois trata-se de uma perversão em que as forças malignas procuram chamar ao Bem de Mal e ao Mal de Bem. É fácil de compreender que Deus assume a inimizade para com os seus inimigos ou opositores, como está bem explícito em:

Tiago 4: 4 Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo (satan) de Deus. (...) 7 Sujeitai-vos, pois, a Deus, resisti ao diabo e ele fugirá de vós.

Segundo a mitologia, houve um período de dissensões e discórdias entre os deuses criadores e outros deuses que mais não faziam senão criticar a obra da criação. Estes deuses da crítica decaíram de tal modo que foram escorraçados do círculo das divindades superiores. Satan é, também, o divino em queda. E foram estes deuses decaídos que se transformaram em Satanás e tomaram conta do mundo. No mito da criação contido no livro do Génesis, estes deuses decaídos são designados por Serpente porque foram condenados ao exílio no planeta Terra, andando de rojo sobre o seu ventre, comendo pó todos os dias da sua vida (Génesis 3: 14). Essas divindades decaídas apoderaram-se da mente humana e escravizaram-na por meio dum sistema de crenças a que se chama ocultismo, mantido pelos descendentes reptilianos ou semente da Serpente (Génesis 3: 15). O ser humano, na maioria das vezes, é mais amigo da Serpente que de Deus. Este facto deu origem ao Satanismo em que a inimizade do homem para com Deus, instigada pela Serpente, é contraposta pela inimizade de Deus para com o homem. Mas há uma diferença fundamental: Deus parece ser inimigo da humanidade por amor, enquanto as organizações reptilianas são inimigas de Deus por ódio.

O Satanismo é um processo inerente à Espiritualidade. Muitas vezes, lamentavelmente, o Satanismo é a única linguagem possível para fazer evoluir a Espiritualidade na mente humana. A humanidade precisa sofrer para compreender, sendo vítima do confronto entre Deus e Satan, em que este aproveita a inimizade daquele para acusar e caluniar Deus como sendo Ele o verdadeiro Satan. A isto se chama “perversão”, uma artimanha própria dos seres astutos e malignos.

Deus e Satan: verso e reverso da mesma medalha. Na ciência do bem e do mal, Satan é a ira ciumenta de Deus que se manifesta no mundo inferior. É a prova da tentação para experimentar o homem, para saber se ele está apto a compreender a mentira, a farsa, a fantasia, a ilusão, tudo isto criações mentais do autêntico Satan. Todos os golpes baixos são permitidos. Satanás/Ira do Senhor incitou David e este caiu logo na armadilha.

O ser humano é demoníaco porque é imperfeito. Para chegar a Deus terá de passar pela sua Ira. O mesmo é dizer que só se chega a Deus através de Satan. É justamente aqui que se levanta um grave problema: a confusão estabelecida entre Demónio e Satanás ou Diabo. São duas entidades diferentes. O Demónio provém da imperfeição mental humana e Satanás provém de, ou é consentido por, Deus. Através de Satanás o homem experimenta tudo aquilo que deve rejeitar para se encontrar com Deus nos céus. Se o não fizer, permanecerá sempre no mundo inferior e demoníaco que, no nosso caso, é o planeta Terra.

O mundo satânico é o mundo do paranormal mentiroso e ilusório, manipulador das mentes mediante emoções primárias, superstições e crendices de toda a espécie.

Há que saber distinguir entre a Espiritualidade autêntica e a materialidade revestida de falsa espiritualidade.

 

Demiurgo