Boletim | Newsletter
Notícias relacionadas ao Direito Ambiental e ao GERN | News related to Environmental Law and GERN
Notícias relacionadas ao Direito Ambiental e ao GERN | News related to Environmental Law and GERN
PDL 653/2025 – Origem: MSC 1413/2024 (Mensagem aprovada na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional no dia 27 de agosto de 2025. Requerimento de urgência para ser um resultado do Congresso para a COP 30.
Carina Costa de Oliveira. Gern-UnB. Professora da Faculdade de Direito-Unb e integrante advisor da delegação brasileira que negociou o tratado BBNJ desde 2018.
Resumo: O Acordo BBNJ, negociado no âmbito da Divisão de Oceano e Direito do Mar da ONU, está na iminência de entrar em vigor no plano internacional. O tratado já possui 55 ratificações e 141 assinaturas e entrará em vigor 120 dias após a 60ª ratificação, prazo esse que se aproxima rapidamente. Em 2025 ocorreram as Comissões Preparatórias (PrepComs) 1 e 2 estabelecidas para auxiliar a entrada em vigor do Acordo. Em março de 2026 ocorrerá a última sessão preparatória e estima-se que o tratado já poderá realizar a primeira Conferência das Partes no segundo semestre de 2026. É, portanto, urgente que o Brasil ratifique o tratado. Para fundamentar a ratificação é necessário indicar: 1) o que é o tratado e por que ele deve ser ratificado; 2) os impactos econômicos, políticos e jurídicos decorrentes da ratificação do tratado; 3) a inexistência de ameaça à soberania nacional; 4) a necessidade de aproveitar a janela de oportunidade da COP 30 para conectar Oceano e Clima.
Análise
1) O que é o tratado e por que ele deve ser ratificado
O Acordo BBNJ é o terceiro tratado de implementação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), com o foco específico na conservação e no uso sustentável da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional. Os outros dois acordos são: 1) Acordo relativo à implementação da Parte XI da CNUDM de 1994; 2) Acordo de 1995 sobre a conservação e a gestão de populações de peixes transzonais e de populações de peixes altamente migratórios. O primeiro criou a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, dirigida atualmente pela brasileira Letícia Carvalho, e que regula a exploração de minérios encontrados nos fundos marinhos além da jurisdição nacional. O segundo é um dos principais tratados sobre pesca que também protagonizou a atuação internacional do Brasil, pois houve presença ampla de brasileiros tanto na FAO quanto no ICCAT (conservação dos tunídeos do Atlântico como o atum) em razão de direções exercidas por brasileiros. Ainda havia uma lacuna no direito internacional: regular a biodiversidade marinha, especialmente a conservação e o uso sustentável dos recursos genéticos, além da jurisdição nacional. A Convenção de Diversidade Biológica regula apenas os recursos genéticos sob a jurisdição nacional. Faltava, portanto, regular: recursos genéticos marinhos, incluindo a partilha justa e equitativa dos benefícios; medidas como ferramentas de gestão baseadas em áreas, incluindo áreas marinhas protegidas; avaliações de impacto ambiental; e capacitação e transferência de tecnologia marinha.
Diante desse cenário, do qual o Brasil é protagonista, não é possível ficar fora da governança marinha que se fortalecerá com o Acordo BBNJ, adotado em 19 de junho de 2023 e assinado pelo Brasil em setembro de 2023. O Brasil é protagonista no regime e deve permanecer nessa posição por meio de sua ratificação.
