Cd-i sobre Lisboa: sistema de interfaces

A produção da interface gráfica do disco de Lisboa foi um processo longo, que sofreu uma evolução significativa, desde a sua génese até à definição da versão final. Os modelos que sucessivamente foram sendo experimentados corresponderam a aproximações ergonómicas progressivas. A preocupação fundamental foi a da criação de um ambiente gráfico que tivesse fundamentação artística no "clima" da cidade e possuísse uma coerência e uma sofisticação harmónica nas diversas ramificações da arborescência. Hoje, muitos anos volvidos sobre o processo de conceptualização, existem reticências quanto ao modelo de interface, dado que a rápida evolução de conceitos e processos operacionais correspondeu a um aperfeiçoamento dos saberes multimediáticos. Enjeita-se, porém, o radicalismo dos que consideram a interface gráfica do disco de Lisboa como produto "arqueológico" condenado a ser catalogado, arquivado e olvidado.

Pessoalmente este modelo de interface representa um marco, ponto de partida de um processo criativo que tem um longo percurso a percorrer tanto nos caminhos da investigação teórica, como da sua aplicabilidade. E se tanto o modelo interactivo como a sua interface gráfica estão claramente datados, eles servem como marco de referência no processo de ensino/aprendizagem entretanto encetado. A interface do disco de Lisboa demonstrou a sua eficácia nos múltiplos testes realizados no decorrer dos últimos anos. Foi demonstrado que ela cumpriu a sua vocação fundamental: é fácil, possui um manuseio intuitivo e não complica a navegação pela massa de informação nem ao utilizador menos experiente, muito embora ainda não integre novos conceitos. Na definição do design do disco existiu a preocupação de respeitar as regras dos guias de estilo existentes na época. Princípios como a coerência visual entre menus e sub-menus, coerência cromática na sucessão de imagens, fluidez nas sequências audiovisuais de imagem fixa, relação síncrona entre texto de locução e imagem foram respeitados com rigor. Creio que o respeito pelas regras consignadas num manual de retórica é importante mesmo quando (ou sobretudo se) após o domínio da estilística e da retórica existe a intenção deliberada de criar um estilo próprio.

Serve esta afirmação de princípio como introdução à "estória" breve da interface gráfica do disco de Lisboa: inicialmente foi solicitado ao desenhador gráfico que criasse um modelo de interface assente num dada visualização da Praça do Terreiro do Paço. Pareceu-nos que a chamada "sala de visitas" da capital seria o ponto ideal para convidar o utilizador a entrar no menu principal para partir daí à descoberta da cidade. Pretendia-se que o arco da rua Augusta servisse como opção primeira do menu principal mas dado que este arco só comportava uma opção e o sistema interactivo impunha quatro, optou-se por recriar a configuração da Praça sem a desfigurar. Foi decidido cenografar o espaço de um modo tão teatralizado, que rapidamente se chegou a uma recriação do Terreiro do Paço visto em perspectiva definida a partir do meio do rio, com um aumento significativo da dimensão das arcadas dos edifícios, o todo redecorado com bambolinas colocadas em primeiro plano na esquerda e direita baixa, como se de uma boca de cena se tratasse. A teatralização era o dominador comum de todo o sistema de interacções disponibilizado por aquele sistema de interface gráfica: os objectos que representavam as opções ou eram símbolos transparentes dos conceitos das sequências (ex. caso da vela com a cruz de Cristo para simbolizar a época dos descobrimentos), ou desenhos (em alguns casos aguarelas) representando os temas por que o utilizador poderia optar.

A intenção implícita a este projecto de interface partia das seguintes premissas: dado que o disco sobre Lisboa propõe um sistema de percursos interactivos em áreas escolhidas da cidade e proporciona meios para conhecer facetas significativas das actividades dos lisboetas, vamos convidar o utilizador a iniciar a "viagem" pela capital no ponto simbolicamente aceite como a sua "sala de visitas": o Terreiro do Paço.

A representação deste campo comum de acção tinha subjacente conceitos culturais caros ao inconsciente colectivo do nosso povo. De algum modo, o Cais das Colunas ainda tem peso específico na memória mítica da epopeia portuguesa dos Descobrimentos de que se comemoraram já os 500 anos. A perspectiva escolhida dava a ilusão de que se entrava na cidade a partir do rio, exactamente pelo Cais das Colunas. A teatralização do espaço do Terreiro, recorrendo a elementos cenográficos explícitos como as bambolinas que adornavam as partes laterais do écran e a criação de "adereços de cena" simbólicos como a cruz manuelina, indiciavam a intenção de aprofundar a estratégia da representação dramática das acções, fundindo-a em simultâneo com a enunciação da função dramatúrgica específica, dado que, por exemplo, a cruz manuelina servia como deítico da temática "Lisboa das Descobertas" a fim de que a relação entre continente (interface) e conteúdo (desenvolvimento audiovisual da sequência) não fosse arbitrária mas assentasse sobre uma motivação com peso específico dramatúrgico nas raízes culturais lisboetas e portuguesas.

