Enviado em 07/07/2023
Parágrafo de contexto: O artigo científico publicado foi o resultado de uma pesquisa realizada para fins avaliativos da disciplina de Estágio Obrigatório de Língua Inglesa III sob orientação do Prof. Dr. Elton Luiz Aliandro Furlanetto. O tema da pesquisa surgiu durante as aulas de Língua Inglesa VII com o mesmo professor orientador. Nessa disciplina, tivemos a oportunidade de avaliar como são as questões de língua inglesa de alguns vestibulares e concursos. Daí, surgiu a ideia de levar essa questão dos vestibulares para o meu estágio que estava sendo realizado na etapa do Ensino Médio, período em que os estudantes estão se preparando para realizar as provas e ingressarem nas universidades. Por isso, procurei observar como o professor lida com a responsabilidade de preparar seus alunos para essas avaliações e as formas pelas quais ele altera sua prática docente a fim de atender essas demandas.
RESUMO
Este artigo tem como principal objetivo analisar como o Enem e os vestibulares influenciam na prática docente de um professor de língua inglesa em uma escola estadual do município de Campo Grande (MS), além de fazer apontamentos acerca das aulas e avaliações aplicadas pelo professor e suas contribuições para a preparação dos alunos do Ensino Médio dessa escola. A língua inglesa na sociedade atual ocupa um importante espaço de prestígio e reconhecimento internacional que a levou a ser considerada língua franca. Acompanhando essas mudanças, o idioma entrou no currículo escolar do Ensino Médio como disciplina obrigatória e nos exames de admissão nas universidades brasileiras. Nesse contexto, o professor de inglês do Ensino Médio adquiriu uma nova responsabilidade: a de orientar os alunos a obterem êxito nas questões de língua inglesa presentes nos vestibulares. É um novo desafio, também, pois a carga horária das aulas de inglês são reduzidas e a maioria das salas estão lotadas. A pesquisa apresentada neste artigo é de viés qualitativo e deu-se a partir de observações realizadas em turmas do Ensino Médio de uma escola da rede estadual de ensino durante o período de Estágio Obrigatório de Língua Inglesa III do Curso de Letras Português/Inglês (UFMS). Entre os suportes teóricos utilizados estão ANJOS (2016), BARROS (2014), BLANCO (2013), CORREIA (2003), COSSON (2020) e KOCH e ELIAS (2007).
PALAVRAS-CHAVE: língua inglesa; Ensino Médio; prática docente; Enem; vestibulares.
ABSTRACT
The main purpose of this article is to analyze how Enem and vestibulares (Brazilian college entrance examinations) influence the teaching practice of an English language teacher in a state school in the city of Campo Grande (MS), in addition to making notes about the classes and assessments applied by the teacher and their contributions to the preparation of the high school students of this school. The English language in today's society occupies an important space of prestige and international recognition that has led it to be considered a lingua franca. Accompanying these changes, the language has entered the high school curriculum as a compulsory subject and in Brazilian university entrance examinations. In this context, the high school English teacher has acquired a new responsibility: to guide students to succeed in the English language questions in college entrance exams. It is a new challenge, too, since English class hours are reduced and most classrooms are crowded. The research presented in this article is qualitative and was based on observations made in high school classes of a state school during the period of the Compulsory Internship in English Language III of the Portuguese/English Language Course (UFMS). Among the theoretical supports used are ANJOS (2016), BARROS (2014), BLANCO (2013), CORREIA (2003), COSSON (2020) and KOCH and ELIAS (2007).
KEYWORDS: English language; High School; teaching practice; Enem; entrance exams.
Introdução
No contexto mundial de globalização, a língua inglesa ocupa a posição inquestionável de língua franca, “língua de contato entre povos, capaz de possibilitar a preservação das identidades de quem dela faz uso” (ANJOS, 2016, p. 96). Diante desse fato, o ensino do idioma nas escolas se tornou essencial para inserir os estudantes nas relações interculturais e globais. Com a inserção, em 2010, de 5 (cinco) questões de língua inglesa no Enem, além de outros vestibulares, a presença e obrigatoriedade dessa língua na etapa do Ensino Médio ganharam novo destaque e importância. Consequentemente, aumenta a responsabilidade do professor de preparar esses jovens para a realização dos exames de admissão nas universidades.