2) Os impactos políticos, econômicos e jurídicos decorrentes da ratificação do tratado
O Brasil deve ratificar o Acordo em regime de urgência, pois o tratado está na iminência de entrar em vigor no plano internacional. Para que o Brasil possa participar do regime sobretudo como Parte, e não apenas como observador, na primeira COP BBNJ, o Brasil deve estar ciente de todos os impactos positivos que essa ratificação poderá resultar. Apenas os Estados que o ratificarem poderão decidir, por exemplo, sobre:
1) A sede do Secretariado: A sede poderá ser, conforme últimas negociações, no Chile ou na Bélgica. É estratégico para o Brasil defender que o Secretariado fique na América do Sul e não fique na Europa. Sabe-se que as grandes empresas de biotecnologia estão em países do norte global e, nesse sentido, um Secretariado no Sul global favorecerá o fortalecimento desse setor e de outros no Brasil. O Chile precisa desse apoio formal do Brasil na primeira COP, pois o lobby para apoiar a Bélgica é bastante forte;
2) A composição dos órgãos subsidiários: há 5 órgãos que foram criados pelo tratado para lidar com os mais diversos temas: estudo de impacto ambiental, áreas marinhas protegidas, transferência de biotecnologia marinha, financiamento. O Brasil tem que participar dessas decisões para que brasileiros possam integrar esses órgãos subsidiários e tomar decisões, por exemplo, com relação ao direcionamento de financiamentos como os do fundo global para o meio ambiente (GEF) e sobre as regras que devem ser adotadas para a produção de estudos de impacto ambiental;
O tratado será economicamente relevante e está juridicamente em conformidade com o ordenamento jurídico nacional. O tratado irá:
1) Catapultar empresas nacionais, como o setor de cosméticos e de produtos farmacêuticos, que já usam a biodiversidade marinha para desenvolver seus produtos;
2) Garantir ao Brasil, às empresas e à sociedade civil, o acesso ao mecanismo de intercâmbio de informações (clearing-house mechanism) sobre sequenciamento genético e outras informações que atualmente estão sobretudo localizadas em bancos de dados privados nos Estados Unidos e na Europa;
3) Promover a capacitação e a transferência de tecnologia marinha;
4) Possibilitar o recebimento de financiamento como por exemplo recursos do GEF;
5) Acessar a partilha justa e equitativa de benefícios oriundos da exploração da biodiversidade marinha além da jurisdição nacional.
O tratado está em completa conformidade com o ordenamento nacional, fato esse que já foi amplamente estudado durante os mais de 15 anos de negociação árdua do tratado. Além disso, o tratado garante a proteção dos direitos soberanos dos Estados costeiros.
3) A inexistência de ameaça à soberania nacional O tratado é aplicável a um espaço além da jurisdição nacional e, portanto, não ameaça os direitos soberanos nacionais. O Acordo prevê mecanismos de participação dos Estados Partes para que tomem todas as decisões relacionadas ao tratado, sem interferir nos direitos dos Estados costeiros e tampouco nas competências de outras organizações internacionais como a FAO, o ICCAT e secretariados como o da CDB ou o regime do clima. O Brasil passará a ter mecanismos para proteger áreas próximas à sua área de jurisdição, como o Atlântico Sul, por meio de mecanismos e instrumentos criados pelo Tratado. Isso possibilitará que espaços próximos à nossa jurisdição possam ser ainda melhor defendidos, conservados e utilizados devidamente. O tratado ainda prevê formas de solução de controvérsias que possibilitarão o cumprimento das obrigações pelas Partes. Diante desse contexto, o Brasil precisa aproveitar a janela de oportunidade da COP 30 para anunciar a ratificação do tratado.
4) A necessidade de aproveitar a janela de oportunidade da COP 30 para conectar Oceano e Clima.
O Brasil sediará a COP 30 e está empenhado em evidenciar a conexão entre Oceano e Clima. O Acordo BBNJ cita expressamente 5 vezes a expressão clima e indica que há necessidade de articulação entre ele e os demais tratados da governança do oceano existentes. O Brasil, como grande defensor de instâncias multilaterais, participante ativo das Nações Unidas, da CNUDM e de diversas organizações como a Autoridade Internacional dos fundos marinhos (ISA) deve aproveitar a janela de oportunidade da COP 30 tanto para integrar Oceano e Clima quanto para protagonizar o conhecimento acadêmico, tradicional, empresarial em temas como biodiversidade e clima.
Uma observação importante é que o tratado não permite reservas e, nesse sentido, deve ser ratificado sem alteração do seu conteúdo.
Conclusão:
O Acordo BBNJ deve ser ratificado em regime de urgência, pois, entre outros motivos:
Irá gerar impactos econômicos em setores como a biotecnologia marinha;
Proporcionará a capacitação de pessoas físicas e jurídicas, a transferência de tecnologia e o acesso a informações qualificadas relacionadas à biodiversidade marinha além da jurisdição nacional;
Protagonizará o Brasil no regime da conservação e do uso sustentável da biodiversidade marinha, tema sobre o qual o Brasil já é protagonista no âmbito nacional e regional;
Garantirá segurança jurídica para o Atlântico Sul para que não exista exploração indevida da biodiversidade marinha em espaços próximos à jurisdição nacional;
Promoverá a conexão entre Oceano e clima e será uma entrega do Brasil e do Congresso Nacional para a COP 30;
Possibilitará acesso a fundos e recursos relacionados ao tratado.