A informação pode soar estranha aos iniciantes em Genealogia no Brasil e, especialmente, a um estrangeiro. No entanto, se você estiver investigando as raízes de famílias luso-brasileiras, ao pesquisar sua árvore familiar, não corra atrás de sobrenomes. Corra atrás de documentos.
Uma pessoa podia assumir o nome do avô materno, ao invés do sobrenome do pai (avô paterno) ou usar o apelido de família da mãe da mãe — a avó materna. E até usar o nome de um padrinho... que podia nem ser da família.
Descubra aqui porque é bem complexo fazer Genealogia no Brasil!
Diferentemente de outros países, os sobrenomes nas famílias do Brasil podem não ser iguais mesmo entre dois irmãos. Ainda que sejam filhos do mesmo pai e da mesma mãe! Isso vale também para Portugal.
Isso porque não havia norma compulsória para registros dos filhos no Brasil até 1939, com o decreto 4857/1939 que regulamentou o que estava previsto na Constituição de 1889!
Em Portugal a lei dos registos civis é de 1911, regulamentada imediatamente após a República em 1910.
Até 1939 no Brasil não havia nenhuma norma ou padrão para registrar civilmente uma criança nascida em território brasileiro. O mesmo vale para Portugal até 1911. Confira!
→ Brasil: decreto 4.857 de 9 de novembro de 1939.
→ Portugal: decreto de 18 de fevereiro de 1911.
As pessoas podiam ser registradas com nome e sobrenome. Mas a maioria — eu diria 80% dos registros entre a proclamação da República e 1939 — as pessoas eram registradas apenas com seu prenome. Por que? Porque os cartórios seguiam o padrão da Igreja Católica, o único padrão que existia desde 1563, quando o Concílio de Trento determinou que todos os dados vitais dos católicos tinham de ser registrados em grandes cadernos (chamados "livros") próprios para tal fim.
É por isso que o assento de batismo de uma Maria de Lourdes muitas vezes estará Maria de Lourdes no cartório e apenas Maria no registro da Igreja. No caso de uma tia-avó nascida em 1898 está o oposto. No cartório, ela é apenas Maria, na Igreja foi batizada Maria José. Em todos seus documentos posteriores ela está como Maria José.
Pode estar também escrito Maria de Lourdes, e às vezes Maria de Lurdes — afinal, nem sempre o escrivão sabia que Lourdes é o nome de uma cidade da França... E o registro do Luiz Carlos (porque se escrevia Luís com z à época) pode constar apenas como Luiz.
Essa é a mesma razão pela qual o seu tio-avô Roberto não tem o mesmo sobrenome que o irmão dele. Os sobrenomes (ou apelidos de família) eram dados quando a criança entrava na escola. As que iam para a escola!
Se os pais fossem gente informada seguiriam a norma padrão desde a República e informariam à diretora da escola que o menino se chamava por exemplo Roberto Alves Barros, sendo Alves o sobrenome do pai da mãe do Roberto, e Barros último sobrenome do avô paterno do Roberto. Nesta ordem. Como era costume no Brasil desde a República.
Mas também podia dar só o sobrenome do pai. Se a família não soubesse, as diretoras das escolas, geralmente senhoras sensatas, davam o sobrenome conforme o padrão geral. Mas se a diretora fosse preguiçosa, nem tão sensata ou delegasse esse serviço a alguém com menos vivência, ficava lá na escola o nome que ficasse.
Anterior a essa época, ainda no século XIX, as pessoas utilizavam o sobrenome que quisessem, do pai ou da mãe. Até do avô materno ou do paterno. O que fosse conveniente. Podiam escolher até usar o sobrenome do padrinho! E geralmente escolhia-se o apelido da família mais rica, mais importante ou mais poderosa. O que fosse de melhor proveito.
E nada disso era legal ou ilegal, certo ou errado. Tudo era válido.
Embora a Vovó Iolanda tenha escrito o nome dela a vida inteira com I, ela está registrada com Y. O bisavô Walter virou Válter e a Vovó Teresa, que assinou sempre assim, numa linda letra de professora, na verdade está registrada Thereza. E o Moacir estava lá no registro? Moacyr.
E por que isso? Porque o Formulário Ortográfico de 1943 foi oficial no Brasil. Ele derrubou o K, Y, Z. Todo mundo que já estudava ou trabalhava (em especial no serviço público) «atualizou» seu nome. Jacy, Lucy e Sylvio «viraram» Jaci, Luci e Sílvio. Izabel virou Isabel. E a Thereza "oficializou" seu nome para Teresa. Assim como Válter, Iolanda, Moacir etc.