Sendo assim, este artigo tem como principal objetivo investigar a maneira pela qual um professor da rede estadual de ensino trabalha na preparação de seus alunos quanto ao desempenho no Enem e vestibulares. Para isso, serão apresentados uma contextualização da mudança sofrida pela concepção da língua inglesa no Ensino Médio na última década e alguns conceitos basilares para a nossa análise. Em seguida, serão explicados os percursos metodológicos da pesquisa. Depois, será analisado o modo pelo qual o professor organiza suas aulas, assim como sua contribuição no preparo dos discentes para os exames. Por último, serão expostas as considerações finais acerca do estudo.
1. Fundamentação teórica
A língua inglesa usufrui, atualmente, do status de língua internacional. Sua importância perpassa desde aspectos sociais até políticos e econômicos no mundo globalizado em que vivemos. Consequentemente, ensinar a língua inglesa tornou-se fundamental no ambiente educacional para que os alunos possuam a oportunidade de se inserirem nesse contexto atual. No documento que norteia a educação brasileira, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), constam as competências e habilidades que se esperam desenvolver nos alunos durante a Educação Básica. Dentre as habilidades de Linguagens direcionadas ao Ensino Médio, está “[f]azer uso do inglês como língua de comunicação global, levando em conta a multiplicidade e variedade de usos, usuários e funções dessa língua no mundo contemporâneo” (BRASIL, 2018, p. 494).
Diante desse cenário, a língua inglesa também passou a fazer parte do Exame Nacional de Ensino Médio (ENEM) em 2010, além de outros vestibulares de instituições de Ensino Superior tanto públicas quanto particulares. Com essa mudança nos exames, as aulas de língua inglesa nas escolas passaram a adquirir uma importância mais palpável, principalmente para os alunos. A disciplina na etapa do Ensino Médio começou a focar-se no preparo dos estudantes para a realização das provas em língua inglesa. Segundo uma pesquisa realizada em uma escola pública no interior do estado de São Paulo, 64% dos alunos passaram a dar mais importância para o idioma depois de sua inserção no ENEM (BLANCO, 2013, p. 77). A língua inglesa deixou de ser apenas um idioma para ampliar o repertório linguístico e cultural dos jovens estudantes para ser, também, um fator decisivo quanto à entrada dos alunos no Ensino Superior.
Logo, podemos afirmar que o caráter classificatório dessas avaliações exercem o que autores, como Correia (2003), chamam de efeito retroativo no ambiente escolar. O efeito retroativo, neste caso, seria a influência dos vestibulares no ensino e aprendizagem da língua inglesa. O foco deste artigo será a análise desse efeito sobre a prática didática e pedagógica do professor em sala de aula, isto é, como o professor prepara seus alunos para a realização dos exames. A escolha desse enfoque está presente no fato de que tanto os alunos quanto os pais e a direção da escola colocam no docente grande parte da responsabilidade do desempenho de seus estudantes no Enem e nos vestibulares. A mesma pesquisa citada anteriormente confirma essa hipótese, alegando que:
Pode-se concluir, a partir dos dados do questionário I, que os alunos, em geral, têm conhecimento sobre o conteúdo da prova de LE (língua inglesa) da Unicamp, embora, em sua maioria, dependam do professor para a orientação do que ela avalia e como se preparar para a mesma. Menos de 10% dos alunos demonstraram autonomia na busca de maiores informações sobre a prova e critérios de correção da mesma no Manual do Candidato ou jornais. (CORREIA, 2003, p.100).
No contexto das escolas públicas, além de orientar seus alunos ao estudo do idioma a fim de estarem aptos a responderem as questões dos vestibulares, o professor também precisa lutar para tentar igualar as possibilidades de ingresso desses estudantes frente às possibilidades de alunos de escolas particulares, pois é inegável a diferença de estrutura, recursos e ensino nesses dois ambientes. Conforme Barros (2014), “[...] o Enem não muda a realidade que é marcada pela desigualdade de oportunidades” (BARROS, 2014, p. 1082) e que é mascarada através da falsa noção de meritocracia pela qual “[...] abrem-se mais as portas das melhores universidades brasileiras quanto mais bem preparados forem os egressos do Ensino Médio” (BARROS, 2014, p. 1084). Quando, na verdade, apenas alguns foram meticulosamente moldados para conseguirem entrar por essas portas.
2. Procedimentos metodológicos
O presente artigo consiste em um processo de observação investigativa realizado durante o período de Estágio Obrigatório de Língua Inglesa III do curso de Letras Português/Inglês da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), através do acompanhamento presencial das aulas de língua inglesa ministradas nas turmas de 1º, 2º e 3º ano em uma Escola Estadual de Campo Grande. A observação ocorreu num período aproximado de um mês, sendo feitas anotações em diários de bordo com enfoque no modo pelo qual o conteúdo era ministrado pelo docente em sala de aula.
