SIPAER: UMA FILOSOFIA OU UMA ORGANIZAÇÃO?

Nos dias de hoje, não é incomum que o CENIPA seja questionado a respeito de um sem-número de temas generalizados relacionados à aviação brasileira, numa base também genérica, algo como: “O que o SIPAER pensa a respeito de...?”.

Convenhamos que ninguém é muito afeito a filosofar, no sentido estrito da palavra. A grosso modo, a filosofia nada impõe, ela orienta. Seguí-la ou não é questão de livre-arbítrio e seus detratores são, no máximo, “condenados” pelo mundo das idéias. Mas filosofia também é coisa séria. O mundo é um amontoado de filosofias. E uma filosofia que evolui para a compulsoriedade é, nada mais, nada menos, que uma lei.

Apesar de toda a importância e representatividade do SIPAER no cenário brasileiro e de seus congêneres pelo mundo, é interessante notar que o sistema não adquiriu sua credibilidade abandonando sua base filosóficodoutrinária e “partindo para a ação”por imposição de conceitos, como é razoavelmente esperado em sistemas que vão tomando corpo. E é muito bom que se tenha mantido assim.

O “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” é apontado por muitos como a definição última do caráter nacional.

Exageros à parte, essa afirmação revela uma ingênua fé de que, independentemente de nossas ações, em algum modo de estar, seja social ou estatal, existiria uma instância última que velaria por nós, que redimiria nossos pecadilhos e que sempre consertaria nossa eventual omissão ou falta de participação como atores sociais. Será que é assim que o usuário encara o SIPAER e, em última análise, o CENIPA?

O acidente aeronáutico nivela grandes e pequenos, uma vez que ocasiona perdas de pessoal, material, credibilidade e mercado. Essa afirmação não consta das “máximas SIPAER”, que vez ou outra são pinçadas das normas do sistema.

Na verdade, esta é, de fato, a primeira “máxima SIPAER” , muito antes do famoso “todo acidente pode e deve ser evitado”, já que foi a íntima compreensão da gravidade do primeiro axioma que fez naturalmente com que várias entidades, privadas e governamentais, se aproximassem e começassem a compartilhar informações e conceitos com o objetivo de combater esse processo - por vezes tão injusto, incompreensível e cruel - que é o acidente aeronáutico. Afinal, se a maioria dos acidentes se configura devido a um processo errôneo de tomada de decisão, que outro campo do conhecimento humano poderia evitá-lo que não a tríade ciência, supervisão e comprometimento, ao invés da mera aplicação da lei? E era de se esperar que, criado um lugar comum sobre esse assunto, surgissem entidades dedicadas à prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos. Porém, um efeito adverso da expansão de qualquer sistema decorre da troca, pelo usuário, dos fins pelos meios, como se um sistema institucionalizado fosse a garantia de sua sustentabilidade e aplicação.

O Brasil contemporâneo está repleto desses exemplos. Assim, quando se afirma que “a prevenção de acidentes aeronáuticos é uma tarefa que requer mobilização geral”, isso não são somente palavras bonitas e com sentido. Isso é a mera acepção de que só por determinados conceitos “filosóficos”, devidamente internalizados, é que nos operacionalizaremos para os fins desejados, não importam os meios à disposição.

Filosofia SIPAER é colaboração, ao invés de competição; é participação, ao invés de acomodação, já que acidentes aeronáuticos são “democraticamente” distribuídos por todo o espectro de operadores e arbitrariamente quando deixam de ser observadas algumas das “máximas” do sistema (não porque elas sejam as tábuas da lei, mas porque são frutos do tão procurado e pouco discernível bom senso).

Então, se o assunto é segurança de vôo, isso, de fato, requer a mobilização de todos, uma vez que os complexos e misteriosos mecanismos que resultam num acidente podem até ser reconhecidos, mas ainda estão longe de serem efetivamente controlados (ainda chegaremos lá). Apesar da indulgência com que às vezes se costuma tratar a “natural” falibilidade humana, é bom não se esquecer que o homem fez jus às suas criações e que a mesma vontade que serviu de inspiração às suas conquistas é a mesma que o fará controlar os eventos que advirão dessas conquistas.

Desse modo, até pela ambição de seus fins, não há como o SIPAER não se amparar numa robusta filosofia, sem a qual a organização jamais se operacionalizaria. Assim sendo, somos todos nós que sustentamos o sistema. E isso não é “mera filosofia”.

Voe seguro, voe SIPAER!

By Cmte Souza Júnior (Global Táxi Aéreo)

*Artigo publicado na revista TAM Flight Safety n° 13 (http://www.tamflightsafety.com.br/sfs/img/rcd/revista/SD13.pdf)