E o João Carvalho Paraguassu? Ele pode ter mudado seu nome para Paraguaçu. Ou não! Pela mesma razão que as pessoas não sabem até hoje se deveriam escrever Paissandu ou Paiçandu.
O "certo" é com ç e sem acento: Paiçandu. No entanto, na maioria dos lugares você vê escrito Paissandú. Ainda com um ridículo e despropositado acento numa oxítona terminada em "u". Pelas regras da atual gramática deveria ser Paiçandu. Mas há quem ainda escreva Paissandu.
E por que Mogi Guaçu (SP) é com G e Toco do Moji (MG) é com J? A Mogi Guaçu, a Mirim, a das Cruzes e qualquer outra deveriam ser com "j", pelas regras da gramática, mas isso indigna os moradores das velhas cidades fundadas ao tempo em que éramos colônia dr Portugal.
Mojimirim ou Mogi Mirim? Ficou Mogi Mirim e Mogi Guaçu porque essas cidades, por seus vereadores, escolheram continuar como eram... o Mogi com G.
Como última curiosidade, a lei 4857/1939 que criou um padrão para colocar sobrenome no registro civil nem passou pelo Congresso na primeira vez.
Foi um decreto do presidente-ditador Getúlio Vargas! Um decreto que virou lei. Estávamos sob a Ditadura do Estado Novo.
O Congresso não legislava nunca sobre o assunto desde o Código Civil de 1916. Ia enrolando. O Getúlio baixou um decreto, e pronto! O de número 4.857 datado de 9 de novembro de 1939.
No artigo 68 desse decreto que se estabelece especificar no assento de nascimento: o dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, sendo possível determiná-la, ou aproximada; o sexo e a cor do recém-nascido; o fato de ser gêmeo, quando assim tiver acontecido; a declaração de ser legítimo, ilegítimo ou exposto; o nome e o prenome, que forem postos à criança; a declaração de que nasceu morta ou morreu no ato ou logo depois do parto; a ordem de filiação de outros irmãos do mesmo prenome que existirem ou tiverem existido; os nomes e prenomes, a naturalidade, a profissão dos pais; o lugar e cartório onde casaram e a sua residência atual; os nomes e prenomes de seus avós paternos e maternos; os nomes e os prenomes, a profissão e a residência das duas testemunhas do assento. Veja que o nome está em quinto lugar!
Veja este exemplo.
O nome da esposa está grafado de forma "esquisita". Nunca se escreveu Isabel com "Y". Os sobrenomes são prá lá de comuns. Os nomes próprios, Isabel e Albino, idem. E ainda não tem lugar nem o nome da criança. Não é possível também verificar o registro. Logo, NÃO SE PODE anexar esse registro como fonte para esta Isabel e este Albino!
Quando pesquisar no Family Search, My Heritage, Geni, Geneanet, Ancestry ou qualquer outra plataforma de genealogia, lembre-se, por favor, de que:
Pode (e deve!) haver mais de uma pessoa com o mesmo nome nos registros, na mesma época. São pessoas homônimas. Se a sua avó se chamava, por exemplo Cândida Rodrigues, por misericórdia, não ache que sua avó é a primeira Cândida Rodrigues que vai aparecer! Numa pesquisa no Family Search (2020) havia 456.400 Cândidas Rodrigues e suas variações possíveis. Na segunda vez, quando revistei esse artigo (novembro de 2022) havia 2.147.103. Sim! Dois milhões e cento e quarenta e sete mil e cento e três Cândidas Rodrigues e suas variantes Em novembro de 2023 eram 2.300.642 resultados.
Você tem que filtrar (mental ou analiticamente) por época. Você não pode ter uma avó Cândida Rodrigues nascida em 1880. Essa deve a data de nascimento da sua bisavó ou trisavó!
Você tem que filtrar por lugar! Sua avó Cândida Rodrigues nasceu, morou ou morreu em Ludlow, Hampden, Massachusetts, United States? Preste atenção nas informações de lugares!
As melhores fontes para os dados vitais são as certidões de nascimento, casamento(s) e óbito de uma pessoa. Mas atenção: seja no século XVII, seja no XXI, uma pessoa só nasce e morre uma única vez. Mas ela pode se casar várias!!!
Contudo, cuidado com os registros de óbito. A experiência em pesquisa genealógica mostra que as informações contidas nos registros de óbito são só um pouco confiáveis. Por que? Porque muitas vezes quem faz a declaração não é um membro da família.
Um amigo ou um vizinho se oferece para ir ao cartório, a fim de "poupar a família da dor". Todavia, esse amigo não tem informações suficientes e nem sabe verificar se as informações que o escrivão estava lançando correspondia à verdade.