Esta investigação possui um viés qualitativo visto que “procura entender, interpretar fenômenos sociais inseridos em um contexto” (BLANCO, 2013, p. 60). Além disso, ela é descritiva e processual, ou seja, discorre sobre os dados coletados e analisa-os como sendo partes de um processo. Foi feita, também, uma pesquisa de embasamento teórico para a análise das observações. As aulas de inglês nas turmas ocorreram uma vez na semana durante o período matutino em salas com a quantidade de alunos que variam entre 15 (quinze) e 30 (trinta) discentes. Também foram analisadas provas aplicadas em sala de aula para algumas dessas turmas no final do 1º bimestre, com a devida autorização do professor regente.
3. Exposição da análise dos dados
Em uma das aulas assistidas no 1º ano, o professor explica as regras de conjugação verbal da 3ª pessoa do singular no Present Tense e o uso dos verbos auxiliares “do” e “does”. Ele anota no quadro alguns exemplos para os alunos visualizarem, fazendo algumas brincadeiras eventualmente a fim de chamar a atenção dos alunos para o conteúdo. O professor também estabelece comparações com palavras em outras línguas, como francês e alemão, para mostrar algumas peculiaridades quanto à escrita e pronúncia de certas palavras.
Em seguida, anota no quadro alguns exercícios de fixação do conteúdo. Nesses exercícios, há frases no presente que devem ser passadas para a forma interrogativa e negativa. O professor fornece o tempo necessário para os alunos resolverem as questões e as corrige no quadro antes de acabar a aula. Já em uma aula no 3º ano, o docente realiza a mesma dinâmica, porém, o conteúdo explicado é sobre o uso da forma verbal com “ing” e a diferença entre gerúndio e gerundivo. Nessa aula, há uma interação menor entre os alunos e o professor comparada à outra turma, mas os alunos parecem prestar atenção na explicação.
A avaliação aplicada em sala e disponibilizada para análise é do 1º ano e possui 10 (dez) questões, sendo 9 (nove) em português e 1 (uma) em inglês. Metade das questões são de interpretação textual e a outra metade sobre conteúdo gramatical. Os textos utilizados na prova são dos gêneros carta, tirinha e cartaz. Há um exercício que pergunta acerca das palavras cognatas e conhecidas. As questões de gramática compreendem preenchimento de lacunas para completar frases, conjugação de verbos no Present Tense, marcar uma frase que esteja na forma negativa e completar as regras de conjugação verbal da 3ª pessoa do singular no Present Tense.
Ao buscar as questões em língua inglesa que caíram no Enem de 2022, é possível perceber que as 5 (cinco) questões eram de interpretação textual. As perguntas e respostas estavam em português e os textos em inglês. Os gêneros abordados foram relato pessoal, artigo de opinião, tirinha e poema. Essas questões deixam claro o objetivo da prova de incentivar o aluno a assumir um “papel de leitor enquanto construtor de sentido, utilizando-se, para tanto, de estratégias, tais como seleção, antecipação, inferência e verificação” (KOCH; ELIAS, 2007, p. 13). Diante disso, podemos perceber que as aulas assistidas sobre conteúdos estritamente gramaticais podem ajudar parcialmente os alunos a realizarem esse exame visto que não há nenhuma pergunta que acione questões pontuais de gramática. Entretanto, elas ainda podem auxiliar na leitura dos textos, pois os alunos saberão reconhecer o tempo verbal e sua conjugação, possibilitando uma leitura mais eficiente dos textos.
A avaliação aplicada para o primeiro ano tem pontos positivos ao possuir questões voltadas para interpretação com gêneros variados, como a tirinha que esteve presente no Enem de 2022, e pela maioria estar em português com textos em inglês assim como apareceu na prova do Enem. Ademais, pratica o reconhecimento de palavras cognatas e conhecidas, o qual é uma estratégia de leitura que pode ser realizada na leitura dos textos no Enem. Contudo, as questões gramaticais da avaliação ajudam parcialmente devido ao que já foi explicado anteriormente. A gramática pode auxiliar apenas na leitura dos textos uma vez que o Enem não cobra conteúdos gramaticais de forma direta.
Já nas questões de língua inglesa do vestibular da UFMS de 2022, há 3 (três) questões de gramática e 2 (duas) de interpretação textual. Nesse caso, as aulas do professor sobre os conteúdos gramaticais assim como as perguntas da avaliação sobre gramática foram de grande ajuda para os alunos porque os preparou para responder a maioria das questões do vestibular que tratam da gramática em língua inglesa de forma explícita. As questões de interpretação da avaliação realizada pelo 1º ano também deram um suporte para os estudantes responderem as questões do vestibular voltadas para a compreensão dos textos.
