Enviado em 23/05/2022
Parágrafo de contexto: Esse trabalho é oriundo da disciplina Educação das Relações Étnico-Raciais, conduzida pelo Prof. Dr. Tiago Duque, e foi utilizada como critério de avaliação parcial para a aprovação da disciplina.
Partindo das conclusões de Margareth Rago (2008) - corpo exótico, dualidade significativa e inferiorização do corpo negro - e das definições de Kabengele Munanga (2003) - raça, racismo e relações de poder -, este trabalho tem como objetivo brevemente refletir como se caracteriza o racismo praticado por participantes de um reality show brasileiro, o Big Brother Brasil (BBB), com base em suas interações, e de que forma suas práticas se relacionam e perpetuam a organização social que nos rege, e que determina a superioridade ou inferioridade de um indivíduo com base em sua cor e características físicas.
De acordo com Rago (2008, p. 5), a imagem de um corpo exótico atribuída ao negro tem sido construída desde os tempos da colonização. Ela explica, que a partir de um olhar estrangeiro, a corpulência negra tornou-se um “parque humano” (p. 2), e lhe foi atribuído um caráter exótico, justamente por sua diferença, tanto de cor quanto de “estrutura”, em comparação a branquitude do colonizador. Consequentemente, a noção dessa diferenciação conduziu estudos, que se denominavam científicos, a associarem "características intelectuais e morais de um dado grupo” como “consequências diretas de suas características físicas ou biológicas" (MUNANGA, 2003 p. 8).
Ou seja, ao corpo negro africano foram atribuídos juízos de valores e qualidades prejudiciais, que denunciam uma tentativa de justificar sua inferioridade em relação à população europeia. Ainda de com a mesma autora, é dessa conduta que se constitui o racismo e a ideia de raça (categoria que divide a espécie humana a partir de critérios artificiais (MUNANGA, 2003, p. 3) que segrega e estabelece uma relação de poder de dominação e privilégios.
Na contemporaneidade, igualmente à época da colonização, juízos de valores foram atribuídos ao participante negro Babu no BBB. A primeira questão que podemos analisar é quando, como a notícia do UOL1 prontifica, Ivy e Gizelly, outras integrantes do programa, zombam do garfo que o oponente de jogo utiliza para cuidar no cabelo. Nessa cena, fica explícita a exoticidade atribuída pelas duas mulheres ao corpo de Babu dada sua reação (risadas frenéticas). Não satisfeitas com as risadas, elas também zombam o objeto desconhecido e taxam de esquisito. Babu, nesse sentido é visto como “parque humano”: mero objeto de entretenimento e risada. Ainda sobre essa cena, podemos afirmar, inclusive, que Ivy ao tocar no garfo do brother o faz com o mesmo sentido que as pessoas tocavam o corpo de Sarah (RAGO, 2003 p. 10)2.
Outra cena importante para essa análise é quando Daniel, outro contestante, afirma que não “vê” Babu fazendo parte do grupo seleto do líder, a área VIP, mas sim o enxerga na xepa, lugar em que o acesso a comida é mais limitado e as opções são mais baratas (as refeições são compradas com o dinheiro do jogo, segundo suas próprias regras). Dessa forma, ele associa a imagem de Babu (homem negro) a lugares “inferiores”, da mesma maneira que pesquisadores procuravam associar características físicas a determinadas naturezas criminosas. Em suma, esses dois episódios, dentre tantos outros listados na notícia, reforçam a ideia da racialização, não por questões biológicas, como tentavam provar os estudiosos da época colonial, mas por questões ideológicas associadas ao corpo negro, que o inferioriza e determina qualidades negativas, e dualiza seu corpo, dividindo-o em dois significados: exótico e inferior.
Por meio dessa análise, é positivo afirmar que o conceito de racismo não é estático. Isso tem como consequência, portanto, entender tal conceito não por um viés biológico, mas sim cultural e ideológico. Ou seja, o racismo segue características específicas das relações de poder e se desenvolve de acordo como elas se dão em diferentes contextos e comunidades. No caso do Big Brother Brasil, essas relações ocorrem de maneiras diferentes, pois o programa tem seu sistemas de regras e privilégios distintos de nossa sociedade empírica. Entretanto, os participantes partem da mesma realidade que nós, a brasileira, o que nos leva a concluir que esses discursos e ideias referentes ao indivíduo negro, ainda são perpetuados na atualidade, principalmente porque diversas vezes esses valores negativos foram atribuídos a Babu como forma de ofensa, inferiorização e ridicularização.
Notas:
2 Sarah, também conhecida como “Vênus Hotentote”, nasceu “[...] no Sul da África, com 1,35 m de altura, [...] pertencia ao povo dos Hotentotes, ou dos Bushmen, e fora levada para a Europa em 1810, por causa da configuração diferenciada de seu corpo, com as nádegas muito salientes (esteatopigia) e uma espécie de “avental genital” na região frontal. Baartman foi exibida em Londres, no Egyptian Hall do Picadilly Circus, em espetáculos que hoje se chamariam de ‘freak souls’ [...]” (RAGO, 2003 p. 7-8). Durante esses espetáculos, a autora que relata essas descobertas afirma que “muitos [telespectadores] aproximavam-se para apalpá-la e constatar se suas nádegas eram mesmo reais” [...]” (RAGO, 2003 p. 10), numa forma de violação e fissura ao exótico.
Referências:
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. [S.l.] nov. 2003. Acessado em: https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/04/Uma-abordagem-conceitual-das-nocoes-de-raca-racismo-dentidade-e-etnia.pdf. Disponível em: 8 jun. 2020.
RAGO, Margareth. O corpo exótico, espetáculo da diferença. Estudos Feministas. jan/jun. 2008. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1MoJpkS4JjVXgoJiALWKlS0H44AfZd3c_/view. Acessado em: 8 jun. 2020.