O GRANDE SUFISMO E A ESPIRITUALIDADE
O Sufismo tem sido reconhecido por muitos autores como um dos maiores representantes daespiritualidade e importante fonte de conhecimentos e práticas do caminho místico.
Seu objectivo básico é o de prover ao ser humano, um caminho real e bastante abrangente decrescimento e desenvolvimento de suas potencialidades, buscando conduzir o ser humano de volta à suadimensão de perfeição, fim último de qualquer caminho místico verdadeiro.
Muito da proeminência que o Sufismo desfruta vem do fato dele conter elementos oriundos de outras tradições e de ter dado continuidade a elas incorporando-as dentro de seu processo. Isto acabou porconferir-lhe um carácter mais universal, mesmo estando inserido dentro do contexto do mundo Islâmico.
É possível perceber esta influência especialmente durante a Idade Média e Renascença, que seestendeu aos Cristãos, Judeus e outras escolas esotéricas. Também influenciou o desenvolvimento daFilosofia, principalmente com a tradução e divulgação dos textos gregos, Ciências como a medicina, a matemática, a astronomia e as Artes.
Uma das versões sobre o início do Sufismo remonta aos indivíduos que surgiram depois da morte doprofeta Maomé. Estes indivíduos se retiraram para o deserto ou áreas de menor evidência quando seiniciaram as disputas pelas sucessões dos Califas. Essa atitude buscava preservar e dar continuidade aos conhecimentos que eles haviam recebido principalmente de Ali e de Abu Bakr, ambos companheiros mais próximos do Profeta. Segundo a tradição, Maomé teria confiado principalmente a eles, os aspectos mais esotéricos do conhecimento que possuía, ou seja, sua dimensão mística ou espiritual.
Em contacto também com outras tradições, estes indivíduos foram os maiores responsáveis pelo desenvolvimento da dimensão mística do Islão, e aos poucos foram formando escolas e ganhando importância como representantes da espiritualidade.
Eles e seus discípulos começaram a ser conhecidos como Sufis, e a inserir suas escolas nacomunidade, resgatando e ensinando o caminho místico da Verdade e da Unidade Divina, a exemplo dopróprio Maomé. E isto não aconteceu através do ascetismo clássico de abandono e negação, mas pela verdadeira pobreza espiritual.
Nesta pobreza, o coração imerso no Amor, abandona o seu apego ao mundo para unir-se a Deus. Isso acontece sem que, necessariamente, deva-se abandonar o mundo, ou afastar-se da sociedade. Afinal,não haveria sentido em ensinar a Unidade rejeitando uma parte da expressão do Absoluto. Como bemresume um ditado: “O sufi é aquele que está no mundo, mas não pertence a ele.”
Como seu maior propósito está na busca pela Presença Divina, e também por ter incorporadoelementos de outras tradições, o Sufismo acabou por adquirir um carácter mais universal. E por isso também, foi muitas vezes reconhecido como a essência das religiões e da espiritualidade. Prova disso é que dentro de grupos sufis é comum encontrar-se indivíduos de diversas religiões e tradições.
Esta irmandade não tem nada a ver com ser alto ou baixo, esperto ou ignorante.
Não existe uma assembleia especial, nem um grande discurso, nem se requer nenhum curso anterior.
Esta irmandade se parece mais com uma festa de bêbados cheia de trapaceiros, tolos, charlatães e loucos.
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Não sou deste mundo nem do próximo;
Nem do céu, nem do inferno.
Não vim de Adão nem de Eva;
Não moro no Éden nem nos jardins do paraíso;
Meu lugar é um não lugar, minhas pegadas não deixam marca.
Nada é meu, nem corpo nem alma.
Tudo pertence ao coração do meu Amado.
Eu despi todas as diferenças,
E agora vejo os dois mundos como um.
O Sufismo sempre se baseou em uma perspectiva perene e universal da espiritualidade. Por seucarácter humanista e de busca pela transcendência, ele é reconhecido como expressão e continuidade deuma tradição ainda mais antiga, responsável pela preservação e transmissão dos conhecimentos epráticas que visam o desenvolvimento do homem e da própria humanidade.
Este é o núcleo do Grande Trabalho, da tradição das Escolas de Sabedoria, que já foi representadopela Escola de Sarmung, e que também é chamado de Grande Sufismo, ou Sufismo Maior. Ele está nonúcleo da própria espiritualidade, uma vez que permanece livre de qualquer outro condicionante ouestrutura, seja ela, religiosa, social ou cultural. Esta tradição foi também chamada por alguns autores de Filosofia Perene.
