A HIERARQUIA CELESTE
Há muitos séculos que as emanações divinas e os anjos têm sido objecto de discussões calorosas.
Se o profano quase ignora as emanações divinas, há, em contrapartida o sentimento de conhecer melhor os anjos, os arcanjos, os querubins e os serafins que são confundidos com frequência uns com os outros. Todos estes termos parecem ser, mais ou menos, sinónimos. Mas não é assim. O mundo dos anjos é múltiplo e os seus membros são classificados segundo uma hierarquia muito precisa.
Dionísio o Areopagita
Existe uma obra, escrita nos primeiros séculos da Era Cristã, que nos inicia nos arcanos da hierarquia que rege aqueles que designamos sob o termo geral de Anjos. Trata-se d'O Livro da Hierarquia Celeste, atribuído a Dionísio o Areopagita, um ateniense nascido no império de César Augusto. Dionísio pertencia a uma família ilustre e ocupou sucessivamente os cargos de arconte e depois membro do Areópago (daí o seu apelido), abandonou o paganismo e, convertido por São Paulo, abraçou o Cristianismo.
Tendo-se tornado o primeiro bispo de Atenas, é incluído pela Igreja no número dos santos, mas a crítica moderna rejeita a sua autoria do livro citado, obra que se considera muito posterior, datada do século V, e à qual a autoridade de Dionísio não se poderia associar, se bem que as suas análises e classificações sejam admitidas pela Igreja como resumo do ensinamento revelado nessa altura.
O abade Darboy, futuro arcebispo de Paris, traduziu o livro do grego em 1845 e resumiu assim a perspectiva segundo a qual o autor, quem quer que tenha sido, elaborou essa descrição: a razão não pode explicar tudo, daí a necessidade de se recorrer à revelação e todas as pesquisas racionais devem levar à justificação do ensinamento revelado. É, portanto, das Santas Escrituras, tal como são explicadas pelos depositários do ensinamento cristão, que o autor recolhe a sua inspiração e é a partir delas que prepara a sua "Hierarquia Celeste".
O Último Grau da Hierarquia Celeste
O que é, então, essa hierarquia?
Deixemos ao autor o cuidado de a definir: «Tudo vem de Deus e volta para Deus, as realidades e a ciência que possuímos... Ora, entre a unidade, princípio e fim ulterior de tudo, e as criaturas que não têm em si a sua razão nem o seu termo, há um meio que é simultaneamente ciência e acção, conhecimento e energia, e que, expressão misteriosa da bondade incriada, nos permite conhecê-la, amá-la e imitá-la. Esse meio é a Hierarquia Celeste.»
Essa hierarquia aparece, portanto, como o mundo intermediário que permite ao Homem imperfeito elevar-se até Deus «que é pureza, luz e perfeição». Está aqui a primeira revelação: o Homem está no centro das atenções da Hierarquia Celeste. Mas porquê falar de hierarquia? Porque as «inteligências puras» (diga-se espíritos puros) que a compõem participam todas da mesma graça divina mas em graus diversos.
Se designamos o conjunto dos «espíritos bem-aventurados» pela denominação única de Anjos é porque estes, que ocupam a última ou mais baixa fileira da milícia celeste, são os que tocam a superfície terrestre e por isso se encontram mais próximos dos humanos e são os mais bem conhecidos por estes. Sendo eles, com efeito, os que com maior frequência se manifestam aos humanos, é esta a razão porque o seu nome nos é familiar. Em suma, este termo não é falso no sentido em que os Anjos possuem as faculdades de que todos os espíritos hierarquicamente situados acima deles de igual modo usufruem mas de maneira mais abundante e mais perfeita. Logo, a Hierarquia Celeste começa na Terra em direcção aos Céus.
Os Segredos Sobrenaturais
Todas as criaturas participam de Deus, visto que foi Ele quem, num acto de infinita bondade, criou todas as coisas. Contudo, nessa «efusão pródiga da natureza divina, deve caber uma parcela maior às ordens da hierarquia celeste do que às criaturas que existem simplesmente ou que têm o sentimento da razão, ou até que são, como nós, dotadas de inteligência... Daí resulta que são especialmente honrados com o nome de anjos, sendo-lhes distribuído, antes de tudo, o esplendor divino e sendo, por seu intermédio, efectuada a revelação dos segredos sobrenaturais ao homem».
Esses anjos, que receberam uma parte da essência divina mais importante do que tudo o que existe sobre a Terra, estão distribuídos por três hierarquias, cada uma delas englobando três ordens. Cada ordem possui, por sua vez, um nome que lhe é próprio e que caracteriza as suas funções particulares. «Tais são – escreve o Pseudo Dionísio – os nove coros do exército celeste.»
