LIVRO 03- A CONSOLAÇÃO INTERIOR-1ª PARTE

LIVRO TERCEIRO

DA CONSOLAÇÃO INTERIOR

CAPÍTULO 1 - Da comunicação íntima de Cristo com a alma fiel

1. ALMA FIEL: Ouvirei o que em mim disser o Senhor meu Deus (Sl 84,9).

Bem-aventurada a alma que ouve em si a voz do Senhor e recebe de seus lábios palavras de consolação!

Benditos os ouvidos que percebem o sopro do divino sussurro e nenhuma atenção prestam às sugestões do mundo!

Bem-aventurados, sim, os ouvidos que não atendem às vozes que atroam lá fora, mas à Verdade que os ensina lá dentro!

Bem-aventurados os olhos que estão fechados para as coisas exteriores e abertos para as interiores!

Bem-aventurados aqueles que penetram as coisas interiores e se empenham, com exercícios contínuos de piedade, em compreender, cada vez melhor, os celestes arcanos.

Bem-aventurados os que com gosto se entregam a Deus e se desembaraçam de todos os empenhos do mundo.

Considera bem isso, ó minha alma, e fecha as portas dos sentidos, para que possas ouvir o que em ti falar o Senhor teu Deus.

2. JESUS CRISTO. Eis o que te diz o teu Amado: Eu sou tua salvação, tua paz e tua vida.

Fica comigo e acharás paz. Deixa todas as coisas transitórias e busca as eternas.

Que é todo o temporal, senão engano sedutor?

E de que te servem todas as criaturas, se o Criador te abandonar?

Renuncia, pois, a tudo, entrega-te dócil e fiel a teu Criador, para que possas alcançar a verdadeira felicidade.

CAPÍTULO 2 - Que a verdade fala dentro de nós, sem estrépito de palavras

(Nota deste blog: As vias normais da Palavra de Deus são administradas pela Igreja. Devemos obedecer às suas orientações, enquanto não discordarem do que nos ensinou Jesus Cristo).

1. Falai, Senhor, que o vosso servo escuta: Vosso servo sou eu, dai-me inteligência para que conheça os vossos ensinamentos.

Inclinai meu coração às palavras de vossa boca; nele penetre, qual orvalho, vosso discurso (1Rs 3,10; Sl 118.36.125; Dt 32,2).

Diziam, outrora, os filhos de Israel a Moisés: Fala-nos tu e te ouviremos; não nos fale o Senhor, para que não morramos (Êx 20,19).

Não assim, Senhor, não assim, vos rogo eu; antes, como o profeta Samuel, humilde e ansioso, vos suplico: Falai, Senhor, que o vosso servo escuta.

Não fale Moisés, nem algum dos profetas, mas falai-me de vós, Senhor, Deus, que inspirastes e iluminastes todos os profetas, porque vós podeis, sem eles, me ensinar perfeitamente, ao passo que eles, sem vós, de nada me serviriam.

2. Podem muito bem proferir palavras, mas não conseguem dar o espírito; falam com muita elegância, mas, se vós vos calais, não inflamam o coração.

Ensinam a letra; vós, porém, explicais o sentido. Propõem os mistérios, mas vós descobris a significação das figuras.

Proclamam os mandamentos, mas vós ajudais a cumpri-los.

Mostram o caminho, mas vós dais força para segui-lo.

Eles regam a superfície, mas vós dais a fecundidade.

Eles clamam com palavras, mas vós dais a inteligência ao ouvido.

3. Não me fale, pois, Moisés, mas vós, Senhor meu Deus, Verdade eterna, para que não morra sem ter alcançado fruto algum, se só for admoestado por fora e não abrasado interiormente; e não seja minha condenação a palavra ouvida e não praticada, conhecida e não amada, criada e não observada.

"Falai, pois, Senhor, que o vosso servo escuta; porque possuís palavras de vida eterna" (1 Rs 3,10; Jo 6,69).

Falai-me para consolação de minha alma e emenda de minha vida, também para louvor, glória e perpétua honra vossa.

CAPÍTULO 3 - Como as palavras de Deus devem ser ouvidas com humildade e como muitos não as ponderam

1. Jesus: Ouve, filho, as minhas palavras, palavras suavíssimas que excedem toda a ciência dos filósofos e sábios deste mundo.

As minhas palavras são espírito e vida (Jo 6,64), e não se devem interpretar humanamente.

Não devem ser abusadas para vã complacência, mas devem ser ouvidas em silêncio e recebidas com máxima humildade e grande afeto.

2. A alma: E disse eu: Bem-aventurado o homem a quem instruís, Senhor, e lhe ensinais a vossa lei, para suavizar-lhe os dias maus e dar-lhe consolo neste mundo (Sl 93, 12.13).

3. Jesus: Eu, diz o Senhor, desde o princípio ensinei aos profetas e ainda agora não cesso de falar a todos; mas muitos são insensíveis e surdos à minha voz.

A muitos agrada mais a voz do mundo que a de Deus; mais facilmente seguem os apetites da carne que o preceito divino.

O mundo promete apenas coisas temporais e mesquinhas e é servido com grande ardor; eu prometo bens sublimes e eternos, e só encontro frieza nos corações dos mortais.

Quem há que me sirva e obedeça em tudo com tanto empenho como se serve ao mundo e aos seus senhores?

