Por F. R. Baumgardt
Enviado em: 09/03/2025
Parágrafo de contexto: O conto é uma narrativa epistolar em forma de diário, que mescla o noir com o gótico, uma narrativa de época que traz questões sociais e filosóficas nas entre linhas.
Diário de Augustus Vasconcelos
30 de junho. — Parti de São Paulo às 8:35 da noite e cheguei a Campinas na manhã seguinte, muito cedo; devia ter chegado às 6:46, mas o trem estava atrasado em uma hora. Tive ótima impressão de Campinas, pelo que pude ver do trem, e pelo breve passeio que dei pela cidade. A impressão que tive foi a de estar de fato saindo do Centro Urbano e adentrando ao interior do Brasil. O tempo estava muito bom quando partimos, e ao anoitecer, chegamos a Ribeirão Preto, onde passei a noite no Hotel Paulista. Durante a viagem para o Sul do Brasil, pude notar que a região abriga uma diversidade de etnias: gaúchos ao sul, descendentes de portugueses e espanhóis, italianos a oeste e alemães a leste e norte. Estou viajando para a região habitada por estes últimos, que se dizem descendentes de imigrantes que fugiram de conflitos europeus.
Apesar de a cama ser confortável, tive uma noite inquieta, perturbado por sonhos estranhos. Durante toda a noite, cães uivavam pelas ruas e gatos faziam barulho nos telhados. Talvez tenham sido eles a atrapalhar meu sono, ou a comida picante do jantar. Bebi uma garrafa inteira de água, tamanha a sede que sentia. Só quando o amanhecer se aproximava consegui adormecer, mas fui despertado por batidas repetidas na porta do meu quarto. Estava tão profundamente adormecido que mal percebi.
No café da manhã, serviram-me mais pimenta, canjica e um prato de carne de porco com arroz e feijão, o tradicional feijão tropeiro. Tive de comer apressadamente, pois o trem partia às oito horas. A verdade é que ainda esperei dentro dele uma hora inteira, até que ele partisse. Parece que quanto mais eu avançava rumo ao Sul, mais lentos se tornam os trajetos. Como é que se arranjarão nas longas viagens pela região mais ao norte do Brasil? Durante todo o dia atravessamos uma bela região, entremeada de pequenas propriedades rurais situadas em encostas de morros onde lavouras e criação de animais se tornavam abrangentes a vista. Havia grupos de camponeses, metidos em seus trajes típicos. São pitorescos e parecem, à primeira vista, como personagens de livros de época. São inofensivos, contudo, segundo me disseram.
Já escurecera quando chegamos a Porto Alegre, que diferente do Rio de Janeiro é uma velha cidade, muito interessante. Situada praticamente na fronteira com Santa Catarina, tem tido uma existência tempestuosa e mostra os sinais disso. Há mais de cem anos, ocorreu aqui uma série de grandes inundações, que causaram enormes prejuízos, em diversas ocasiões. No começo do século XIX, enfrentou um surto de cólera, que matou centenas de pessoas, e as baixas da epidemia foram somadas às mortes por fome e miséria.
O gabinete havia me indicado para a minha hospedagem o Hotel Imperial, onde minha chegada já era esperada. O local que estava localizado próximo à Praça da Matriz, um dos centros de movimento da cidade, e possuía três andares, com uma fachada em arquitetura neoclássica, com destaque para suas altas janelas e varandas ornamentadas. Ao adentrar o local, uma simpática anfitriã, vestindo trajes regionais, recebeu-me e deu-me as boas-vindas.
— O senhor é o inspetor que me disseram? — Perguntou, com um leve gesto de respeito.
— Exato — Respondi — Augustus Vasconcelos, muito prazer.
Quando entro finalmente em meu quarto, encontro um espaço mobiliado com o estritamente necessário: uma cama, um armário e uma escrivaninha com um espelho na parede. Abro minha mala, tomo um banho quente... tomo o maldito iodeto de potássio e enfaixo minha mão para esconder a marca. Depois, releio a carta do gabinete, que me dá instruções sobre o caso.
Porto Alegre, 18º de junho de 1887
Ao Excelentíssimo Senhor Capitão Carlos Barbosa, Rio de Janeiro
Prezado Senhor,
Espero que esta missiva o encontre em boa saúde. Venho, por meio desta, fazer-lhe uma solicitação urgente, considerando o caráter grave de uma situação que ocorreu em nossa cidade e que, com certeza, requer a diligência e experiência da respeitada Polícia do Rio de Janeiro.
Na última sexta-feira, 11 de junho, uma mulher chamada Maria Luísa de Oliveira foi encontrada sem vida na propriedade rural da família Von Amsberg, situada a algumas milhas de Porto Alegre. Inicialmente, o caso foi tratado como uma possível morte acidental, mas, após uma investigação preliminar, surgiram fortes indícios de que a Senhora Maria Luísa tenha sido vítima de um crime, com seu marido, o Senhor José Antônio de Oliveira, sendo o principal suspeito.
O casal era funcionário na propriedade dos Von Amsberg. Embora o marido tenha dado uma versão plausível para o ocorrido, seu comportamento subsequente tem levantado diversas suspeitas. As condições da morte da vítima, aliadas à atmosfera estranha que envolve a propriedade e o relacionamento entre os envolvidos, exigem uma análise mais cuidadosa, algo que, por ora, está além das capacidades da polícia local.
Portanto, venho por meio desta carta solicitar, de forma urgente, que V. Exa. nos envie um investigador de sua confiança para conduzir a investigação. Estou certo de que a experiência de sua respeitável equipe será crucial para esclarecer os eventos que cercam essa morte e, se for o caso, levar o responsável à justiça.
Aguardo sua resposta e estou à disposição para quaisquer informações adicionais que se façam necessárias.
Atenciosamente,
Hugo Chagas Delegado de Polícia
1 de julho. — O nevoeiro matinal dissipou-se e o sol da manhã se erguia no céu nublado, mas ainda fazia muito frio, típico desta época do ano, onde os dias eram mais cinzentos, bem distinto do clima do Rio de Janeiro. Depois de diversas semanas de viagem, finalmente pude dormir tranquilamente.
Após o desjejum matinal e tomar novamente o iodeto, me encaminhei para delegacia, para dar início a investigação a qual me foi designada. Fui informado na recepção de que a delegacia ficava perto do palácio do governo, local próximo onde me encontro hospedado. Logo me prontifiquei de ficar aquecido para enfrentar o frio da cidade e me vesti adequadamente com um terno escuro de lã, com uma camisa de linho branca e um sobretudo de lã azul marinho e, é claro, precisei esconder as mãos com uma luva.
Ao sair do hotel e atravessar a Praça da Matriz, caminho por uma cidade que acaba de acordar. Vejo os cidadãos saindo de suas casas, indo para seus trabalhos. Em um movimento quase automático, entram e saem dos bondes puxados por cavalos, cruzando as ruas principais. Ainda enquanto caminho, passo em frente à Catedral Metropolitana e noto diversos trabalhadores desmontando diversas tendas, fui informado que quarta passada, no dia 29, ocorrera a festa de São Pedro e São Paulo. Ainda seguindo meu caminho passo pelo Palácio do Governo, e finalmente encontro o local informado.
A Delegacia Central da Polícia Imperial era um prédio de tijolos e pedra, com poucas janelas e aparência austera, que possuía um grande brasão do Império na entrada. Ao entrar na delegacia, me deparo com uma recepção que, assim como a fachada, é igualmente austera, decorada com móveis rústicos. No balcão, encontro-me com o escrivão que está registrando informações.