O epíteto "celeste" associado à palavra "exército" ou à palavra "hierarquia" é simultaneamente preciso e vago. Preciso na medida em que indica claramente que os anjos têm os Céus por morada; vago porque não os situa num ponto preciso desse infinito. Contudo, isso basta para afirmar que os anjos são efectivamente extraterrestres, que não pertencem ao nosso mundo, ainda que nos possam visitar e moverem-se entre nós. «Essas naturezas sublimes nada têm de terrestre», esclarece o autor e, falando da graça, acrescenta que «participam dela de uma forma que não é da Terra.»
Espelhos Puros e Magníficos
Antes de entrarmos nas subtilezas dessa hierarquia, talvez seja conveniente interrogarmo-nos porque a criou Deus. Essa hierarquia, que o Pseudo Dionísio definiu ainda como «uma certa disposição e escalonamento santos», tem por objectivo «descrever a beleza sobreeminente de Deus», possuindo também o privilégio de a contemplar. E, acrescenta o autor, «transformar os seus adeptos em outras tantas imagens de Deus: espelhos puros e magníficos onde pode brilhar a luz eterna e inefável e que, segundo o escalonamento exigido, reflectem prodigamente nas coisas inferiores essa claridade recebida que as faz brilhar».
Imitar Deus, cooperar na Sua acção reflectindo a Sua luz nos humanos, agindo de certo modo como Seu embaixador junto deles: é assim que se pode resumir a finalidade da hierarquia. Mais uma vez constatamos que a finalidade do trabalho da Hierarquia Celeste incide sobre o Homem. Porquê?
Ela é a intermediária entre Deus e os homens porque, diz o Pseudo Dionísio, «ninguém na Terra viu nem verá a essência íntima de Deus». Esta função é-lhe confiada de acordo com as exigências da ordem eterna e nenhum homem poderia apropriar-se dela, nem sequer os iniciados nas cerimónias sagradas. Não obstante o Homem continua, por assim dizer, a ser o potencial de matéria prima para algo de mais elevado.
Cada um dos membros da Hierarquia Celeste trabalhará à sua maneira, visto ocupar uma categoria e funções que lhe são próprias. Assim, os que se distinguem em pureza, deverão purificar completamente os que precisam de ser puros; os mais revestidos de luz, transmiti-la-ão aos que têm necessidade de ser iluminados; finalmente, os que são detentores dos segredos da perfeição, comunicá-los-ão aos que convém aperfeiçoar.
Impõem-se uma reflexão perspectivada pelas propostas da Gnose Esotérica. Será o Humano a matéria prima que convém aperfeiçoar e de onde se extrai a hierarquia conducente ao Divino? Isto terá lógica se atribuirmos a função intermediária à Hierarquia Celeste, como o fez o Pseudo Dionísio, mas em linguagem exotérica a ser difundida no mundo profano. A linguagem esotérica, mediante simbologia, reserva-se aos iniciados no mundo sagrado.
O Escalonamento da Hierarquia Celeste
Chamas Ardentes – Tronos – Rios de Sabedoria
A primeira dessas hierarquias, a que está mais próxima de Deus no Paraíso, é composta pelos espíritos (diga-se inteligências) mais sublimes a que se chama: «Chamas ardentes, tronos, rios de sabedoria».
É formada por três ordens: a dos Serafins, a dos Querubins e, finalmente, a dos Tronos.
A palavra "serafim" significa luz e calor. É a razão por que se aplica às essências divinas que possuem «essa força poderosa pela qual animam, transfiguram e reconstituem à sua imagem as naturezas inferiores, vivificando-as, inflamando-as nos fogos de que elas próprias são consumidas, e esse calor purificador que apaga toda a mácula e, finalmente, essa propriedade activa e... inesgotável de receber e de comunicar a luz, de dissipar... todas as trevas».
O termo "querubim" designa uma ciência e uma sabedoria infinitas. Como os Serafins, os Querubins são chamados a conhecer Deus. Contemplando a sua sapiência sublime, moldam-se à Sua imagem antes de transmitirem às essências inferiores os dons que receberam.
Quanto aos «nobres e augustos tronos», o seu nome indica que estão isentos de todas as paixões mesquinhas da Terra que, de certo modo, são portadores de Deus, a quem estão unidos por uma «constância indestrutível».
Insensíveis a qualquer alteração e a toda a mácula, as essências que compõem a primeira hierarquia são absolutamente puras. Admitidas a contemplar directamente a organização "Santíssima Trindade" (Pai/Mãe – Filho(a) – Espírito Santo), dela recebem directamente as Luzes e brilham mais do que as outras. São perfeitas, visto ser do próprio Deus Supremo que lhes vem a sua ciência inefável das obras divinas.
