Televisão

Boa parte da história das mentalidades do século XX e do início do XXI está marcada pela omnipresença televisiva, tanto a nível individual, como da colectividade. A história da televisão, as estórias que ela nos contou, as suas boas e as más memórias, constituem um património individual e colectivo. A televisão não esgota o seu impacto com o final das emissões. Era, e ainda é, filão de outros meios de comunicação, nomeadamente, a Imprensa, a Rádio, bem como para conversas inesgotáveis ao telefone, à mesa de café, na secretária dos empregos e nos momentos de convívio de alguns segmentos sociais. O seu efeito aglutinador é um facto digno de relevo e este foi sobretudo evidente em países como o nosso, que durante largas décadas viveram dispondo apenas de um ou dois canais estatais, sendo que a emissão do canal principal monopolizava as atenções gerais.

A análise de todas as boas e más consequências económicas, sociais, culturais e políticas decorrentes da massificação televisiva é complexa. De uma forma impressiva todos sentimos o impacto daquela pequena janela aberta para o mundo, que num dado momento da sua existência, rasgou horizontes, modificou hábitos, alterou a organização familiar, impôs padrões de consumo, e em alguns casos, reformulou ideários políticos, religiosos e culturais. Hoje, a desmultiplicação da oferta televisiva pulverizou audiências. Com a irrupção dos canais temáticos no cabo e no satélite os espectadores segmentaram interesses e o zapping, que chegou ao nosso país com muitos anos de atraso, põe os nervos em franja às agências de publicidade mais sensíveis à saúde económica dos seus clientes.

As mudanças imprevistas de canal por parte da maioria dos espectadores dos canais generalistas são um dos sintomas da incapacidade do mass media em fidelizar audiências. Na maioria dos casos os espectadores mudam de canal não apenas por falta de qualidade dos programas. Os intervalos publicitários, impostos à margem da legislação em vigor, são longos períodos de ruptura ditada exclusivamente pela guerra de audiências. A carga publicitária é tão intensa que o ruído destas mensagens se sobrepõe aos conteúdos que elas veiculam. O zapping é, em muitos casos, uma forma de fuga ao massacre do - «compre!», «veja!», «experimente!», «vá!» - formas invariavelmente imperativas de acções apelando ao consumo. As desgastantes ordens consumistas que a publicidade impõe têm um impacto mais forte nas camadas de população de menores recursos económicos. Os dramas individuais que aí se geram radicam no abismo entre a dureza do quotidiano e o sonho feito imagem dourada que entra pela "janela do feitiço": por um lado a pobreza confronta-se diariamente com questões vitais de sobrevivência; simultaneamente, a televisão injecta-lhes em casa mensagens publicitárias fascinantes, imagens que veiculam o luxo, a beleza, a felicidade, o bem-estar e o prazer prometido pelos bens publicitados, que a maioria dos portugueses não poderá adquirir, atendendo ao seu baixo poder de compra. O abismo entre a realidade da pobreza circundante e o esplendor da imagem estonteante é um detonador dramático socialmente explosivo.

Os largos fluxos publicitários que todos os canais veiculam são ainda uma manifestação evidente de grande fragilidade económica das estações emissoras de televisão. Ao disputarem entre si um mercado assente sobre uma economia débil, as estações emissoras descem as taxas do minuto publicitário para verbas concorrenciais minimalistas. Daí a necessidade de esticar os períodos dedicados aos anúncios de uma forma tão extensa que há quem afirme (e com razão) que certos canais são essencialmente grandes difusoras de anúncios, que ainda apresentam alguns programas pelo meio.

O ciclo vicioso a que se chegou no final do século passado e no e na primeira década deste século só muito dificilmente será quebrado. A lógica económico-financeira dos mass media, os seus altíssimos preços de manutenção dão razão ao ditado popular que afirma que «quanto mais alto se sobe, maior é a queda», a menos que se acredite que o "casino" vespertino que todas as televisões generalistas promovem, adicionado a programas estilo "casa de meninas" com muitos ou poucos segredos possam definir qualquer hipótese de futuro digno para os mass media do século XXI.