Não consegui fazer prevalecer este modelo de interface gráfica que não foi adoptado em nome do respeito pelo guia de estilo escrito por Jim Hoekema e também em nome da coerência que era necessário existir entre as duas primeiras aplicações a incluir no catálogo City Portraits. Dado que o disco de Veneza estava a ser desenvolvido quase em simultâneo com o disco de Lisboa, e também porque os italianos tinham optado por uma interface gráfica assente num sistema janelas que continham as opções temáticas, Jim Hoekema optou por definir este denominador comum a todas as aplicações a incluir no catálogo, até porque, dizia, os utilizadores do CD-i estavam acostumados às interfaces com janelas, já nessa época comuns ao software que corria em PC's e em Macintosh. Decidiu-se então abandonar o projecto de interface teatralizada que algum tempo depois viria, na perspectiva teórica definida por Brenda Laurel, a revelar a sua modernidade.

A opção seguinte, que viria a fixar-se como definitiva, consistiu em procurar um leit motiv que funcionasse como emblema visual distintivo da cidade. Optámos pela azulejaria atendendo à sua qualidade, peso específico na história cultural e diversidade temática. O artista gráfico que connosco colaborou começou por investigar o tema a fim de poder recriar um conjunto de painéis de azulejos que serviram como fundo sobre as quais assentaram as janelas com as opções temáticas.

Os painéis apresentados nos menus do disco são uma criação original. A sua linha estilística variou em função da época que se está a tratar: assim, por exemplo, a Lisboa do passado tem um painel criado a partir dos elementos colhidos em painéis oitocentistas, enquanto a Lisboa da actualidade tem o seu painel de fundo recriado a partir de obras dos artistas do século XX que trabalharam esse material. Na passagem de um menu para um sub-menu, a interface gráfica mantém coerência visual, dado que a imagem de fundo do sub-menu continua a ser o mesmo painel de azulejos, mas tratado electronicamente de molde a gerar um efeito que mantém na memória do utilizador a imagem anterior. Esta coerência é importante porque fornece coordenadas de orientação na navegação que o utilizador faz pela massa de informação. Sistematizou-se este procedimento na passagem de um menu para um outro menos importante na ramificação arborescente a fim de salvaguardar a coerência visual adjuvante da navegação. O sistema de janelas comuns aos discos de Lisboa e de Veneza foi, no caso português, trabalhado como se de quadros se tratasse. Para tal, Nicolau Tudela pintou aguarelas com referências temáticas a cada um dos temas abordados no disco. As aguarelas foram depois electronicamente reduzidas de forma a serem encaixilhadas dentro das molduras das janelas. Assim, se humanizou a interface que creio ter ganho uma dimensão artística que a modelagem electrónica e a pintura por programa de computador retiram à interface gráfica do disco de Veneza.

O sistema de representações icónicas do modelo interactivo existente na barra de comandos, bem como o design gráfico do módulo da janela de textos também foi objecto de tratamento especial: procurou-se que tanto a barra de comandos, cuja funcionalidade interactiva já foi descrita, como a janela do módulo de textos tivessem um ambiente gráfico coerente com o tema que se estava a tratar. Escolheu-se o azul como cor de fundo, homenagem ao céu, ao Sol e ao Sul que Lisboa representa.

A excepção ao sistema de quadro encaixilhado na janela acontece no sistema de informação geo-referenciado. A interface deste módulo é diferente: optou-se por partir da miniaturização do mapa da cidade, incluso numa janela do menu principal, para se permitir uma navegação mapeada pelo espaço útil do écran. Existem zonas de escolha que permitem aproximações visuais progressivas a áreas específicas da cidade. No caso da área de Belém, dada a densidade de monumentos aí existente, desmultiplicou-se o sistema de aproximações visuais progressivas até se chegar ao(s) monumento(s) que se deseja(m) "visitar".

Optou-se por uma abordagem trigonométrica para desenhar os monumentos. A sua localização não tem rigor topográfico, muito embora exista a preocupação da precisão quanto à área e local em que se encontram situados. No desenho das áreas circundantes estilizou-se o procedimento gráfico anulando as zonas de casario, a fim de não prejudicar a leitura do mapa. Sabia-se de antemão que aquele mapa nunca iria ser utilizado como guia, apenas e tão só como indicador de localizações na área da malha urbana.

O conjunto de opções aqui descritas singularizou a interface gráfica do disco de Lisboa, quando cotejado com o de Veneza. E se as comparações entre dois objectos artísticos deverá ater-se apenas às suas marcas distintivas, não haverá dúvidas em afirmar que a individualização do disco sobre a nossa capital, mesmo com as condicionantes atrás referidas, está suficientemente caracterizada dentro do denominador comum do modelo definido para o catálogo City Portraits.

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