Por Mr. Tea (Thomas)
Enviado em: 25/11/2022
Parágrafo de contexto: O texto surgiu de uma atividade da disciplina de Letramentos: Teoria e Prática com a professora Regiane Pereira Reis. Todo mundo escreveu causos de assombração e leu durante a aula.
Antigamente juntava o povo tudo lá na minha vó de noite pra comer e contar as novidade quando chegava o Natal, e tinha vez que caía a conversa em causo de assombração e numas outra história meio difícil de acreditar. Sempre minha vó que começava, contando do meu vô – morto – que ela ouvia bater palma no portão de casa meia-noite, gritando ela; que a finada tia Maria, mulher do seu Pernambuco, falava que ela ouvia gente andando no corredor quando ela morava sozinha lá; ou que era só encher um copo de pinga e punhar no canto do quintal e pedir pro Neguinho do Pastorejo ajudar achar uma coisa que cê perdeu que ele achava e o copo amanhecia vazio. Lá na minha vó não tinha internet nem computador nem tevê, só um radinho, então, a melhor coisa que tinha pra fazer era ouvir o tio e a tia cantando e ouvir as conversa dos adulto. Toda vez era muito de noite e mandavam eu ir pra dentro dormir, mas um dia eu só fingi que entrei e fiquei escondido atrás dum murinho da varanda quieto. Aquela noite foi meu vô biso Sebastião que contou um causo antigo do sítio, bem devagarinho e fraquinho e parando pra respirar - ele já tinha oitenta e seis anos e ia morrer daqui a dois –, e todo mundo ficou quieto pra ver se entendia. Tudo que ele falava o meu pai falava que era mesmo, e até hoje ainda ele fala se você pergunta.
O vô biso contou que quando eu fui morá mais a Melinha no sítio do Germano em Bodoquena... o home falô preu vê o que qui era... que os cuiabano do casebrinho do rio lá tava quereno lá... aí eu fui lá, e quando eu cheguei a muié do Marrom... que era o pião lá, tava esperano no telhero no frio eu, e falou que num era a primeira vez não, sinhô, é Deus de um ano pra cá já, tem dia que de noite os cavalo acorda gritano, rinchano né, e acorda nóis tudo e quando nóis vai vê eles tão tudo amarrado as crina e o rabo um no otro, rinchano, duído. Marrom foi achá a índia véia que morava aqui que quando nóis chegô tava queimado o mato do quintal cas pedra amuntuada e o Marrom achô que era alguma macumba. Ele falô co Germano, mas ele tá cagano pra nóis, né. Daí eu fui ajudá a muié... desenganchá os cavalo... e no triero a muié falô: e não é isso só não, sinhô, o diabo do bicho já jogô esterco dende casa, já punhô uma famía de cigarra dibar das tábua do quarto da mãe. Vixe! derramô os balde tudo que eu truxe do rio, deu nó no ubre das vaca, pegô a mais por que bicho? Por que qui ocê acha que é bicho? Ah, a mãe que falô que viu ele batê na janela e saí correno, que era um minino preto cas perna torta pra trás, e que nera desse mundo nosso aqui não, que era feio virado no cramulhão. E eu falei pro Marrom tudo, mais ele achava que era a diabrura dos fi do Germano e ficava queto, que é o patrão, né. Mais agora os guri tão viajano mais a mãe e ó aí ó como que tá os cavalo aí. E os cavalo tava enganchado um no otro memo, rapaz... daí eu desenganchei os bicho, tive que cortá ca tesoura até... mais eu achava que era conversa deles o Saci... que quando chuvia a casinha enchia d'água por causo do rio, né... e daí eu achei que eles tava quereno era saí de lá por causo disso... Mais daí despois eu fui pra casa... e a Melinha falô preu voltá lá... que nóis tava na pindaíba... aquele tempo... e o Germano ia dá uma vaca... preu ajudá os cuiabano... Daí eu peguei o... o Finho... e levei comigo... pra esperá o Marrom voltá.