Esta primeira hierarquia, a qual se pode imaginar «disposta em círculo (arco) em torno da divindade», transmite às ordens inferiores o que ela própria recebeu. «Ensina-lhes que a unidade muito simples que subsiste em três pessoas inclui, nos desvelos da Providência, a criação toda inteira, desde as essências mais nobres dos Céus até às substâncias mais vis da Terra».
Dominações – Poderes – Virtudes
A primeira hierarquia purifica, aperfeiçoa e ilumina a segunda hierarquia que é composta pelas «santas "dominações" e pelas admiráveis falanges dos "poderes" e das "virtudes"».
A palavra "dominações", segundo o autor, é o nome que caracteriza «a sua autoridade simultaneamente livre e severa que jamais se macula com a tirania de nenhuma paixão vil... estas nobres inteligências só são atormentadas pela necessidade insaciável de possuir o que é a dominação essencial e a origem de toda a dominação».
Pelo nome de "virtudes" designam-se os espíritos (diga-se inteligências) que empregam, no exercício das suas funções, um vigor invencível e que nunca se contradizem. Contemplando a "Primeira Virtude", quer dizer, Deus, esforça-se por a reproduzir o mais perfeitamente possível antes de transmitirem essa imagem às ordens inferiores.
Quanto aos celestes "poderes", o seu nome lembra a autoridade sublime de que estão investidos. Sim, porque "poder" não significa poder tirânico, antes exprime a força impetuosa com que as virtudes tendem a aproximar-se de Deus, arrastando para Ele, num mesmo impulso, as inteligências que lhe são inferiores.
Também a segunda hierarquia possui pureza, luz e perfeição, mas, como as retém da primeira hierarquia e não directamente do próprio Deus, possui-as em menor grau, porque os dons celestes perdem, naturalmente, o seu esplendor à medida que atingem os seres cada vez mais distanciados de Deus.
Principados – Arcanjos – Anjos
A terceira e última hierarquia é composta pelos Principados, pelos Arcanjos e pelos Anjos.
Por "principados", convém entender as inteligências que possuem o dom do comando, as que sabem conduzir-se e conduzir os outros com autoridade para o Altíssimo, as que, enfim, se formam na medida das suas possibilidades pelo modelo do «Principado Original», quer dizer, Deus.
«A ordem sagrada dos arcanjos é um meio hierárquico em que os extremos se encontram harmoniosamente unidos... Como os Principados, eles mantêm-se permanentemente virados para o princípio supra-essencial de todas as coisas e, procurando tornar-se semelhantes a ele, levam os anjos à unidade, pela competência invisível de uma autoridade sábia e regular; como os anjos, desempenham funções de embaixadores e, recebendo das naturezas superiores a luz que lhes cabe, transmitem-na... em primeiro lugar aos anjos e, seguidamente, através deles, à humanidade.»
As funções dos Anjos são as mais bem conhecidas pelos homens, visto serem os embaixadores que Deus lhes envia. Por isso, o Homem foi feito um pouco menor que os Anjos, ou seja, de Homem a Anjo vai um passo.
Foram os anjos que promulgaram a Lei de Deus (Epístola de Paulo aos Gálatas 3: 19); são eles que explicam aos eleitos a constituição da Hierarquia Celeste ou que ainda lhes revelam os acontecimentos futuros. Assim, é um anjo que dá a conhecer a Zacarias que, apesar da sua idade avançada, terá um filho (Lucas 1: 11, 13, 19) e é o mesmo "Mensageiro" que dá a conhecer a Maria a Virgem que será a mãe de Jesus (Lucas 1: 26 a 38). O termo "mensageiro" não pode ser mais justo, visto que a palavra "anjo" vem do grego aggelos, que significa precisamente "mensageiro".
Os anjos desempenham ainda outras tarefas; eles são os instrumentos da justiça divina, os guardiões e os guias dos humanos de boa vontade. Escreve o Pseudo Dionísio: «O anjo designado para cada nação atrai para a divindade... os que o seguem com todo o esforço da sua boa vontade.» E aqui temos a segunda revelação: o Homem é chamado a servir a "Causa Divina" veiculada pelos anjos, o que ainda é pouco, porque o Homem é que é a matéria prima que, sob certas e rigorosas condições, é compelido a ingressar na Hierarquia Celeste.
Uma Ciência que não é Deste Mundo
Assim, a hierarquia superior, composta pelos Serafins, pelos Querubins e pelos Tronos, rege a segunda. Dominações, Virtudes e Poderes regem os Principados, os Arcanjos e os Anjos e estes, por seu turno, governam as hierarquias humanas estruturadas em ordens e obediências esotéricas. Abaixo disto, movimentam-se as imensas massas profanas onde nada mais resta senão a Lei da Selva, que é onde começa a evolução da Vida, que é o mundo Natural apenas permeável ao Exoterismo.
