7 Mitos Genealógicos

7 Mitos das Histórias de Famílias

Tenha cuidado ao seguir lendas que podem levar a um beco sem saída

por Maria Fernanda Guimarães
jornalista • genealogista


A maioria das famílias possui histórias, causos e lembranças transmitidas de geração em geração. Essas tradições familiares podem fornecer muitas pistas para continuar a sua pesquisa genealógica, mas é preciso abordá-las com mente aberta e crítica. Só porque o seu bisavô dizia tal ou qual fato aconteceu, isso não é verdade absoluta.


Para ser bem-sucedido na busca de seus antepassados, é melhor você encarar essas «estórias» de família com o olhar frio e cético de um repórter investigativo. Lendas podem ajudar a você a descobrir um fato real ou conduzir à paralisia da sua pesquisa.

Muito cuidado! Isso porque nós, historiadores da família, temos o costume de nos apegarmos a essas histórias como crianças a seus brinquedos favoritos.

Mente aberta e crítica significa interiorizar a informação: «É uma pista! Pode ser verdade… ou não!»

Veja agora quais são os 7 mitos mais comuns no Brasil.

Os 7 Mitos Genealógicos mais comuns no Brasil

  1. Sobrenomes de árvore, de lugares, animais, ofícios e ferramentas são indicativas que a pessoa descende de judeus convertidos à força (anussim): o mito do «sobrenome de judeu» é o mais persistente no Brasil.

  2. A «ancestral índia pega a laço»: agressão sexual, muitas vezes interpretado — acredite!— como «mito de romantismo».

  3. «Sobrenome de santo é de gente bastarda». Sobrenome devocional — de santo ou de cunho religioso — é sinal de que o ancestral era ilegítimo: «mito do vínculo rompido» ou «mito da bastardia»

  4. A ancestral aristocrática ou rica que fugiu com o cavalariço: «mito da fortuna perdida»

  5. A partilha de um sobrenome em comum: «o mito da reivindicação à fama»

  6. O imigrante clandestino em navio: «mito da perda do ramo genealógico»

  7. O achamento de uma genealogia prontinha na Internet (ou num livro): esse fenômeno tem duas vertentes, a primeira é que nessas "genealogias prontas", há sempre alguns nobres, criando o «mito dos brasonados» e a segunda vertente não é exatamente um mito, mas com as pesquisas online acabou se tornando um autoengano. É a «lei do menor esforço» causando verdadeiros desastres.



Por que existem esses mitos nas famílias?

É importante compreender que histórias sobre antepassados famosos, ou infames, heróis de guerra, alteração do sobrenome da família podem, provavelmente, revelar suas raízes, mas não com "aquela verdade". Seu trabalho como genealogista é justamente separar os fatos da ficção.

Muitas das narrativas das famílias ganharam enfeites românticos, idealizados e heroicos ao longo do tempo. Seja para dar uma "lustrada" nos sobrenomes, seja para romantizar vidas difíceis, seja para criar importância a pessoas com vidas comuns. Como é a da maioria!

Justamente por isso são mitos, ou seja: fatos, coisas ou pessoas que não existem, mas que se supõem reais.

Esses mitos de genealog existem em todos os lugares do mundo!


Além disso, por razões culturais, existem alguns mitos que se repetem em famílias diferentes entre si. Os mitos genealógicos possuem um arraigamento quase geográfico. Alguns são persistentes em países de língua portuguesa, outros nos de fala hispânica e uns terceiros entre os de idioma inglês. E há os mitos franceses e alemães.


Importante saber que nos países da América e da Oceania há mais mitos do que na Europa. Fenômeno perfeitamente explicável pela grande presença de imigrantes nos novos mundos que desejavam de alguma maneira “dar um polimento” em seus nomes de família.

Quando se dá crédito total a essas lendas, costuma-se cair no que os genealogistas chamam "fim de linha" ou "beco": aquele ancestral do qual não se consegue saber mais nada. Consequência óbvia: se é um mito, você não vai mesmo descobrir mais nada.