— Bom dia. Sou o Inspetor Vasconcelos, vindo do Rio de Janeiro — Digo enquanto apresento meu distintivo, uma peça metálica com o brasão da polícia civil — O delegado Chagas está me aguardando para tratar de um caso.
— Bom dia, senhor. Sim, o delegado já está esperando por você — Disse enquanto se levantava — Siga-me, por favor.
Ao sair da recepção, vejo uma ampla sala iluminada por lamparinas a gás. Diversas escrivaninhas ocupam o espaço, cobertas por arquivos de casos. Além disso, ao fundo estão visíveis algumas celas. Algo que não me passou despercebido foram os cheiros de tabaco e madeira úmida. O escrivão me conduziu pela sala até uma porta, onde ficava o gabinete do delegado, dentro da sala, essa agora mais sofisticada que o restante da delegacia.
A sala era mobiliada com móveis pesados, como uma mesa de madeira escura e pilhas de papéis e arquivos. Uma janela pequena deixava entrar a luz suave do dia, iluminando o ambiente com um tom quente. O cheiro de madeira envelhecida e tabaco no ar, com uma lamparina iluminando parcialmente o ambiente.
Atrás da mesa se encontrava o Delegado Hugo Chagas, um homem em torno dos 50 anos, de postura imponente e olhar penetrante. Ele veste um paletó de tecido escuro, com um colete por baixo, onde um relógio de bolso pendia. Seu cabelo é bem penteado e ele usa um bigode grosso. Em cima da mesa, em uma pequena caixa de madeira com o interior almofadado, o homem ostentava uma medalha geral da campanha do Paraguai.
— Bom dia, delegado. Sou o Inspetor Vasconcelos, enviado do Rio de Janeiro para investigar o caso. — Falo entrando na sala.
O delegado me olha e levanta da cadeira e aperta minha mão com firmeza, mas sem excesso — Bom dia, inspetor. Fico contente que tenha vindo, espero que sua viagem tenha sido tranquila — Ele fala enquanto me observa e começa a caminhar em direção à janela, olhando para o movimento da cidade — Sente-se, por favor.
Tratamos, então, dos detalhes do caso, mencionei a ele a carta que o delegado enviara ao capitão de meu distrito, assim ele me deu maiores detalhes da situação.
— A propriedade é a da família Von Amsberg, na verdade se trata de uma vinícola, uma das principais do estado, inclusive. Dessa forma, um acontecimento destes evocou uma ação rápida.
— Estou aqui para ajudá-lo, senhor, mas preciso que o senhor esclareça para mim antes alguns detalhes — Indaguei — O que se deu de tão misterioso neste crime que o difere de outros?
— Bom, a causa da morte se mostra um fator distinto, pois, se de fato houve algum crime, ele se estabeleceu de uma circunstância misteriosa — Ele explicou — O casal de funcionários sempre teve uma relação quase perfeita, quando, de repente, segundo os relatos mostram, a relação de ambos virou de cabeça para baixo. E na data do ocorrido mencionado na carta, a mulher foi encontrada após ter caído de um morro. Desta forma, o principal suspeito que já se encontra detido, é o marido, pois o fato ocorreu logo após a mudança na relação de ambos.
Me encontrei estagnado após todos os detalhes. De fato, era uma situação estranha e que foi tratada da forma mais lógica possível, mas algo em minha intuição dizia, que talvez essa acusação estaria equivocada e que o ocorrido não se estabelecera dessa forma.
Pedi ao delegado se poderia ir ver a propriedade pessoalmente, pois poderia fazer uma investigação mais minuciosa e ver se algum detalhe teria escapado. Pedido esse ao qual o delegado assentiu com tranquilidade, e ainda se prontificou a me acompanhar pessoalmente. Cerca de alguns minutos se passaram e nossa carruagem já estava nos conformes, entramos e seguimos viagem.
A Vinícola mencionada ficava próximo a uma região da serra gaúcha que ficava a 60 milhas a norte de Porto Alegre. Durante o caminho, o delegado me contava coisas que apenas reforçavam minhas suspeitas que algo de errado havia com esse caso. Ele me disse que a vinícola havia sido fundada após a família chegar da Europa. Ele também me contou que ela já estava desativada há algum tempo, desde o acidente no início do ano, e apenas o casal de funcionários morava na propriedade em uma casa anexa. Quando perguntei o que havia acontecido, pois esse acontecimento poderia influenciar na investigação atual e ter alguma correlação, o delegado insistia que o caso já havia sido solucionado e arquivado. Quando insisti em saber mais o Sr. Chagas me questionou:
— O senhor acredita no Diabo? — Ele me perguntava com uma feição séria de alguém que não estava fazendo nenhuma piada.
Eu o respondi que não acreditava mais naquelas coisas. E, de fato, não acreditava, não mais, não depois daquilo. Lembrar de minha esposa e filha fez com que um reflexo me fizesse automaticamente ir em direção à minha mão, escondendo-a.
— Nosso trabalho requer profissionalismo — Retruquei — Não tem espaço para essas superstições.
Ainda em tom sério ele diz — Bom, o senhor pode não acreditar no Diabo, mas garanto que o Diabo acredita no senhor.
Por fim, após esse estranho momento, ele me explica o que havia acontecido aos donos da propriedade. O delegado me contou que o dono e fundador da vinícola Wilhelm Von Amsberg havia matado sua esposa Lenore ainda gravida a empurrando do parapeito da casa, depois de ter se entregado com remorso e questionado o porquê de ele ter feito tudo aquilo ele apenas havia respondido — Der Teufel hat mich gezwungen. — E a primeira noite que ele havia passado detido na prisão foi a última de sua vida. Pois, na manhã seguinte, os guardas o encontraram sem vida na cela. O homem havia tirado a própria vida durante a madrugada, estrangulando a si mesmo com o lençol de cama.
Passamos algumas horas dentro da carruagem, já passara do meio-dia, e ainda estávamos na estrada, algo martelava em minha mente, quase na mesma intensidade do galopar dos cavalos no terreno acidentado. Em 6 meses, dois crimes violentos envolvendo a morte de uma esposa na mesma propriedade, não poderia ser mera coincidência. Quando questionei o delegado sobre a frase que Wilhelm havia dito, ele me explicou que era uma frase em alemão que significava “O Diabo me obrigou”.
Já era cerca de 15:00 horas quando chegamos na propriedade. A vinícola estava situada em um local pouco propício para esse tipo de empreendimento, a geografia não favorecia o cultivo das uvas. Durante o mês de julho, as baixas temperaturas prejudicavam as plantações, obrigando os proprietários a dedicarem esse período exclusivamente à produção, engarrafamento e envelhecimento do vinho, que precisava ocorrer em um ambiente mais aquecido.
Após percorrermos várias milhas por uma floresta de araucárias e carvalhos antigos que cercavam parte da propriedade, finalmente avistamos os portões de ferro ornamentado da vinícola. Acima deles, o nome Sant’Ana dos Ventos era ostentado. Ao adentrarmos a estância, fomos imediatamente recepcionados por grandes videiras de uvas Tannat adormecidas, que se estendiam por vários acres até a encosta, dispostas em longas fileiras. Apesar de secas, os galhos eram bem cuidados e podados, ainda mais curioso se considerar que a vinícola estava desligada há alguns meses. Parecia que o casal de funcionários ainda mantinha a plantação viva.