Tal como uma cascata, os maravilhosos dons divinos jorram de hierarquia em hierarquia, desde Deus, o seu dispensador, até aos homens. A função dos espíritos celestes tende para um duplo fim: receber e depois transmitir os segredos de que são detentores. Porque, segundo o Pseudo Dionísio, as graças divinas não podem ser comunicadas aos inferiores senão por intermédio das naturezas que lhes são superiores.
Deste modo, os humanos poderão virar-se para Deus, unirem-se a Ele, recebendo essas mesmas gradações pelas quais a bondade de Deus fez descer sobre eles a luz eterna.
Graças a esta organização maravilhosa das hierarquias, «por divina e justa proporção, elevam-se uma pela outra até Àquele que é o princípio e o fim soberanos de toda a bela harmonia».
Uma organização maravilhosa expressa no sonho de Jacob: «E sonhou: e eis que uma escada era posta na terra, cujo topo tocava nos céus; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela; e eis que o Senhor estava em cima dela...» (Génesis 28: 12, 13).
«De igual modo, - reconhece humildemente o Pseudo Dionísio no final da sua obra – é impossível explicar todos os mistérios da hierarquia celeste, mistérios que se situam para além do entendimento humano. Tais são as explicações que tinha a dar no tocante aos símbolos que a teologia descreve. Por incompleto que seja, estou persuadido de que este trabalho ajudará o nosso espírito a elevar-se acima da grosseria das imagens materiais. Porque se me objectardes, ó Timóteo, que não fiz menção de todas as virtudes, faculdades e imagens que a Escritura atribui aos anjos, responderei, e é verdade, que em certos casos ser-me-ia necessária uma ciência que não é deste mundo, que ser-me-ia preciso um iniciador e um guia e que certas explicações omitidas estão implicitamente contidas no que eu disse. De forma que pretendi simultaneamente manter uma medida justa neste discurso e honrar, pelo meu silêncio as santas profundezas que não posso sondar.»
Incursão na Linguagem Esotérica
O Livro da Hierarquia Celeste foi escrito para ser divulgado no mundo profano. Por isso, o seu autor, o Pseudo Dionísio o Areopagita, limitou-se aos símbolos que a teologia descreve mantendo silêncio sobre tudo o mais. É, pois, uma obra exotérica. Não obstante, ele teve o cuidado de referir «uma ciência que não é deste mundo», uma clara alusão à Gnose que, no seu tempo (século V) comportava sérios perigos a quem a manifestasse. Só um iniciador e um guia estariam habilitados a certas explicações sempre reservadas ao mundo sagrado, necessariamente secreto.
Fazendo, agora, uma incursão na linguagem esotérica...
O que é uma hierarquia? É uma sucessão ascendente de graus (escada) que podem ser percorridos por um mesmo indivíduo. Precisemos melhor este conceito: a estrutura organizativa em si pode ser rígida, cada grau com a sua função, mas os indivíduos que integram a hierarquia movem-se através dela, isto é, são promovidos de grau para grau alterando progressivamente as suas actividades e missões em função dos méritos consagrados por um determinado projecto.
Um iniciado humano, chamado eleito, é admitido no grau mais baixo da Hierarquia Celeste. Depois, depende dele a evolução nessa hierarquia. A Iniciação precede a Glorificação. O fim da Hierarquia Celeste determina a passagem à Deificação, expoente máximo da evolução da Vida no Universo. Isto é pura Especulatividade, único caminho que possuímos para destruirmos o esbarramento em crenças e doutrinas que são próprias da profanidade. Por exemplo, é-nos dito que os anjos, espíritos puros, não possuem corpo material, biológico, igual ao nosso. Porém, esta crença faz-nos esbarrar constantemente em absurdos criados pelos próprios textos sagrados. O nosso raciocínio não os resolve enquanto não remover os bloqueios mentais incutidos ao vivermos no mundo profano.
Apenas um exemplo: São Paulo escreveu «Permaneça o amor fraternal. Não vos esqueçais da hospitalidade, porque por ela, alguns, não o sabendo, hospedaram anjos.» (Epístola aos Hebreus 13: 1, 2). Recomendação absurda! A hospedagem pressupõe, além de oferecer abrigo, fornecer também alimento e dormida. Ora, os anjos, sendo imateriais e invisíveis não necessitam de convite para franquear a casa de quem quer que seja, não comem nem dormem; eles atravessam simplesmente as paredes, dão fé de tudo o que quiserem e vão-se embora sem dar satisfações a ninguém. Foi isto que aprendi na Catequese juntamente com outras coisas e, por esta via, se instalou em mim um bloqueio mental que transformou a Bíblia numa colectânea de absurdos.
Antes de mais, o Estudo das Actividades Paranormais terá de encontrar formas de remover bloqueios mentais. Para tanto, é necessária a participação dos Membros Activos, apresentando as suas dúvidas, questões e críticas.
Pesquisado, investigado e estudado por: José Curado