O Sufismo, assim como outras Escolas, recolhe e preserva o conhecimento das diversas tradiçõesesotéricas e das outras áreas do conhecimento humano e produz um novo conhecimento, mais abrangente e adequado ao contexto cultural.
E é por isso que Sarmung, uma das últimas Escolas a cumprir este papel, tinha como símbolo aabelha, que recolhe o néctar de diversas flores, e que em sua colmeia produz o mel. E é esse mel que, detempos em tempos, é oferecido e reorienta a humanidade em seus caminhos de desenvolvimento.
Por toda esta liberdade e complexidade apresentadas acima, o Sufismo foi muitas vezes atacadodentro do próprio mundo Islâmico como sendo uma heresia. Talvez por isso, actualmente, o Sufismo venha perdendo exactamente os elementos de liberdade e universalidade que tanto o caracterizaram. Muitas vezes, acaba por restringir-se exclusivamente à perspectiva Islâmica, que jamais negou ou deixou de proteger e reverenciar, mas também à qual nunca havia se deixado aprisionar.
Outro processo bastante triste é a vulgarização do Sufismo através do oportunismo de certosindivíduos sem conexão com o processo, que surgem em função do destaque que ele recebeu nos últimos anos.
Esse padrão infelizmente vem atingindo não apenas o Sufismo. A degeneração e banalização da espiritualidade vêm se tornando um problema sério. A grande quantidade de informação tem colocado aspessoas em um grau acentuado de confusão. Por faltar referências no que diz respeito à espiritualidade é difícil desenvolver a capacidade de discriminar o que útil do que não é, e isso reduz em muito a chance dese fazer escolhas adequadas.
O objectivo não consiste em ter uma crença onde se apegar, mas sim, em procurar desenvolver uma qualidade de viver e de ser. É fundamental compreender que um caminho de desenvolvimento buscadesvendar o maravilhoso mistério que se encontra em cada pessoa e em toda criação. O conhecimento real não é simplesmente um conjunto de crenças ou dogmas, mas sim, a busca pela essência daquilo quecada um é e do significado da própria vida.
Por esse motivo nossa relação com o Sufismo não se deu através de uma dimensão religiosa, mas sim, por causa de sua característica universal. Ele expressa aspectos de uma tradição que está além deperspectivas limitadoras e dogmáticas e por isso, tornou-se fundamental em nossa trajectória. Esseprocesso, dentro do Sufismo, ocorreu gradualmente na medida em que tais elementos foram sendoreconhecidos como um complemento importante para outras propostas e escolas de sabedoria ocidentais.
Porém, tem sido através da perspectiva do Quarto Caminho, uma expressão contemporânea datradição perene, que temos buscado explorar e resgatar outras propostas e tradições que igualmenteexpressaram esta mesma perspectiva em outros momentos. Mas, como já foi apresentado por váriosautores, até mesmo as formulações do Quarto Caminho parecem ter sido influenciadas pelo Sufismo,através dos contactos que Gurdjieff estabeleceu com esta tradição.
Por outro lado, ao longo de nossa experiência, compreendemos que são necessárias outrasabordagens para que as experiências propostas pelo Sufismo sejam tornadas permanentes. Por isso temosadoptado ao longo do tempo, uma postura mais aberta em relação a essas tradições em busca da essência destes conhecimentos e práticas.
Neste mesmo contexto, outros expoentes do Sufismo tornaram-se fonte de estudo, inspiração einfluenciaram igualmente nossa trajetória. Indivíduos como Shihabuddin Surawardi, Muhidin Ibn Arabi eJalaludin Rumi em suas buscas por revelar o mistério do homem e da criação expressaram um conhecimento próprio, fruto da transformação pessoal de cada um. Ao invés de aderirem a dogmas erepetirem comportamentos e conhecimentos, eles se tornaram fonte de novas visões de mundo querenovaram perspectivas e abriram as portas para outras dimensões e possibilidades.
Este é o valor fundamental do caminho espiritual - possibilitar o desenvolvimento do indivíduo e aextraordinária descoberta que se revela a cada um que busca apaixonadamente descobrir seu próprio mistério.
Eu desejo ir para longe,
Centenas de milhas da mente.
Desejo me libertar do bom e do mal.
Quanta beleza por trás dessa cortina!
*
Existe uma alma dentro de sua alma.
Busque por ela.
Existe uma jóia na montanha que é seu corpo.
Olhe para a mina que contém essa jóia.
Ó sufi andarilho
Busque dentro de você e não fora.