No centro da propriedade, erguendo-se no meio do parreiral elevava-se imponente o casarão onde a família Von Amsberg residia, uma construção que combina a austeridade germânica com a sofisticação do neogótico e traços da arquitetura colonial. Edificado em pedra escura extraída da própria região, seus detalhes entalhados em madeira e o telhado íngreme de madeira de ardósia. Janelas altas e arqueadas, adornadas com vitrais importados da Europa, exibem símbolos ancestrais da família. Uma torre lateral domina a paisagem, abrigando um pequeno mirante, a varanda, sustentada por sólidas colunas, percorre parte da construção, oferecendo uma vista privilegiada dos vinhedos.
Infelizmente, não pudemos ter acesso ao interior do casarão, pois desde que ocorrera o crime envolvendo os Von Amsberg, a construção havia sido trancada e estava inacessível. Anexo à casa principal, dedicado à produção e armazenamento de vinho havia uma grande construção feito de tijolos e madeira, com telhado alto para ventilação diferente da casa principal esse se encontrava aberto. Dentro barricas gigantes de carvalho alinhadas em fileiras, liberando um aroma forte de fermentação. Assim como uma prensa de vinho antiga, movida manualmente, onde os trabalhadores esmagam as uvas. Adiante em uma colina se encontrava uma pequena capela de pedra, que talvez fosse usada para orações tanto dos funcionários quanto dos proprietários.
Ao fundo, próximo a encosta onde ficava o final da plantação, afastado da construção principal se localizava a casa dos empregados, onde a o casal de funcionários residia e trabalhava como capatazes na propriedade, um chalé de madeira, simples, mas bem construído, separado da casa principal por um caminho de pedras. O delegado e o cocheiro não me acompanharam nas buscas por potenciais pistas, em vez disso, eles ficaram ambos sentados em bancos de madeira na varanda da casa principal, fumando charutos Dannemann.
Gostaria de destacar um detalhe que não consegui deixar de notar, quando passamos pelos portões de Sant’Ana dos Ventos o ar parecia ter ficado mais pesado e o clima mais frio, talvez seja por causa do local em que nos encontramos. O pé da serra gaúcha, por estar mais no interior do estado, é mais frio que o litoral, então o que antes era 10 graus, agora parece estar algo próximo a zero. Ainda bem que estou bem agasalhado, mas o que mais me chamou atenção, foi a série de tonturas que me acometeram durante o caminho até chalé. Aqui o vento se situa em maior quantidade devido a altitude, o que provoca um crepitar das plantas que parece imitar um som, assemelhado em muito à fala humana, mas de uma forma totalmente distorcida. Talvez sejam coisas de minha cabeça, o cansaço da viagem no todo não deve estar me fazendo bem, talvez seja o frio.
Segui o caminho de pedras até o fundo da propriedade, no chalé onde o casal Oliveira mantinha residência, e para a minha surpresa assim como o prédio anexo, a casa se encontrava aberta. Eu já havia sido instruído anteriormente que a propriedade havia sido vasculhada, mas venho aqui agora a procura de algo substancial que, de fato, comprove que o senhor José Antônio seja o autor da morte de Maria Luísa. O interior da casa contava com o quarto do casal, uma cozinha rústica e uma pequena varanda, os moveis estavam dispostos de nas laterais da casa, algo que a polícia deve ter feito anteriormente de modo que facilitasse a locomoção no interior da construção, os pertences do casal haviam sido colocados em caixas, provavelmente nada havia sido detido, pois não houve uma arma para o crime. O local além de úmido se encontrava mais frio do que o normal, mais até mesmo que o lado de fora a única coisa que ainda se encontrava em seu devido lugar, era um espelho que estava pendurado na parede.
Me prontifiquei em olhar os pertences do casal na esperança de alguma pista, além das roupas do casal. Nada de substancial havia dentre os seus pertences, além de uma grande quantidade de correspondências endereçada a eles. Além disso, o que eu encontrei me indagou. Uma chave referente à porta do casarão Von Amsberg. Isso não poderia ser possível, a polícia vasculhou o local e disse que nada com relação a casa principal havia sido encontrado, a chave estava dentro de uma bíblia do casal, junto com a chave, uma passagem bíblica havia sido marcada.
1 Coríntios
Capítulo 7:
3 O marido pague à mulher a devida benevolência, e da mesma sorte a mulher ao marido.
4 A mulher não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no o marido; também da mesma maneira o marido não tem poder sobre o seu próprio corpo, mas tem-no a mulher.
5 Não vos priveis um ao outro, senão por consentimento mútuo por algum tempo, para vos aplicardes ao jejum e à oração; e depois ajuntai-vos outra vez, para que Satanás não vos tente pela vossa incontinência.
Quando terminei de ler, podia jurar ter visto uma espécie de vulto no reflexo do espelho atrás de mim. Quando olhei de volta percebi que era apenas algo da minha cabeça, não havia tempo para tais tolices. Confisquei a Bíblia, a chave e as cartas, coloquei-as dentro da maleta e retornei para o centro da propriedade onde o cocheiro e o delegado se encontravam. Ao questionar o Dr. Hugo se a equipe dele havia encontrado algo, ele disse que não havia nada quando a polícia procurou e que eles haviam separados tudo em caixas como eu havia encontrado. Disse a ele para retornarmos, porque gostaria de conversar com o suspeito no dia seguinte.
Quando estávamos saindo de Sant’Ana dos Ventos uma sensação de ser observado me acometia. Enquanto isso, o som do ambiente que antes havia dito parecer com a fala humana agora parecia estar ainda mais nítido.
2 de julho. — Já era quase meia noite quando retornei para o hotel. Passei a noite remoendo as informações, mas tentei descansar, de fato estava cansado. Isso ficou mais nítido quando pensei ter visto um vulto passando pelo espelho do meu quarto, estranhamente meu quarto que antes era bem aquecido, agora estava mais frio do que o normal.
Após ter acordado e me aprontado, me prontifiquei de tomar um desjejum reforçado e desta vez quase havia me esquecido do maldito iodeto de potássio, imagino que, assim como ontem, irei ficar sem comer por um tempo. Solicitei uma carruagem até a penitenciária pois precisava falar com o Sr. José Luís e ter mais clareza quanto à situação. Aproveitei o tempo do desjejum para averiguar as cartas encontradas no chalé. A maioria se mostrou desnecessária, tratando apenas frivolidades que não agregavam nada a investigação. No entanto, algumas delas me chamaram atenção. A primeira se refere a carta de alforria de ambos, aparentemente o casal eram escravos libertados, a carta de alforria havia sido autorizada e assinada pela própria família Von Amsberg, ou seja, mesmos livres eles não conseguiram se livrar da família e se viram obrigados a continuarem trabalhando para eles por não terem uma opção melhor de vida. A segunda foi um envelope com um conjunto de cartas trocadas entre eles que narra como eles se conheceram, antes da alforria. Aparentemente eles se viram obrigados a mudar de religião, e se conheceram na igreja, onde se casaram apenas alguns meses depois, pelo que parece após a mudança de religião eles se tornaram católicos fervorosos.
A última foi uma carta enviada pelo padre da comunidade que eles participavam, endereçada para o senhor Oliveira com um conteúdo peculiar.
Porto Alegre, 26º de maio de 1887
Meu caro José,
Não se preocupe. Satanás nos tenta de diversas formas, é verdade, mas nosso Senhor não criou nenhum pecado que não possamos superar. O casamento pode ser difícil, mas não devemos esquecer de entregar nossos corações a Deus. Pois Ele está sempre esteve conosco. Ele sempre está conosco. E sempre estará conosco.
