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21.09.2020 EXPOSIÇÕES
Obra de 1950 está a ser restaurada e será apresentada em Outubro
Rodrigo Antunes/Agência LUSA
texto de Ana Goulão/Agência LUSA, editado por MACHINA
Uma peça inédita de grandes dimensões de Almada Negreiros está a ser restaurada e vai poder ser vista depois de 80 anos guardada no antigo atelier. Datada de 1950, encontra-se no Laboratório José de Figueiredo (LJF), em Lisboa, e tem como título atribuído Estudo em fio dos Painéis de São Vicente. (Veja aqui a reportagem vídeo da Agência LUSA.)
Com quase dois metros de altura e largura, apresenta desenhos e reproduções fotográficas dos icónicos painéis do século XV, fios de algodão e arame, características agora enaltecidas por um restauro e estudo aprofundados. "Do espólio que nós temos na família, esta é capaz de ser a 'pedra no sapato' mais complexa, porque tem uma dimensão bastante grande, necessitava de um restauro multidisciplinar, e de um estudo paralelo. Reunia muitas condições que nunca tínhamos conseguido até hoje", afirma Rita Almada Negreiros, neta do artista.
A peça irá ser exibida pela primeira vez em Outubro no Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), no âmbito de uma exposição dupla - também no Mosteiro da Batalha - resultante de uma investigação desenvolvida por Simão Palmeirim Costa e Pedro J. Freitas. Leia aqui a notícia sobre essas duas mostras.
Rodrigo Antunes/Agência LUSA
"Esta peça esteve desde os anos 1950 no mesmo sítio, pousada onde Almada a deixou, e foi-se degradando, sofrendo com o passar do tempo, o envelhecimento dos materiais, num atelier prefabricado em madeira, em Bicesse, que ainda existe, e, onde havia oscilações de temperatura, e de humidade". Espera-se que a obra possa ficar em depósito no MNAA.
Rita Almada Negreiros mostrou uma grande satisfação pela concretização do restauro, uma oportunidade conseguida, “graças ao Laboratório José de Figueiredo, à equipa multidisciplinar, e à exposição que se vai realizar no Museu Nacional de Arte Antiga”. A neta também sublinhou a importância da realização de exaustivos estudos prévios por Palmeirim Costa e Freitas, especialistas em pintura, geometria e matemática: “Há vários anos trabalham sobre o espólio [de Almada] e já conseguiram deslindar estes traçados geométricos, para fazer o restauro ponto a ponto".
"Pela primeira vez vai ser exibida ao público uma peça complexíssima, finalmente datada, e praticamente sem comparação no trabalho do Almada Negreiros”, explica Palmeirim Costa. A obra vai "revelar novidades muito importantes", nomeadamente, "uma espécie de primeira linguagem geométrica do artista" sobre o políptico.
Devido ao estado de degradação progressiva, chegou às mãos dos especialistas em restauro num emaranhado de fios caídos, que foi preciso analisar atentamente e perceber como tinham sido traçados e unidos. Os fios em 11 cores diferentes foram colocados cuidadosamente por Almada Negreiros numa constelação de quadrados, pentágonos, polígonos, hexágonos e retas.
No centro da peça, onde colocou as fotografias dos painéis, sobressai aquilo a que os especialistas chamam "o diamante", devido às múltiplas facetas geométricas que apresenta. "Temos muitos pentágonos, hexágonos, figuras regulares trabalhadas em fio de algodão, num caso único que não se voltou a verificar no trabalho do Almada. Estamos perante um estudo que já tem características de uma obra de arte por direito próprio, pela sua complexidade, pelo trabalho laborioso que terá dado."
Rodrigo Antunes/Agência LUSA
Antes de entrar em restauro a peça foi desinfestada dos insetos que a atacavam, fotografada e analisada por especialistas de biologia, pintura, papel, têxteis e fotografia, explicou à LUSA a chefe de divisão do LJF, Gabriela Carvalho.
Ao longo da análise da obra no laboratório descobriu-se, por exemplo, que Almada “não trabalhou de certeza sozinho nesta peça, e os fios que usou eram os habitualmente usados para bordar”, revela Paula Monteiro, conservadora-restauradora de têxteis, que trabalha em conjunto com Luís Pedro e Elsa Lopes, conservadores da mesma área (uma conclusão que por certo aponta para a íntima colaboração com a pintora Sarah Affonso, esposa do artista, sugere MACHINA).
"Tivemos de tomar várias decisões, em conjunto, em particular em relação ao estado de degradação dos fios e dos arames que os prendiam. Era preciso decidir se íamos conservar os fios ou substituí-los, porque o objetivo principal era preservar a obra no seu original, e também a ideia do Almada Negreiros", explica, adiantando que a escolha recaiu na segunda opção.
Em seguida, depararam-se com outro grande desafio, descobrir como colocar os fios com a orientação certa: "Chegámos agora quase ao fim, porque já conseguimos substituir praticamente todos os fios e salvaguardar a ideia do Almada. Só nos falta fazer a passagem do fio azul central, que justifica o porquê dos dois painéis maiores ao centro e depois fazer a tensão das linhas", diz Paula Monteiro, referindo-se ao “diamante”. "Quase que fizemos uma desconstrução da composição para depois voltar a construí-la."
A equipa, cujo trabalho continua, conta ainda com Ana Maria Fernandes, conservadora-restauradora de papel, Mercês Lorena, conservadora-restauradora de pintura, e, no laboratório analítico, a bióloga Lilia Esteves, aos quais se junta, do laboratório fotográfico, o fotógrafo Luís Piorro. M