Monomotor em Bimotor Leve

ESTA MATÉRIA ABAIXO É UM CONDENSADO DE UMA PALESTRA DO CMTE DAVI BRANCO.

RECENTEMENTE ELE ME ENVIOU UM LINK COM UM VÍDEO SOBRE O TEMA E QUE

VAI DAR UM ENTENDIMENTO MAIS ABRANGENTE DESTA MATÉRIA.

LINK AQUI

Você acabou de decolar do Campo de Marte e ocorreu uma falha de um dos motores do seu Sêneca... será que sua aeronave vai ter condições de subir ou talvez permitir um retorno à pista?

Você tem absoluta certeza?

Um dos grandes conceitos da aviação que devem ser desmistificados é a operação em Bimotor Leve.

Durante minha vida como inspetor de aviação civil, tive a oportunidade de voar com os mais variados modelos de aeronaves e definitivamente, cheguei à conclusão de que os pilotos de aeronaves bimotores leves não se dão conta das características de homologação de suas aeronaves e quase sempre ao final dos voos de proficiência técnica, muitos deles se surpreendem ao tomarem conhecimento sobre a capacidade operacional destas aeronaves.

No processo de homologação na aeronave multimotora, categoria normal, segue-se o que prevê o RBAC 023, que por sua vez remete às exigências previstas no FAR 023 dos USA.

Ainda dentro do RBAC 023 temos a separação desta classe de aeronaves em duas categorias baseada no seu Peso Máximo de Decolagem PMD.

As que têm PMD menor que 2.727Kg e as que têm PMD maior que 2.727Kg e menor que 5.670Kg.

Para objeto desta matéria vamos nos ater apenas nas aeronaves com PMD menor que 2.727Kg.

Repare que mesmo para as aeronaves com Velocidade de Estol (Vs) acima de 61KT, as exigências para homologação para um motor inoperante são somente para os seguintes critérios:

  1. Gradiente positivo de 1,5% a 5000pés

  2. Configuração lisa

  3. Potência Máxima de Contínua - PMC

  4. Hélice do motor inoperante embandeirada

  5. Velocidade maior que 1,2 da Velocidade de Estol

Repare com cautela que os requisitos listados acima são para um voo a 5.000 pés. PORÉM, e é isto que pouca gente sabe, NÃO EXISTEM REQUISITOS SIMILARES PARA UM MONOMOTOR DURANTE A DECOLAGEM !!!!!!!!!

Reforço o argumento acima nas palavras do Cmte Davi Branco: "Os aviões dessa classe não são exigidos a demonstrar desempenho positivo na decolagem, ou seja, com trem embaixo ou em trânsito, com flap estendido e com hélice em windmilling."

Via de regra, quem voa estes modelos de aeronaves "multimotoras" supervalorizam a condição de estarem voando com mais de um motor, mas que não se preocuparam em estudar quais foram os procedimentos aplicados na homologação destas aeronaves. Quais foram os parâmetros exigidos e/ou cumpridos? Pouca gente se pergunta isto...

Entre gráficos de certificação e parâmetros de operação podemos tirar algumas conclusões pelo menos intrigantes quanto à performance destes equipamentos.

Consultado o Manual da Aeronave Sêneca III é possível extrair a seguinte nota de ATENÇÃO no capítulo que versa justamente sobre FALHA DO MOTOR NA DECOLAGEM .

“Certas combinações de peso do avião, configuração, condições atmosféricas e velocidade,

poderão acarretar uma razão de subida negativa.”

Em outras palavras, a “razão de subida negativa” mencionada no texto acima deve ser interpretada como “vai descer!”, ou "vai cair", ou ainda "você tá numa enrascada!!!".

Perceba que é justamente o fabricante quem está afirmando que não garante a subida monomotor na decolagem!!!. Não precisa estar acima do Peso Máximo de Decolagem, basta que tais “combinações acima sejam atendidas para que sua aeronave DESÇA!!!, quando na realidade o seu maior interesse logo após uma pane na decolagem é que a aeronave suba ou que pelo menos, na pior situação, apresente condições para um voo nivelado.