Mas gostaria de lhe tranquilizar: esses “sonhos de pecado” nos quais você me descreveu quando veio à igreja se confessar na semana anterior não são tão sérios. Você apenas se encontra em estado de profunda culpa, eis o mais importante. Nosso senhor nos fez seres fracos, é de nossa profunda natureza. Você apenas deve se acalmar, rezar e ouvir o que ele tem a lhe dizer. E Ele, com toda a misericórdia que apenas Ele poderia ter, irá lhe responder, como sempre fez, sempre faz e sempre fará.
E como amigo, gostaria de dizer a você que tenho certeza de que mais cedo ou mais tarde, você e sua esposa se deitarão juntos novamente. Ou vocês iram se divorciar. Somos ovelhas d'Ele e Ele nos guia por nossas tentações.
Atenciosamente, Padre Amaro Almeida
Parece que depois de perfeitos anos de relacionamentos como descritos nas cartas anteriores, mudaram drasticamente nos últimos meses. Uma passagem bíblica somada a essa carta, sugere que de fato o homem de alguma forma, induziu a esposa ao suicídio, ou tenha ele mesmo a matado e feito parecer um acidente.
A penitenciaria ficava localizada à margem do rio Guaíba, a 3 milhas do hotel, era uma construção austera e funcional, sem ornamento algum, composta por altos muros de pedras. Havia duas torres de observação, onde guardas armados faziam a segurança, vigiando os corredores internos e a área externa. Ao passar pelos muros, havia um pátio interno de terra batida, onde os presos podem sair em horários específicos para momentos controlados de "banho de sol". O edifício principal, de pedra escura, tinha paredes espessas e pequenas janelas gradeadas. Segui até a sala do diretor, acompanhado pelo escrivão, para solicitar um interrogatório do suspeito. A sala é simples, mas imponente uma grande mesa de madeira escura domina o centro, com poucos móveis além de um armário trancado e um retrato de um general pendurado na parede. O diretor era o Coronel Jesuíno Mendonça, um homem na casa dos 45 anos, com curtos e grisalhos cabelos bem penteados para trás, usa um terno preto bem alinhado, mas sem ornamentos.
O coronel estava sentado, folheando um relatório, e só levanta os olhos quando o escrivão anuncia a presença do inspetor.
— Então, o senhor viajou todo o caminho do Rio de Janeiro para me fazer uma visita sem ser convidado — Disse sem se levantar, me observando com um olhar frio.
Mantenho a postura e ignoro o tom do homem — Não sabia que precisava de convite para visitar uma instituição do governo. Estou investigando um caso e preciso de falar com um detento.
— E que caso tão importante seria esse para justificar uma viagem tão longa? Imagino que envolva algo maior do que um simples ladrão de galinhas. — Fala fechando o relatório lentamente, cruzando os dedos sobre a mesa.
Respondo a ele. — Um possível assassinato. E o acusado em questão reside nesta penitenciaria.
— O senhor deve entender que uma penitenciária não é um livro aberto. Temos regras. Protocolos. Preciso saber quem autorizou sua visita antes de sair falando sobre meus presos. — Solta um suspiro, se inclinando para trás na cadeira.
Cruzo os braços, mantendo o tom calmo e firme — Minha autorização é a lei. Não estou aqui como turista. Sei que há coisas nesta prisão que talvez o senhor prefira manter em silêncio, mas posso garantir que, se houver obstrução, minha próxima parada será no gabinete do governador. O homem ri da minha ousadia e me diz que ousadia não é sinônimo de inteligência. Ele iria liberar minha passagem para o Sr. Oliveira, mas me informou que se quisesse algo mais, deveria levar mais do que ameaças vazias. O bloco que os detentos ficavam era um local com várias pequenas celas, com paredes úmidas e pouca ventilação. Camas rústicas de madeira para dormir e um balde de ferro para as necessidades fisiológicas.
Caminhando pelo corredor com celas vazias uma voz ecoa no corredor oriunda de uma cela, vindo de um homem com um aspecto doente ajoelhado no chão apoiado na cama.
— “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça.” — Dizia o homem.
— Primeira epistola de João, creio. Capítulo 1. — Respondo ao Sr. Oliveira, um alto homem com a pele escura, marcada pelo sol e pelo trabalho árduo. Os ombros largos e as mãos calejadas contavam mais de sua história do que ele próprio. Seu cabelo crescia em ondas curtas, teimosas.
— Versos 8 e 9. Vejo que conhece bem sua Bíblia. — Disse, se levantando.
— Uma coisa ou outra. Augustus Vasconcelos. Inspetor. Se o senhor quiser podemos conversar sobre as escrituras. — Tentei conduzir a conversa de maneira tranquila.
— Jose Antônio de Oliveira. Perdoe-me senhor, mas no momento não me encontro disposto para uma conversa. — Os olhos, fundos e atentos, pareciam enxergar mais do que gostariam. Ele parecia carregar no corpo a força de quem sempre trabalhou, mas no rosto havia um cansaço que a fé ainda não conseguira apagar.
— Soube que o senhor sofreu um luto recente, meus pêsames. — Disse com sinceridade, entendia o que o homem estava passando.
— Minha querida esposa Maria se foi — Disse soluçando — Um acidente terrível, caiu do topo do penhasco e não resistiu.
— Perdoe-me a intromissão, senhor — Mudei o tom da conversa. — Li as cartas, uma coisa é discutir com sua esposa, outra é empurrá-la ao limite.
— Eu amava minha esposa — Agora em tom irritado.
Decidi pressioná-lo um pouco, na esperança de que ele falasse algo — Você discutiu com ela, ameaças foram feitas. É justo dizer que seu casamento estava com problemas?
— Minha esposa se foi e você não tem nada a haver com meus problemas. — Ele finalmente desabou — Deus deu a ela mais inteligência que a maioria. Ela não ficou tímida com isso. “Coloque a armadura de Deus, para que você possa se posicionar contra os esquemas do diabo”, ela dizia. Ela tinha muita paixão, ela habitava em desejos terrenos. Quando ela parou de frequentar as missas eu sabia que ela estava perdida.
— Desculpe a intromissão senhor, não irei incomodar mais o senhor — Finalmente finalizei nossa conversa.
Passei pelos portões ainda reflexivo, me parece que, de fato, o Sr. Oliveira não havia matado a esposa, ele a amava e de fato a morte dela parecia ter sido acidental, mas algo me dizia que isso está ligado com a família Von Amsberg, precisaria voltar urgentemente a vinícola, em especifico o local do acidente. Ao invés de ir de carruagem, consegui um cavalo no hotel, optei por essa opção pois já conhecia o caminho e essa me parecia a opção mais rápida.
Meu relógio já marcava 13:38 quando me aproximava da propriedade, mas antes de chegar ao caminho que guiava até os portões, fiz um desvio com o cavalo para a sudoeste, local onde o corpo foi encontrado. Quando finalmente me encontro na encosta do morro, uma bifurcação se mostra a minha frente, o caminho da esquerda era subindo enquanto o da direita era descendo, escolhi o que caminho que descia. Andando por quase 1 milha, chego enfim ao fundo do penhasco, a parte superior caso eu seguisse pelo caminho da esquerda dava para um precipício de quase 100 metros, onde o chão era rochoso. Paro o cavalo e desço perto de uma grande rocha, onde provavelmente a Sra. Oliveira bateu ao acertar o chão.