Resultado: o "poupar da dor" gera dores de cabeças reais para os sobreviventes. Não são poucos os casos em que se teve de recorrer à Justiça para retificar os registros de óbito.
Ainda em relação a registros de casamento e de óbito: mudanças de nomes podem ter sido feitas; abreviaturas, ou apelidos podem ter sido usados por seus antepassados, então preste atenção a outros nomes (dos pais, cônjuges, irmãos, filhos, etc.) para confirmar se você encontrou o registro da pessoa certa.
Registros militares, religiosos, profissionais e censos (quando os há) são bons complementos para verificar as informações vitais, mas é sempre melhor encontrar os registros de nascimento / batismo, casamento e óbito de seu ancestral para saber ao certo as datas e os locais de cada evento, além dos graus de parentesco.
Enfim, pelo amor de Deus, pare de anexar documentos de pessoas que não são da sua família.
Aplique a suposição genealógica
Se você não souber a data de nascimento do seu ancestral, faça uma estimativa. Repita esse processo para cada antepassado que está sem nenhuma data de referência. Isso se chama suposição genealógica.
Não deixe as datas em branco na sua árvore construída em plataformas na internet (Family Search, My Heritage, Geni e outros) a fim de ajudar o sistema, ou seja, a inteligência artificial, a encontrar seu antepassado. Escreva uma data próxima da que você acha que a pessoa nasce com o advérbio "aproximadamente". Por exemplo: "aproximadamente 1890". Em inglês, usa-se o latim circa (cerca).
Na suposição genealógica, usa-se a idade de 25 anos para o casamento de um homem e de 20 anos para mulheres.
Para a suposição genealógica, calcule 2 anos de diferença entre cada filho.
Se você sabe que a criança mais velha nasceu em 1864, por exemplo, indique que o casamento daquele casal foi "aproximadamente 1863".
Conforme for achando os documentos, você constatará que acertou 95% dos casos.
O que devo fazer quando encontro um registro
A primeira coisa é verificar que se trata da mesma pessoa! Lembre-se que temos muitos homônimos que podem confundir pela coincidência de nomes. Compare, a fim de não anexar documento de um homônimo.
→ Nomes dos pais e dos parentes (avós, cônjuges, sogros, a depender do tipo de registro)
→ Locais (cidade, distrito, igreja)
→ Datas (você pode estar anexando um documento século XVIII de uma pessoa nascida no XIX! Cuidado!)
Ao encontrar o registro de batismo, faça outra estimativa (suposição genealógica) e tente localizar o registro de casamento. Ou vice-versa
Use o nome dos pais para localizar todos os filhos ao folhear um livro de assentos. Folhear e ler os livros encontrados é essencial para prosseguir na sua pesquisa.
Continue a pesquisar os índices e registros de casamento, a fim de identificar filhos, irmãos, pais e outros parentes da noiva e do noivo que podem ter se casado no mesmo local ou nas proximidades. Isso pode ajudá-lo a identificar outras gerações de sua família, ou mesmo um segundo casamento de uma pessoa. Repita esse processo para cada nova geração que você identificar.
Tente identificar filhos, irmãos, pais e outros parentes da mesma família que possam ter vivido naquela localidade, ou em uma área próxima.
Quando estiver procurando por um nome muito comum, olhe todas as outras informações disponíveis a respeito da pessoa antes de confirmar ser mesmo a pessoa que você está pesquisando.
Faça uma lista dos casamentos (casais) de pessoas da sua árvore que compartilham o mesmo sobrenome, especialmente se ele for bastante comum. Essa lista ajuda muito na hora de comparar.
É incrível como muitas vezes lemos as informações, as temos, e não as utilizamos. Passados meses, às vezes anos, surpreendemo-nos como aquela informação estava lá o tempo todo.
Então, atente!
Em primeiro,lugar: LEIA o documento encontrado. Leia você mesmo, com seus olhos e seu cérebro, a fim de saber quais informações estão disponíveis.
É inacreditável como as pessoas confiam apenas no que foi indexado ou na informação dos outros. Deve ser por isso que tantos acreditam em fake news!
LEIA o documento na íntegra. Anote as informações novas. Transcreva-as para a árvore. Os documentos estão plenos de informações desprezadas.
Um registro de casamento por exemplo, costuma trazer nome completo de solteiro, local e data de nascimento de ambos os noivos, nome completo e local de nascimento dos pais de ambos os noivos. Um registro de casamento da Igreja Católica em Portugal costumava trazer até o nome completo e local de nascimento e residência dos avós paternos e maternos do noivo e da noiva!