Vamos desarmar aqui, uma por uma, essas arapucas

Se não se sentir convencido, entre nas subpáginas de cada um dos temas abordados, onde está escrito SAIBA MAIS.
E entenda melhor porque são «mitos», pois fazemos uma exposição para ajudar você a pesquisar se a história da sua família proede ou não procede ou não!

1. Mito do sobrenome judeu

«Todos os sobrenomes que falam de árvores, animais, ferramentas, cidades e profissões têm origem em famílias de judeus convertidos à força: os cristãos-novos, ou marranos.»

Esse é o mito mais persistente. Não é verdade e não tem amparo em nenhuma historiografia! Você acha que descende de um judeu?

Você acha que descende de criptojudeus ou de anussim porque:

a. Tem um "sobrenome judeu"?

b. Sua família vem de uma região onde historicamente (nos séculos passados) estabeleceram-se muitos cristão-novos ou criptojudeus fugindo da Inquisição?

c. sua família mantém "hábitos religiosos dos judeus"?

Saiba que não existe um sobrenome judeu no mundo ibérico. Quando convertidos à força, os judeus sefarditas adotaram qualquer sobrenome em língua espanhola ou portuguesa.

Por favor, leia com muita atenção o que dizem os historiadores sérios e os pesquisadores credenciados sobre o assunto.
SAIBA MAIS

Sua bisavó ou sua trisavó foi uma «índiapega a laço»?

2. Mito da ancestral 'pega à laço' ou Mito erótico-romântico

Não há idosa brasileira que não adorava contar aos netos e bisnetos, revirando os olhos e com um suspiro romântico: «Minha avó era uma «índia pega a laço". Meu avô, que era vaqueiro (ou fazendeiro, ou tropeiro) se apaixonou à primeira vista, raptou-a e levou a índia, que era lindíssima, com ele».

Esse mito está presente em muitas famílias. Está também na sua? É um mito complexo com muitas camadas de entendimento. SAIBA MAIS

3. Mito do sobrenome religioso ou Mito da Bastardia

«Do lado do meu pai, um bisavô se chamava José Antônio dos Santos e do lado de minha mãe, uma trisavó tinha o sobrenome da Anunciação. Sabe, eles tinham esses sobrenomes religiosos porque foram abandonados.»

Será que essa história que muita gente fala é verdade? As pessoas que têm como sobrenomes "Santos", "Conceição", "Anunciação" e outros apelidos de família devocionais são mesmo descendentes de pessoas

Sua ancestral nobre fugiu com o cavalariço?

4. Mito da fortuna perdida ou Mito da ancestral nobre

«Minha bisavó (ou trisavó) era nobre na Itália (ou Espanha, Alemanha, Polônia ou...), mas fugiu com o cavalariço. Ela foi deserdada e nós perdemos toda a fortuna e o direito ao título.»

O mito da ancestral nobre que fugiu com o cavalariço é tão recorrente em famílias descendentes de imigrantes europeus que parece uma ladainha.

Muitos genealogistas são procurados por essas pessoas que querem achar sua ancestral nobre para reivindicar uma herança que lhe foi espoliada.

É sempre uma baronesa, ou condessa e às vezes até duquesa que fugiu com o cavalariço. É uma romântica história de amor com final trágico: a família deserdou a pobre moça. Então o casal, miserável e apaixonado veio fugido para o Brasil, onde viveriam felizes para sempre. SAIBA MAIS

Você é parente de muitos famosos?

5. Mito do sobrenome igual ou Mito da reivindicação à fama

O Pelé é Arantes do Nascimento. Eu sou do Nascimento. E de Minas, como ele! Somos parentes, sabia? OU "Se o Fernando Henrique é Cardoso e eu também, somos parentes". OU: "Se o Roberto Carlos é Braga é minha avó em solteira é Braga, devemos ser parentes”. OU: Becker é nome de nobre na Alemanha. O goleiro Alisson Becker e eu somos parentes"

Esse simplismo chega a causar pena. O fato de compartilharmos o mesmo sobrenome não quer dizer absolutamente nada!