Começo averiguar meu entorno em busca de alguma pista. Após alguns longos minutos de procura, o frio estava alarmante, especialmente nessa região, não havia pegado meu casaco antes de sair, e o vento assobiava entre as pedras, produzindo um som inquietante. Quando as nuvens finalmente desaparecem, o sol toma conta da paisagem. Em meio as pedras um reflexo começa surgir, como se algo estivesse refletindo sobre a superfície. Quando vou averiguar, me deparo com um pequeno espelho de mão intacto. Algo destoante nesse local, só poderia ser da vítima, mas se ele caiu junto com ela dessa altura, como ele ainda poderia se encontrar intacto? O espelho era ornamentado, com cores em vermelho e prateado, cravado nele estava aparentemente um tipo de sigla com iniciais formando S.C.H.A.T.T.E.N.
A temperatura voltava a cair, e um arrepio percorreu minha espinha, como se sombras invisíveis roçassem minha pele. A sensação de estar sendo vigiado tornava-se insuportável, um peso frio sobre meus ombros. Meus olhos varreram o ambiente, analisando cada canto, cada silhueta distorcida pela penumbra. Nada. Apenas o silêncio opressor e a brisa gélida que carregava um cheiro levemente metálico. Então, ao baixar o olhar para o pequeno espelho de mão, senti meu estômago revirar. Não era meu reflexo que me encarava. A figura do outro lado do vidro era algo inumano um rosto cadavérico, pálido como cera, com olhos tão fundos que pareciam túneis sem fim, abismos que sugavam toda a luz ao redor. Sua boca se movia sem som, os lábios crispados em um murmúrio espectral que eu não conseguia compreender. O espelho tremeu em minhas mãos, e antes que eu pudesse reagir, a criatura se lançou contra a superfície, como se tentasse atravessar a barreira frágil entre os mundos. Dedos longos e ossudos surgiram através do vidro ondulante, contorcendo-se como aranhas famintas. O horror congelou meu corpo por um instante, mas o instinto de sobrevivência gritou dentro de mim. Com um gesto brusco, lancei o espelho longe. No mesmo instante, um baque surdo ecoou, meus pés tropeçaram em algo, e meu corpo tombou para trás. A queda foi rápida, e um choque agudo atravessou minha cabeça ao colidir com o solo. O mundo girou. A visão ficou turva. Antes que a escuridão me engolisse, vi uma última imagem: um vulto alto, imóvel, me observando. Seu contorno era indistinto, mas sua presença era avassaladora, um poço de trevas de onde nada escapava.
Eu não me encontrava sozinho, no entanto. Ao despertar, percebi que a figura ainda me observava. A princípio, pensei estar sonhando, pois ela não projetava sombra nem refletia em nenhuma superfície ao redor. Era apenas uma silhueta trêmula, devorando a luz à sua volta.
— Policial. Finalmente, você chegou. —Então, o silêncio se quebrou. A voz da entidade reverberou em minha mente como o estalo do gelo se partindo, macabra, sussurrante, arrastada. Não vinha de lugar algum e, ao mesmo tempo, parecia preencher todo o espaço.
— O que... o que é você?! — As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar, minha voz vacilou, o frio se intensificando ao meu redor. A entidade não respondeu de imediato. Apenas se aproximou, e com isso, antes de se inclinar levemente para mim.
— Alguém que anda lhe observando de perto. Precisava ter certeza de que você ficaria do meu lado. — A escuridão ao seu redor pareceu crescer, a silhueta permaneceu imóvel por um instante.
— Maria...? Não pode ser... Você morreu. Seu corpo foi encontrado sem vida... Como isso é possível? — Meu peito apertou. Eu estava falando com um espírito. Mas isso era absurdo. Essas coisas não existem.
— Maria está morta... Morri no fundo desse penhasco... Bem ali. — A vez ficou mais baixa e lenta, o ódio ia se intensificando no tom de voz. — Sozinha, agonizei por horas a fio. Ninguém sentiu minha falta. Ninguém veio... José não veio.
— Então não foi o José que empurrou você? — Continuava duvidando de minha sanidade, mas estava decidido a levar a situação da forma mais racional que conseguisse.
— Na última vez em que conversamos, ele queria me expulsar de casa. Mas quando me viu ali, estendida, sem vida... congelou. O choque foi real, mas por trás dele havia algo mais forte. Um alívio profundo. Como se, enfim, estivesse livre de mim. — A expressão dela era uma máscara de dor e rancor. Os olhos, sombras de um passado que nunca a deixou partir. — E você quer saber o que aconteceu comigo? O mundo. Esse mundo cruel e impiedoso aconteceu comigo. Nasci escrava. E mesmo depois da alforria... eu nunca fui livre. Eu só queria ir embora. Mas ele nunca quis partir.
— Quem encontrou o seu corpo? — perguntei, tentando mudar o rumo da conversa na esperança de acalmar os ânimos.
— Isso realmente importa? — sua voz carregava um amargor cortante. — Num instante, eu estava viva, perdida em meus pensamentos. No seguinte, morta... e presa a José. — O rancor e a dor deram lugar a um ódio profundo. — Para ele, a minha morte foi um presente. Um alívio imenso.
Meus pesadelos estavam apenas começando. Não bastava simplesmente mudar minha visão sobre a vida após a morte, essa transformação era apenas a superfície de um abismo muito mais profundo. O verdadeiro fantasma que eu teria de enfrentar não era aquele que se manifestava diante dos meus olhos, mas sim as sombras do meu próprio passado. E a entidade sabia disso. E agora, ali, no limiar entre o real e o impossível, eu entendia que minha maior batalha não seria contra um espírito errante, mas contra aquilo que ele evocava dentro de mim.
— Como foi para você? Ser o responsável por infectar a própria filha com a sua doença, ao mesmo tempo que é o responsável por sua esposa ter tirado a própria vida — Cada palavra proferida por aquela presença espectral carregava um peso sufocante, como se ela estivesse desenterrando memórias que eu preferiria manter enterradas. Não me restava dúvidas: ela conhecia meu passado. Não apenas fragmentos, mas tudo, os segredos que eu tentava esquecer, os erros que me perseguiam, as cicatrizes invisíveis que eu fingia não carregar.
— Como... você pode saber disso?! — Toda calma que eu tinha tentado estabelecer se esvaiu nesse momento.
Antes que qualquer resposta pudesse se formar diante de meus olhos, a visão começou a se dissolver como névoa ao vento. A penumbra que antes envolvia tudo ao meu redor foi lentamente engolida por uma luz ofuscante, que crescia em intensidade até parecer queimar minha retina. O frio cortante, que arrepiava minha pele e entorpecia meus ossos, cedeu espaço a um calor morno, quase reconfortante, mas de alguma forma inquietante. Os sussurros, outrora vívidos e insinuantes, esmoreceram gradativamente até não passarem de um eco distante, morrendo no silêncio absoluto. Então, como se nunca tivesse existido, tudo desapareceu. Fiquei ali, sozinho, no vazio que se seguiu, sentindo meu coração martelar contra as costelas. O ar parecia pesado, carregado de algo invisível e opressor.
Já havia presenciado mais do que minha mente conseguia suportar em um único dia. Um arrepio final percorreu minha espinha, não mais de frio, mas de algo mais profundo, um medo primitivo, enraizado na certeza de que o que quer que eu tivesse testemunhado não pertencia a este mundo. Sem hesitar, corri até meu cavalo, a adrenalina guiando meus movimentos. Montei de um salto, puxei as rédeas com força e cravei os calcanhares em seus flancos. O vento cortava meu rosto enquanto cavalgava, mas nem mesmo sua ferocidade conseguia apagar a sensação de que, por mais rápido que eu fugisse, algo havia se prendido a mim naquela escuridão. Algo que talvez jamais me abandonasse.