Nessa hora o vô Bastião começou a tossir, e aí meu pai – o Finho – continuou a história: Aí o vô contou a história e na hora eu já fiquei com medo, e ele falou pra eu ajeitar as coisa que a gente ia laçar o tal do Saci. Tá bom, pegou a garrucha dele e fomo. Aí chegando lá a gente procurou pegada perto dos cavalo, né, entramo no meio do mato pra ver se tinha abrido alguma picada, se tinha rastro, essas coisa, mas nada. E eu cagado de medo do Saci aparecer. Mas o vô, esperto que só, tinha levado até um saco com milho e vagem e umas outras comida e falou que a gente ia caçar porco-do-mato então, não tinha Saci. Aí ele tirou o saco da mochila e espalhou no chão a isca, e daí a gente subiu em cima duma árvore perto pra ficar fora da vista dos porco e atirar neles quando eles viesse. Eles só foro vim quase de noite, mais um pouco não ia dar pra ver nada e a gente não tinha trazido lanterna. Apareceu um, dois porco, três, e aí o vô deu a arma na minha mão pra eu atirar, porque ele tava remelado porque não tinha dormido por causa da mudança e não tava conseguindo ver direito no escuro. Eu fiquei com dó dos porco e não quis atirar e devolvi a arma na mão do vô, mas agora olha só, presta atenção: o vô quase pra atirar, do nada a gente ouve um grito lá embaixo: Uaaaaaaaa! Lembra, vô? Alguém grito, toco os porco tudo longe, e os porco correram. Só de lembrar já arrepia tudo os pelo do meu braço. Eu já tava com medo, né, e essa hora eu assustei dum tanto que eu caí do galho que eu tava sentado, caí de costa na terra dura e fiquei sem ar até. Só ouvi o vô atirando com a arma, e depois ele pulou da árvore, pegou meu braço e a gente saiu correndo no escuro. Mais tarde chegou o Marrom, falou pra uma ajeitada na casa, muié, que a índia tá vino aí mais o fio dela, e prepara já a janta. Tá. Aquela noite a tal da índia véia jantou com nós, mas o vô não quis deixar eu contar o que tinha acontecido de tarde, beliscou minha costela. Ela falou: É danado o Saci daqui memo, enche o saco memo, incomoda, o morfético pra quetá ele só botano doce por decima da pedra do poço, rapadura, goiabada, paçoca. Fio punha um saco de bala e deixava lá, despois um poco trocava notro que as bala ia sumino.
Aí voltou o biso: a muié do marrom, num alembro do nome dela... tava meia desconfiada da véia... daí a véia falô que esse Saci tinha as duas perna... e as duas torta pa trás, igual a mãe da muié viu... e daí ela criditô... e a véia falô que de noite ele oiava da janela do quartim... e de tão preto que ele era... dava de vê só o branco do zóio e dos dente rino... Daí no otro dia eu dexei o Finho na escola... e passei no mercado, comprei três saco de bala... e eu mais o Marrom dexamo perto do poço um saco... e o tar do Saci depois nunca mais... Tem gente que mente as coisa... mais eu falo porque aconteceu de verdade memo... eu vi os cavalo, e eu alembro do grito tamém... e eu vi uma coisa mexeno no escuro da árvore... Tem coisa que num tem explicação memo... que num tem como nóis entendê... só Deus.
Eu, uns ano atrás, fui no sítio do Germano com meu tio e meu primo. Hoje em dia lá na casa do Marrom tá morando a filha dele de sessenta e cinco anos, a dona Luzia, e até hoje ela ainda bota bala lá na pedra perto do poço. Eu não acredito em nenhum fantasma, assombração, simpatia, superstição nem em nada de sobrenatural, mas quando meu primo me desafiou pra ir no poço tirar o saquinho de balas de lá de noite, eu não tive coragem. Fiquei com medo do Saci tá ali perto escondido.