AS BEM-AVENTURANÇAS

AS BEM-AVENTURANÇAS

Evangelho de Lucas 6,17.20-26


As bem-aventuranças, segundo o evangelho de Lucas, nos remetem ao livro do Êxodo, capítulo 19. 


Assim como Moisés subiu ao Sinai para receber de Deus a Lei e desceu para entregar a revelação divina para o povo de Deus, assim também Jesus sobe para o alto do monte e de lá desce para a planície, onde se encontram os discípulos. Jesus sobe para orar, e depois desce para escolher os doze apóstolos e para proclamar as bem-aventuranças.


As bem-aventuranças devem ser bem entendidas. Não devemos entendê-las em chave moralista. Jesus não está falando do que nós devemos fazer. 


As bem-aventuranças, primeiramente, não devem ser entendidas como se fossem um programa de vida para nós pormos em prática. Por isso, quando falamos das bem-aventuranças como a nova lei do Reino é preciso entender que o que devemos fazer não está em primeiro lugar. 


Em primeiro lugar está o que Deus faz. As bem-aventuranças proclamam o que Deus faz no mundo, como ele intervém na história, revelam qual é o desígnio de Deus em relação a essa nossa humanidade ferida, sofredora, qual é a atitude de Deus ante tanta injustiça, morte, violência...


As bem-aventuranças não são a proclamação da bondade dos pobres, mas o anúncio da bondade de Deus, que não suporta mais os sofrimentos dos pobres. Não é a justificação da fome que mata tantos, mas a proclamação de que os famintos são felizes porque Deus os ama e não quer que ninguém morra de fome. 


Não é a aceitação resignada dos sofrimentos, mas o anúncio de que Deus não é indiferente às lágrimas de quem sofre por si ou pelas tribulações de outros. 


Jesus não proclama as bem-aventuranças como um ensinamento teórico. Ele é o bem-aventurado, misericordioso, que fala não de um palácio, de uma vida confortável, mas a partir da pobreza pessoalmente vivida. Ele não tem dinheiro na bolsa, não tem duas túnicas, está próximo dos mais pobres de tal modo que pode falar: “Felizes vós”. 


As bem-aventuranças não falam dos pobres; falam de Deus! Mais exatamente, falam de Jesus. “Quem me vê, vê o Pai”. Jesus é o Filho obediente que se despojou de sua glória. Foi odiado, desprezado, morto na cruz e glorificado na ressurreição. Ele realiza em sua pessoa o abaixamento de Deus. Deus ama a tal ponto que se solidariza com os últimos desta terra. Ele não é indiferente aos descartados. Deus vê os “invisíveis”. Deus deseja os indesejados. 


Jesus realiza, em sua pessoa, a bem-aventurança, identificando consigo todos os pobres e sofredores e saciando-os com o banquete messiânico. Somente depois de entender as bem-aventuranças em chave teológica, cristológica, é que podemos entendê-la em chave moral; ou seja: o que devemos fazer decorre do que Jesus faz por nós, o que Deus faz em favor dos pobres.


Nesse sentido, a prática da misericórdia, mesmo que não seja mencionada explicitamente no texto de hoje, aparece como nossa nova lei. Ser misericordiosos como Jesus é o que nos pedem as bem-aventuranças. 

DOM JULIO ENDI AKAMINE

Arcebispo Metropolitano de Sorocaba