3 de julho. — O domingo amanhecia, mas os eventos da noite anterior ainda ecoavam em minha mente, impedindo-me de dormir. Talvez fosse uma reação alucinógena ao iodeto de potássio, que vinha consumindo há meses. De qualquer forma, decidi não o tomar hoje, mesmo que a sífilis continuasse a se espalhar por minha mão direita. Eu me sentia diferente, estranhamente diferente. Uma inquietação me tomava, um impulso que não sentia há muito tempo. Antigamente, eu era um devoto fervoroso, mas depois daquele momento anos atrás, Deus me parecia distante, inacessível. No entanto, algo em mim mudou depois da noite passada. Pela primeira vez em anos, senti um chamado, uma necessidade. Eu estava decidido: hoje, eu iria à missa.
Dirigi-me à Catedral Metropolitana, localizada próximo ao meu hotel, na rua Duque de Caxias. O som dos sinos ecoava pelo centro da cidade, enquanto dezenas de pessoas convergiam para a missa da manhã. Cheguei atrasado, entrando no momento da homilia, na qual o padre discursava sobre o Evangelho de João, capítulo 20. A igreja estava repleta, e encontrar um lugar para me acomodar foi uma tarefa difícil. No entanto, por um golpe de sorte, ou talvez uma coincidência feliz, ou não, consegui um assento no mesmo banco onde estavam duas figuras que conheci nos últimos dias: o delegado Chagas e o coronel Mendonça. Ao término da missa, o delegado se aproximou para saber sobre o andamento do caso. Relatei-lhe os acontecimentos, omitindo as partes das quais ainda não tinha plena certeza de ter testemunhado.
Necessitava falar com uma pessoa em específico, de tal modo que para conseguir isso, tive que permanecer na igreja até todos se retirarem, quando todos já haviam saído, pude finalmente me aproximar do padre.
— Sim, meu filho, pois não? — Disse com a voz calma e solene.
— Desculpe-me se incomodo — Não sabia o que falar, tão pouco o que queria ouvir.
— Não se preocupe, meu filho, no que posso te ajudar? — Enquanto dobrava a estola verde usada durante a missa.
— Sim... eu sei.... Eu... — Por algum motivo não conseguia para de gaguejar — Esqueci o que queria... já não sei...
— Me parece aflito, meu filho — Sentando-se em um dos bancos da igreja, ele me fez um sinal para me juntar a ele.
— Não estou encontrando minhas forças no dia de hoje e... — Nem acreditava no que eu estava prestes a dizer — Eu queria rezar... para lavar a minha alma. Você parece ser uma boa pessoa, mas esse é um assunto particular.
— Se seu coração busca conforto, para Deus não haverá segredos. Eu serei sua capela, tão silencioso como uma rocha no fundo do oceano. — Me diz em sua sabedoria.
— Minhas palavras são para quem há muito tempo partiu. Não cabem aos vivos. — Ainda relutante.
— Seus olhos ardem de pesar, mas eu vejo a dor em sua alma. Minha função é diminuir o peso nos ombros dos filhos de Deus. Seja eles quem forem. O que você me contar ficará entre nós e o Senhor. — Ele se mostrava mais persuasivo do que eu imaginava, ou talvez seja a minha vontade de fala.
— Bom já que insiste — Finalmente cedi — Ela era a minha esposa...
— Pareceu conturbado com a perda dessa moça... o que aconteceu com ela? — Tentando mediar e articular da melhor forma.
— Foi um acidente... Um terrível acidente — Finalmente despenquei, poderia falar com alguém sobre isso — Por minha causa minha ela morreu... Ela se suicidou depois da morte de nossa filha. Nossa filha nasceu com a mesma doença que a minha e não resistiu... Minha esposa nasceu aqui, seria aniversario dela e da minha filha semana que vem se elas estivessem vivas.
— Tenho uma última pergunta para você, ela é de suma importância — Finalmente o último prego do caixão chegara — O que você gostaria que elas soubessem?
— Eu matei vocês... e não há desculpa. Me perdoe... por favor — Esqueci completamente que estava falando com o padre, em minha mente, falava diretamente com minha esposa e filha.
— Suas palavras foram ouvidas, meu filho, se estiver sido sincero consigo mesmo — Seu pesar era nítido nos olhos, mas ao mesmo tempo indiferente — Seu fardo se aliviara... Vá em paz. E viva sua vida da forma que ela gostaria.
Ao cruzar a soleira da catedral, não poderia afirmar ter renascido como um homem novo, mas sentia-me mais leve, com os pensamentos organizados. O fardo que me trouxera até ali estava resolvido, e agora restava enfrentar o verdadeiro motivo da minha vinda. Eu já sabia como proceder. De volta ao hotel, recuperei a enigmática chave, certo de qual fechadura ela abriria. Montei em meu cavalo mais uma vez e parti rumo à vinícola. Se tudo ocorresse conforme o planejado, essa história terminaria hoje. Mal podia acreditar que estava escrevendo isso, mas... se Deus quisesse.
Passei pelos portões de ferro ornamentados, sentindo o peso da hora tardia. Meu relógio ficara esquecido, mas o sol, baixo no horizonte, indicava a iminência da noite. Precisava agir rápido. Algo estava diferente. O vinhedo, antes exuberante, agora parecia definhado, as uvas secas e encolhidas nos galhos retorcidos. O efeito do remédio ainda persistia em meu organismo, uma influência sutil, mas inegável. As luzes que tremeluziam através dos vitrais da casa se distorciam no nevoeiro frio, e, por um instante fugaz, um vulto atravessou o vidro colorido. A dúvida durou pouco: ao verificar a robusta porta entalhada na entrada principal, encontrei-a intacta e trancada. A chave que eu havia encontrado dias atrás não era a dela.
Segui pelos fundos da casa, percorrendo um estreito caminho de pedra que levava a uma varanda secundária. Ali, uma porta de madeira discreta, provavelmente a entrada de serviço. Tentei a chave. O clique da fechadura confirmou minha suspeita. Assim que empurrei a porta, uma lufada de vento frio, aprisionada ali por um tempo incalculável, escapou em um sopro quase espectral, enquanto as dobradiças rangiam em um aviso sinistro para qualquer um que estivesse dentro da casa: eu havia entrado.
Meus olhos demoraram a se ajustar à penumbra do interior. Quando finalmente distinguiram as formas ao meu redor, vi-me em uma ampla cozinha, conectada a uma suntuosa sala de jantar. Uma escadaria descia para uma adega subterrânea, impregnada pelo cheiro forte de vinho envelhecido. O verdadeiro espetáculo, porém, encontrava-se no salão principal. O pé-direito duplo era adornado por um imponente lustre de cristal, enquanto móveis de madeira escura contrastavam com a lareira de pedra maciça. A grande escada de madeira, com seu corrimão entalhado, levava ao andar superior, onde uma série de retratos antigos se alinhava na parede. Os olhos das figuras nas molduras pareciam seguir cada um de meus passos. No topo da escada, um mezanino com o guarda-corpo partido denunciava um passado de tragédia. Talvez tenha sido ali que ocorreu a fatalidade com a senhora Lenore, jamais consertado, como um lembrete silencioso do ocorrido. À frente, uma grande porta dupla de madeira ricamente ornamentada se impunha. Ao atravessá-la, deparei-me com uma biblioteca monumental. As estantes, abarrotadas de volumes de diferentes épocas e temas, cercavam o ambiente. Em vez de janelas, um majestoso conjunto de vitrais dominava a parede frontal, exibindo-se com imponência para qualquer um que observasse a casa do lado de fora.