Esta assertiva tem um fator bastante preocupante, pois, via de regra, nos exercícios aplicados nas centenas de voos de cheque que tinham por objetivo avaliar a reação da aeronave num eventual monomotor logo após a decolagem, invariavelmente servia para demonstrar para seus comandantes que a subida monomotor na “Blue Line”, quase sempre levava a aeronave numa condição de descida suave ou na melhor das hipóteses, conseguíamos manter o nivelamento. Não identifiquei uma situação sequer em que a aeronave, na sua melhor situação, subisse com mais de 100ft/min (faça uma revisão da matéria, clicando no seguinte link " Emergência no MLTE ").

Atente para que nestas ocasiões a aeronave transportava apenas dois/três ocupantes e o tanque de combustível estava normalmente abastecido pela metade (configuração normalmente empregada para um voo de cheque).

Bem, o assunto tem suas particularidades e muita discussão já foi feita em torno do tema. Cabe a você, como bom leitor, confrontar os argumentos acima com seus conhecimentos e tirar proveito disto tudo para realizar um voo seguro.

Para reforçar estes argumentos acima, segue mais abaixo o gráfico de homologação que representa a Tração Necessária e a Disponível x Velocidade em Voo Nivelado.

As aeronaves MLTE, durante seu processo de homologação, devem atender aos parâmetros estipulados no gráfico abaixo e esta informação nem sempre chega de forma "mastigada" aos operadores destes equipamentos. Analisando o gráfico abaixo você poderá observar que existem duas linhas tracejadas que representam a tração disponível para a situação bimotor e monomotor.

A maioria dos pilotos de MLTE interpretam a situação de monomotor da seguinte forma: "com dois motores eu tenho 100% de tração, então no caso de perda de um dos motores eu terei 50% disponível." Até aqui tudo bem e perdemos mesmo por volta de 50% de tração, mas e quanto ao "EXCESSO DE TRAÇÃO"??

ATENÇÃO: Apesar de perder 50% de TRAÇÃO, o EXCESSO DE TRAÇÃO cai bem mais de 50%,

chegando a mais de 80% em algumas aeronaves. Isso é crítico!!!!!

É justamente isso que o gráfico abaixo torna claro para um bom observador. Se considerarmos o Excesso de Tração para a situação BIMOTOR como sendo 100% (seta vermelha), observe que na condição MONOMOTOR (seta amarela) o excesso é bem inferior a 50% (compare o tamanho das duas setas na figura abaixo). Isto certamente vai implicar numa performance bastante "pobre" e bem abaixo dos 50% erradamente esperados.

A figura acima é uma adaptação mais simples do gráfico constante no livro "Transition to Twins", de David Robson.

Na tabela abaixo, você poderá entender melhor o assunto, onde as informações do gráfico acima foram convertidas em dados numéricos e adaptadas para alguns modelos de aeronaves bimotoras leves.

A tabela acima mostra com “crueldade” que numa eventual falha de um dos motores, a perda de desempenho na subida monomotor, dependendo do modelo de aeronave, pode ser superior a 80%...

Então, lembra daquela emergência do começo deste texto? Pois então, com a falha de 1 motor teríamos perdido 89,78% no desempenho de subida monomotor!!!

Quantos passageiros a bordo da aeronave?

Com quanto você abasteceu?

Dá realmente para voar monomotor?

Onde é que você iria pousar??? Difícil situação, né?

Aqui cabe então o ditado de hangar que reza que "por ter dois motores, um Sêneca tem duas vezes mais chances de ter uma pane". Se bem analisado, este ditado tem um ótimo fundamento...

Assim, com este trabalho, não pretendo assustar os comandantes ao voarem tais modelos de aeronaves, mas colocá-los num estado adequado de alerta para que sempre façam um bom planejamento de voo, um rigoroso cheque dos motores antes da decolagem e que numa hipótese de monomotor logo após a decolagem, saibam exatamente o que esperar da aeronave a fim de melhor poder tomar suas decisões para minimizar os efeitos de uma eventual emergência.

Enfim, tenha sempre o capricho de estudar com profundidade sua aeronave, tenha certeza de que ela te levará para onde você pretende ir e que você nunca seja surpreendido por uma situação para a qual nunca havia estudado, treinado ou praticado.

(Colaboração Cmte Davi Branco)

Que seus voos sejam sempre cercados de Segurança!!!

Sergio Koch - TCel Av R/R