Se tiver dificuldade em ler paleografia (letra antiga), peça ajuda nos grupos e fóruns. Contrate alguém que saiba. Não chute!
Anexe o documento encontrado ou inserido por você às pessoas a que ele se refere. Genealogia sem documentação é Mitologia.
A data e o local do casamento podem servir de base para a elaboração de um novo grupo familiar ou para a verificação de informações já existentes.
As datas de nascimento (ou idades), juntamente com o local de ONDE cada cônjuge veio ao mundo podem ajudar a encontrar os registros de nascimento de um casal e os nomes dos respectivos pais.
O local e os nomes dos pais ajudam a localizar registros da igreja que eles frequentavam, pois assentos de casamento religiosos dos países católicos informavam geralmente o local de origem dos pais dos noivos.
Use os locais de nascimento dos pais para encontrar antigas residências e estabelecer um padrão de migração para a família.
Observe o estado civil (se um casamento foi dissolvido por divórcio ou falecimento) para identificar casamentos anteriores. Sim, muitas vezes casamentos eram anulados ou dissolvidos (divórcio) por diversas razões previstas do Código de Direito Canônico da Igreja Católica Romana.
Observe o nome das testemunhas. Muitas vezes as testemunhas eram parentes dos pais.
Veja este exemplo
A «noiva» deste casamento foi batizada apenas como «Maria» casou-se como «Maria da Anunciação». Se fosse hoje, chamar-se-ia «Maria da Anunciação Pereira Teixeira». (Pereira da mãe, Teixeira do pai. Aqui no Brasil ou em outro país lusófono.) Tirou passaporte em Portugal em 1894 e entrou no Brasil como imigrante com o nome de «Maria José Rodrigues» e aqui morreu chamando-se Maria José Rodrigues, com o sobrenome apenas do marido.
— Eu sou Mello com dois eles — disse o arrogante chefe para a sua colega de trabalho. — Os meus Mello são uma importante família do Rio de Janeiro.
— Eu sou Melo com um L, gente de Pernambuco — retrucou a moça, sem outras explicações.
Você certamente já ouviu um diálogo semelhante. Sendo gente dizendo que era Mello com dois L, Mattos ou Motta com dois T, Sousa com Z e não com S, Correia e não Correa. Ou Corrêa. E por aí vai.
Esse diálogo acima, eu o presenciei. A moça muito simpática e cordial. O sujeito era rempli de soi-même — como dizia minha avó, ou «se achava» como dizem minhas filhas. Em suma, um cara muito convencido de si. Adorava arrotar que era de família muito importante, porque era Mello com dois "eles".
Também já atendi pessoas angustiadas com sua própria árvore. "Mas meu pai é Mota com um T só, e o pai dele era com dois. Será que meu pai era bastardo?"
Todos estão errados. Como já foi explicado, não havia «norma padrão» para a língua portuguesa. Este é um conceito desenvolvido no fim do século XIX e começou a se popularizar mesmo depois da segunda metade do século XX. Conceito complicado, mas apoiado na Gramática vigente. Ora, se é «vigente», está sujeito a mudanças. E foi o que aconteceu.
Os padres escreventes de assentos de batismo, os cartorários e escrivães de registros de nascimento, casamento e morte escreviam «de ouvido», ou seja, cada um escrevia os nomes conforme ouvia. Por isso você encontrará Zanin, Zanini, Zannini, Zaninni, Zanine. Ou Shuz, Schutz, Shcultz, Schulz, Schults...
Uma déca depois das primeiras grandes levas de imigração, todos os escrivães de repente não podiam ser versados em italiano, espanhol, alemão, ucraniano, polonês, russo, árabe e japonês...
Mal e mal havia uma norma em português!
Por isso, tanto faz se você é Mota ou Motta, Mello ou Melo, Mattos ou Matos, Bizerra ou Bezerra, Cavalcante ou Cavalcanti! No fundo é o mesmo sobrenome.
Em tempo: na história que contei acima, a moça era, sim, de uma família de Pernambuco: a família Cabral de Mello. Desta família fazem parte o poeta maior e diplomata João Cabral de Melo Neto e o famoso historiador Evaldo Cabral de Mello, o diplomata João Maurício Cabral de Mello, o musicista Fernando Cabral de Mello, o advogado Claudio Cabral de Melo. São primos de Gilberto Freyre e de Manuel Bandeira. Citando só de memória.
Então, se a definição de «importante família» é aquela que deu muitas contribuições a seu País, a família da moça — de quem não vou citar o nome — é muitíssimo importante.