Nos vitrais, um detalhe peculiar prendeu minha atenção: cada um dos oito painéis, que narravam a trajetória da família Von Amsberg, destacava uma única letra. Juntas, elas formavam a palavra S.C.H.A.T.T.E.N. A mesma sigla que eu havia encontrado no espelho. Meu olhar, então, se voltou para o fundo da sala, onde, acima das portas, erguia-se o brasão da família: uma taça de vinho derramando um líquido vermelho como sangue, em tons de prata e escarlate. Logo abaixo, gravada no metal, a sigla reaparecia, mas agora com cada letra revelando a inicial de uma palavra: Schicksal, Chaos, Hass, Angst, Tod, Täuschung, Ewigkeit, Nacht. Aproveitei o fato de estar em uma biblioteca e comecei a procurar um dicionário que me ajudasse a decifrar aqueles termos. Após alguns minutos de busca, encontrei um exemplar de lombada vermelha que traduzia palavras do alemão para o português. Folheei rapidamente as páginas e logo descobri que Schatten significava "sombra". Os demais termos carregavam significados sombrios e inquietantes para um lema familiar: Destino, Caos, Ódio, Medo, Morte, Engano, Eternidade, Noite.
Junto aos dicionários, foram encontrados os diários da família e um relatório minucioso sobre o conteúdo a bordo do navio que partiu da Alemanha para o Brasil há 47 anos. Um detalhe intrigante nos diários chamou minha atenção: todos os casais responsáveis pela administração das terras enfrentaram infortúnios ou fatalidades. Entre os itens transportados nas caixas para o Brasil, estava um espelho de mão, que parecia ser o mesmo que eu havia encontrado. Além disso, ao observar atentamente os vitrais, onde o foco principal é relatar a herança da vinícola, um detalhe peculiar em um deles se destacou: uma pessoa contemplando seu reflexo em uma espécie de lago.
Agora, tudo parecia se encaixar. O espelho, por mais improvável que fosse, revelava sua verdadeira natureza. Sempre esteve ali, como um aviso silencioso, alterando, de algum modo, quem se atrevia a cruzar seu caminho. A transformação era sutil, mas inevitável. Um estrondo seco ecoou pela sala, seguido de uma rouca risada confirmando minhas suspeitas mais aterradoras. O frio cortante, que eu acreditava ser apenas um reflexo da minha doença, se espalhou novamente, mais intenso, mais denso. Então, a verdade se revelou como um pesadelo à minha porta: aquilo não era um mal físico, nem uma alucinação. Era real. Algo impensável estava ali, esperando para me devorar. O espectro, o mesmo que me atormentara no dia anterior, estava de volta, me encarando na porta da sala. Desta vez, eu sabia: não era uma alucinação. Era real. E agora, eu sabia exatamente como enfrentá-lo.
— Onde está Maria? — Estava claro que o fantasma de Maria estava diante de mim, mas era ela que estava no controle, mas algo dentro de dentro espelho.
— Maria nos deixou. — O cinismo na voz demonstrava que após a entidade ser descoberta, ela deixou de se importar em se esconder.
— Por qual nome, devo chamá-lo, Demônio? — Já fui cético por tempo demais, estava na hora de encarar a existência de um plano superior.
— Sempre as mesmas perguntas. Vocês humanos nos chamam de demônios. Mas onde observamos, no Grande Abaixo, somos anjos. — Começara com as mentiras e barganhas.
— O que você fez com a Maria? — Se sua alma ainda estivesse ali, era meu dever salvá-la.
— Maria ainda está aqui. De certa forma. Sou sua lagoa, profunda e escura, ela é a ondulação que se espelha e se extingue, voando ao todo, uma coisa não mais. — Parecia que estava tentando se justificar.
— Você é uma mentira, vapor na escuridão, Maria tentou destruir o espelho, tentou quebrar seu domínio — Ele tentava me convencer da insignificância humana, em prol de justificar seus atos. — Você procura casais, se aninha em seus corações, planta a semente do ressentimento e cultiva até que floresça e os destrua.
— Todos vêm a mim. Quando tudo se perde, ou torna-se demais para suportar — Mais filosofias, é tudo que ele tem a oferecer, metáforas. — Você é um homem feliz, Augustus Vasconcelos? Você se sente oco? O que você faria para ter sua família de volta? Sente a culpa por deixá-las morrer? Maria fez a escolha dela. Mas não tinha forças para viver com a escolha dela. O que você vai fazer? Banir a pobre, doce e inocente Maria? Nos mandar para a escuridão. Você sabe muito bem, que não há ascensão para Maria. A menos que eu queira. — Finalmente o momento decisivo começava — Eu lhe ofereço uma troca. O fantasma de Maria por José. Dê a ele o que lhe é devido e ela estará livre.
Eu me via diante de uma decisão difícil: se escolhesse José, a entidade permitiria que o fantasma de Maria fosse libertado, mas isso poderia dar a ela a liberdade de atormentar outras almas inocentes. Por outro lado, se optasse por banir a entidade, condenaria a alma de Maria a um sofrimento eterno. A troca oferecida pela entidade parecia ser uma solução simples. Mas o preço de liberar Maria era algo que não podia aceitar. Eu não podia permitir que esse ser maligno continuasse a destruir vidas, a semear discórdia e sofrimento nas almas dos vivos. Sabia que banir a entidade poderia significar condenar Maria a um sofrimento eterno, mas, ao menos, poderia cortar o mal de raiz e impedir que outras vítimas caíssem sob sua influência.
Meus olhos se fixaram na entidade, enquanto ela aguardava minha resposta com um sorriso distorcido, esperando que a fragilidade humana falhasse.
— Você não vai brincar com minha alma — disse, com uma decisão firme, sentindo o peso da minha escolha pesar em minha voz. — Eu não farei essa troca. Não entregarei José a você, e Maria será deixada em paz. O mal que você representa não terá mais poder.
O espectro riu, uma risada cheia de escárnio e fúria. Com um gesto brusco, ele começou a se dissipar, sua presença sendo engolida pela escuridão da sala. O ar ficou pesado, denso, como se o próprio espaço estivesse tentando me sufocar. Mas eu não poderia mais recuar. A entidade se foi, levando consigo uma parte do peso que eu carregava, mas deixando uma promessa de que Maria ficaria onde estava, perdida, mas livre de uma corrupção maior.
Eu sabia que minha escolha traria consequências, mas, ao menos, pude sentir que fiz o certo. O espectro se desfez, mas o eco do que eu havia enfrentado permaneceria comigo, moldando meu destino, para sempre.
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Relatório Confidencial - Caso Oliveira/Von Amsberg
Rio de Janeiro, 12 de julho de 1887
A quem possa interessar,
Estou ciente de que este relatório será analisado por autoridades superiores, e é com pesar que o encaminho. A investigação que conduzi sobre o caso envolvendo a morte de Maria Oliveira e os eventos subsequentes, relacionados à família Von Amsberg, chegou a um desfecho que desafia qualquer explicação razoável.