Você não acha os documentos porque seu ancestral veio clandestino?

6. Mito do clandestino ou Mito do aventureiro

“Tenho um ancestral que veio para o Brasil como clandestino num navio. Ele fugiu por razões políticas. (Ou para escapar de uma vingança, ou porque sua família devia dinheiro....) Por isso não encontro seus documentos nem o registro da entrada.”

Genealogistas de toda a América ouvem essa história com muita reticência. Ele trata da saída de seus ancestrais da Europa não por meio de tratados de imigração ou compra particular de passagens, mas como uma venturosa viagem como clandestino em navios.


É possível que alguns raríssimos casos sejam verdadeiros, como já destacou o historiador Henrique Trindade, do Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Mas não todos os casos que as pessoas contam.

De qualquer forma, entre 1820 e 1975, segundo o IBGE, o Brasil recebeu quase 5,7 milhões de imigrantes. Talvez os clandestinos não cheguem a uma dúzia, se pesquisados todos os registros de imigrantes — apontam os pesquisadores especializados em imigração.

Nas páginas de discussão em genealogia nas redes sociais, você certamente já constatou quase uma centena de pessoas contando que seu ancestral veio de maneira clandestina. Certamente que não!

Documentos se perderam, fatos foram escondidos, e eventos esquecidos.

Então, para compensar a falta de informação consistente, as famílias romantizam a lacuna. E aparece um grande número de "clandestinos" cuja narrativa se baseia na ignorância da história real. Outra ou quão particular e aventureiro pode ser contar a história da família dessa forma. SAIBA MAIS

Você achou uma genealogia em que você descende do Rei de Espanha ou até do Rei David?

7. Mito da Genealogia pronta ou Mito dos brasonados

“Encontrei num livro (ou num site) uma árvore na qual todos meus antepassados já estão lá, todos pesquisados. Todos são do Brasil e da Europa. Inclusive há uma rainha de Espanha e outro rei de França. Agora sei que tenho sangue nobre. Vou só 'enxertar' a árvore." OU "Ou Este cara (geralmente alguém célebre) é definitivamente meu ancestral, de acordo com essas 234 árvores online que eu achei. 'Entronquei' e agora minha árvore está completa." Cuidado! Isso pode ser uma falácia. ”.

Muito, muito, muito cuidado com a «genealogia prontinha» que você achou na Internet.

Saibas que genealogias prontinhas — geralmente tudo sem documento ou referência que comprove nada — é tudo "de ouvir dizer", "de ouvir falar". Isso sem contar quem copia livros de genealogia até famosos porém de há muito já cheio de adendos e correções. E outras publicações.

Não é porque foi publicado que está correto. Não é porque está na Internet que está valendo!

Lembre-se que a internet tem recursos maravilhosos mas um defeito horroroso: ela multiplica os plágios e eleva a enésima potência as informações erradas. SAIBA MAIS

O objetivo do pesquisador é desmistificar lendas. Veja como.

Desarmamos os mitos das sua família?

Como recomendação final, fica o aviso. Aproxime-se sim de causos, mitos e tradições familiares. Mas faça-o com a mente aberta de um pesquisador científico, o ceticismo de um ateu, a desconfiança de um repórter, a curiosidade de um detetive.

Investigue cuidadosamente os fatos por si mesmos. Busque em listas, internet, museus, cartórios, cemitérios, grupos de discussão no Facebook, sites como Family Search, My Heritage, Ancestry, Geni, etc. Consulte mapas e livros de História.

Se você for incapaz de provar ou refutar a lenda da família, ainda é possível incluí-la numa história familiar. Todavia, lembre-se de diferenciar — por escrito — que é verdade apurada e/ou documentada do que é tradição oral.

Ou seja: diferencie sempre o que está autenticado por fontes seguras daquilo que é não comprovado — e anote como você chegou a suas conclusões.

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