Assim sendo, chegamos à conclusão de que as aulas do professor em análise contribuem de forma satisfatória na preparação dos alunos para o Enem e os vestibulares, os quais exercem uma grande influência na prática docente do professor e, também, influem na maneira pela qual os alunos são avaliados. Tanto na escola quanto nos vestibulares, há uma predominância de avaliações somativas, cujo foco se dá nos resultados, e não das formativas as quais, segundo Blanco, realizam “[...] a coleta de evidências acerca do processo de ensino e aprendizagem, para que decisões sejam tomadas no decorrer desse processo, com a intenção de torná-lo mais eficaz” (BLANCO, 2013, p. 40). Esta última seria uma avaliação mais produtiva, até porque os conceitos de sucesso e fracasso não são científicos, como afirma Barros (2014), mas sim representações. Porém, percebemos que a avaliação formativa é impraticável num contexto de preparação para avaliações somativas, ou seja, os vestibulares.
Uma das sugestões de mudança nas aulas do docente seria a realização de mais leituras de textos dentro da sala de aula para melhorar a interpretação dos discentes. Essas aulas também seriam bons momentos para promover discussões sobre temas relevantes da realidade dos alunos e para desenvolver sua criticidade. Além disso, poderia ser interessante colocar questões do Enem e outros vestibulares anteriores nas avaliações aplicadas porque constituiria um modo de os alunos avaliarem o seu preparo para a realização dessas provas e perceberem aspectos que precisam ser melhorados.
A situação ideal seria a aplicação de simulados com questões de vestibulares, mas entendemos que sua realização fica prejudicada com uma carga horária pequena de aulas. Também cabe ressaltar a consciência do fato de que o professor não é inteiramente responsável pelo desempenho dos estudantes nos exames, ele é apenas o condutor ou guia desse processo, devendo atuar, nas palavras de Leite (1983) como uma “presença-ausência”: “uma presença meio ausente, e, no entanto, atuante: um apagar-se da figura do mestre que, muito embora, conduz o jogo, condução que se deixa conduzir” (LEITE apud COSSON, 2020). Cabe aos alunos permitir-se serem conduzidos e dar o seu máximo no processo.
Considerações finais
Diante do exposto, podemos constatar que a língua inglesa vem ganhando uma crescente importância na nossa sociedade e, consequentemente, na educação. A inserção de 5 (cinco) questões de inglês no Enem é um reflexo desse processo de valorização do idioma no contexto político e socioeconômico do Brasil e, também, de outros países. Assim, as aulas de língua inglesa alcançaram novos objetivos na etapa do Ensino Médio: a de preparar os alunos para responder satisfatoriamente as questões e conseguirem obter o acesso às universidades brasileiras. Neste artigo, o enfoque foi, justamente, na maneira como o professor articulou seu trabalho pedagógico a fim de atingir esses objetivos.
Depois de analisar os dados de observação recolhidos, concluimos que o professor observado auxilia seus estudantes a realizarem tanto o Enem quanto os vestibulares ao abordar questões gramaticais da língua inglesa nas aulas e elaborar perguntas nas avaliações mensais e bimestrais que privilegiam tanto a interpretação textual de textos verbais e não verbais, mais cobrada no Enem, quanto conhecimentos gramaticais específicos, bastante necessários na realização dos vestibulares. Portanto, reconhecemos a grande responsabilidade que o professor possui nessa etapa da Educação Básica sem deixar de entender que uma parte dela também pertence ao aluno e à comunidade escolar.
Referências
ANJOS, Flavius Almeida dos. O inglês como língua franca global da contemporaneidade: em defesa de uma pedagogia pela sua desestrangeirização e descolonização. Revista Letra Capital, v. 1, n. 2, jul./dez., p. 95-117, 2016.
BARROS, Aparecida da Silva Xavier. Vestibular e Enem: um debate contemporâneo. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.22, n. 85, p. 1057-1090, out./dez. 2014.
BLANCO, Juliana. A avaliação de língua inglesa no Enem: efeitos de seu impacto social no contexto escolar. São Carlos: UFSCar, 2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC/SEB, 2018.
CORREIA, Rosane Martins Duarte. O efeito retroativo da prova de inglês do vestibular da Unicamp na preparação de alunos em um curso preparatório comunitário. Campinas, SP: [s.n.], 2003.
COSSON, Rildo. O paradigma do letramento literário In: Paradigmas do Ensino de Literatura. São Paulo: Contexto, 2020.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2007.