Após semanas de apuração, e confrontando as evidências encontradas com as informações obtidas nas entrevistas com os envolvidos, concluo que José Oliveira, o marido de Maria, não pode ser considerado culpado pelo ocorrido. Não há, em momento algum, uma ligação direta que o incrimine. Os relatos e as cartas encontradas no chalé, longe de indicar violência premeditada ou um possível assassinato, demonstram um homem profundamente perturbado, mas não um criminoso. José foi vítima de circunstâncias que ele próprio não conseguiu controlar.
O que mais me perturbou durante essa investigação foram as condições psicológicas que ele e sua esposa enfrentaram nos últimos meses. A carta do padre Amaro, ainda que redigida com a intenção de tranquilizar, revela um quadro de manipulação religiosa que, embora não sirva como justificativa para qualquer ação criminosa, lança uma sombra sobre o relacionamento deles. Isso, somado à crescente culpa que José carregava, fez com que ele fosse, em muitos aspectos, um homem destroçado pela pressão, não apenas pelos seus próprios sentimentos de falha, mas pela pressão externa que o envolvia.
José foi preso inicialmente com base no que parecia ser um evidente motivo para o crime, mas ao longo da investigação ficou claro que ele estava, na verdade, tentando lidar com os próprios demônios internos, e não com um desejo de prejudicar sua esposa. A sensação de culpa que o consumia estava profundamente arraigada em sua própria percepção dos acontecimentos, mas, no final, não há provas que sustentem uma acusação de assassinato.
Após análise cuidadosa, as autoridades decidiram pela liberação de José Oliveira, que foi solto após as evidências que contradizem a teoria de que ele foi o responsável pela morte de sua esposa. A princípio, sua expressão de dor e arrependimento parecia indicar um homem consciente da gravidade de sua própria situação, mas isso foi uma percepção equivocada, gerada pela confusão emocional que ele enfrentava.
Embora este caso tenha sido encerrado em termos legais, confesso que, pessoalmente, fiquei abalado pela falta de respostas claras. A situação que encontrei naquele local, e os sentimentos que ela provocou, me deixam com um desconforto que persiste até hoje. Não consigo afastar a sensação de que há mais nesse caso do que aquilo que se pode ver à superfície, mas não há mais nada que eu possa fazer. As investigações devem ser encerradas.
José foi libertado, e o caso está oficialmente concluído.
Atenciosamente, Inspetor Augustus Vasconcelos Departamento de Polícia do Rio de Janeiro
Anexo:
Com pesar e um profundo sentimento de desconforto, venho por meio desta formalizar minha demissão do cargo de Inspetor da Polícia do Rio de Janeiro. O caso de Maria Oliveira e a investigação que conduzi sobre os eventos envolvendo a família Von Amsberg me deixaram em uma situação emocional e psicológica que não consigo mais ignorar.
O peso dessa investigação não se limita ao que foi descoberto ou ao que não foi esclarecido. O constante distúrbio causado por uma sensação de impotência, por não conseguir entender as verdadeiras motivações de José Oliveira, a tragédia que permeia todo esse caso, e a incapacidade de trazer respostas definitivas, tem me corroído de dentro para fora.
As imagens que vi, os detalhes que revelei, não podem ser simplesmente descartados como algo trivial. Algo se quebrou dentro de mim. As incertezas que cercam esse caso, a falta de respostas claras e a pressão psicológica constante afetaram meu julgamento de forma irreversível. Não posso mais carregar a responsabilidade de lidar com situações que me desestabilizam a esse ponto.
Portanto, tomo a decisão de deixar meu cargo de Inspetor, pois entendo que não sou mais a pessoa capaz de cumprir com minhas funções de maneira eficaz. Não posso, com a mente que carrego agora, continuar a servir a esta instituição.
É uma decisão tomada em profundo lamento, mas também em necessidade. Sei que a paz nunca voltará a este lugar enquanto eu continuar neste trabalho.
Atenciosamente,
Inspetor Augustus Vasconcelos
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Ficha de Entrada - Clínica Psiquiátrica São José Data de Entrada: 20 de julho de 1887
Nome do Paciente: Augustus Vasconcelos
Idade: 38 anos
Profissão: Inspetor da Polícia
Endereço: Rua das Laranjeiras, Rio de Janeiro, Brasil
Motivo da Internação: Paciente apresenta quadro de exaustão emocional e psicológico grave, caracterizado por distúrbios no sono, pesadelos recorrentes, agitação e depressão profunda. O paciente relatou uma investigação recente que, segundo seu relato, envolveu eventos extremamente perturbadores e difíceis de processar. Ele menciona uma sensação de "perda de controle" e apresenta comportamento retraído e apático, com dificuldades em distinguir entre realidade e alucinações.
Histórico Clínico: O paciente não apresenta histórico prévio de distúrbios psiquiátricos. Durante a investigação, foi exposto a um alto grau de tensão emocional, o que provavelmente precipitou o quadro atual. Relatou episódios de "vigilância constante" e uma crescente sensação de estar sendo perseguido por forças invisíveis, o que resultou em sintomas de pânico e desorientação.
Sintomas Observados:
● Insônia persistente
● Alucinações auditivas e visuais (relata ver figuras que não estão presentes no ambiente)
● Depressão profunda com perda de interesse nas atividades cotidianas
● Ansiedade generalizada, associada à sensação de estar sendo vigiado
● Dificuldade em se concentrar e tomar decisões
● Sentimento de culpa e falha profissional
Diagnóstico Preliminar:
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) causado por eventos traumáticos recentes relacionados ao trabalho, com possível desenvolvimento de psicoses associadas a estresse crônico.
Plano Terapêutico:
1. Início imediato de medicação para ansiedade e insônia.
2. Sessões diárias de terapia cognitivo-comportamental (TCC), com foco no processamento do trauma e manejo de sintomas de pânico.
3. Acompanhamento psicológico intensivo, com foco no fortalecimento emocional e psicológico.
4. Monitoramento contínuo de possíveis reações adversas à medicação e evolução do quadro psicótico.
Observações:
Paciente apresenta quadro clínico grave e será monitorado de perto. A natureza dos sintomas sugere que o estresse laboral e os acontecimentos traumáticos recentes foram os principais gatilhos para o seu estado atual.
Dr. Rafael M. Oliveira
Clínica Psiquiátrica São José
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ATESTADO DE ÓBITO
Nome do Falecido: Augustus Vasconcelos Idade: 38 anos
Profissão: Inspetor de Polícia
Estado Civil: Solteiro
Data de Nascimento: 5 de outubro de 1848
Naturalidade: Rio de Janeiro, Brasil
Data do Falecimento: 22 de julho de 1887
Hora do Falecimento: 04:30
Local do Falecimento: Clínica Psiquiátrica São José, Rio de Janeiro, Brasil
Causa do Falecimento:
Insuficiência cardíaca aguda associada a complicações decorrentes de transtorno de estresse pós-traumático grave (TEPT) e psicoses associadas. O falecimento foi consequência direta do estado psicológico debilitado do paciente, exacerbado por anos de intensa pressão emocional e eventos traumáticos relacionados ao seu trabalho.
Descrição do Falecimento:
O falecido foi internado na Clínica Psiquiátrica São José em 20 de julho de 1887, apresentando quadro grave de estresse e alucinações. Durante o período de internação, o paciente apresentou progressivo declínio de seu estado mental, culminando em um colapso cardíaco inesperado na madrugada de 22 de julho de 1887. O falecimento foi constatado pela equipe médica da clínica às 04:30. Não houve sinais de violência ou causas externas que contribuíssem para a morte.
Declarante: Dr. Rafael M. Oliveira
Médico responsável pela internação e acompanhamento do paciente
Clínica Psiquiátrica São José