Envergonha-te, Sidon, diz o mar (Is 23, 4). E se queres saber por que, ouve o motivo: Por um pequeno salário se empreendem grandes viagens, e pela vida eterna muitos nem dão um passo sequer.

Busca-se o lucro vil; por um vintém, às vezes, há torpes brigas; por uma ninharia e promessa mesquinha não se teme a fadiga, nem de dia, nem de noite.

4. Mas que vergonha! Pelo bem imutável, pelo prêmio inestimável, para honra suprema e pela glória sem fim, o menor esforço nos cansa.

Envergonha-te, pois, servo preguiçoso e murmurador, por serem os mundanos mais solícitos para a perdição que tu para a salvação.

Procuram eles com mais gosto a vaidade que tu a verdade.

Entretanto, não raro, sua esperança os engana; mas minha promessa a ninguém falta, nem despede com as mãos vazias ao que em mim confia. Darei o que prometi, cumprirei o que disse, contanto que se persevere fiel no meu amor até ao fim.

Eu sou quem remunera todos os bons e sujeita a provas duras todos os devotos.

5. Grava minhas palavras em teu coração e medita-as atentamente, porque te serão muito necessárias na hora da tentação.

Coisas que agora não entendes quando lês, entenderás quando eu te visitar.

De dois modos costumo visitar meus eleitos: pela tentação e pela consolação.

E duas lições lhes dou cada dia: numa repreendo-lhes os vícios e noutra exorto-os ao progresso na virtude.

"Quem ouve a minha palavra e a despreza, por ela será julgado no último dia" (Jo 12,48).

Oração para implorar a graça da devoção

6. A alma: Meu Senhor e meu Deus! Vós sois todo o meu bem. E quem sou eu para me atrever a falar-vos?

Eu sou vosso paupérrimo servo, um vil vermezinho, muito mais pobre e desprezível do que sei e ouso dizer.

Lembrai-vos, Senhor, de que sois bom, justo e santo; vós tudo podeis, tudo dais, tudo encheis, e só ao pecador deixais vazio.

Lembrai-vos de vossas misericórdias (Sl 24,6) e enchei meu coração com a vossa graça, pois não quereis que sejam infrutuosas vossas obras.

7. Como poderei eu, nesta miserável vida, suportar-me a mim mesmo, se não me confortar vossa graça e misericórdia?

Não desvieis de mim a vossa face, não demoreis a vossa visita, não me tireis o vosso consolo, para que não fique a minha alma diante de vós qual terra sem água (Sl 142, 6).

Ensinai-me, Senhor, a fazer vossa vontade (Sl 142, 10), ensinai-me a andar em vossa presença, digna e humildemente; pois vós sois minha sabedoria, que em verdade me conheceis antes de ser feito o mundo, e antes de eu nascer na terra.

CAPÍTULO 4 - Que devemos andar perante Deus em verdade e humildade

1. Jesus: Filho, anda diante de mim em verdade e procura-me sempre com simplicidade de coração.

Quem anda diante de mim na verdade será defendido dos ataques inimigos, e a verdade o livrará dos enganos e das murmurações dos maus.

Se te libertar a verdade, serás verdadeiramente livre e não farás caso das vãs palavras dos homens.

2. A alma: Verdade é, Senhor, o que dizeis; peço-vos que assim se faça comigo.

A vossa verdade me ensine, me defenda e me conserve até meu fim salutar.

Ela me livre de toda má afeição e amor desregrado e assim poderei andar convosco, com grande liberdade de coração.

3. Jesus: Eu te ensinarei, diz a Verdade, o que é justo e agradável a meus olhos.

Relembra teus pecados com grande dor e pesar e jamais te desvaneças por tuas boas obras.

Com efeito, és pecador, sujeito a muitas paixões e preso em seus laços.

De ti pendes sempre para o nada; depressa cais, logo és vencido, logo perturbado, logo desanimado.

Nada tens de que possas gloriar-te; muito, porém, para te humilhar; pois és muito mais fraco do que podes imaginar.

4. Nada, pois, do que fazes te pareça grande, nada precioso e admirável, nada digno de apreço, nada nobre, nada verdadeiramente louvável e desejável, senão o que é eterno.

Acima de tudo te agrade a eterna verdade, e te desagrade a tua extrema vileza.

Nada temas, nada vituperes e fujas tanto como os teus vícios de pecados, que te devem entristecer mais do que quaisquer prejuízos materiais.

Alguns não andam diante de mim com simplicidade, mas, curiosos e arrogantes, pretendem saber meus segredos e compreender os sublimes mistérios de Deus, descurando-se de si próprios e de sua salvação.

Estes, por sua soberba e curiosidade, não raro caem em grandes tentações e pecados, porque me afasto deles.

5. Teme os juízos de Deus, treme da ira do Onipotente.

Não queiras discutir as obras do Altíssimo; examina antes as tuas iniquidades, quanto mal cometestes e quanto bem deixastes de fazer por negligência.

Alguns põem toda a sua devoção nos livros, outros nas imagens, outros em sinais e exercícios exteriores.

Alguns me trazem na boca, mas mui pouco no coração.

Outros há, porém, que, alumiados no entendimento e purificados no afeto, sempre suspiram pelos bens eternos; não gostam de ouvir das coisas da terra e com repugnância satisfazem as exigências da natureza; estes percebem o que lhe diz o Espírito da Verdade.

Pois lhes ensina a desprezar as coisas terrenas e amar as celestiais, a esquecer o mundo e almejar o céu dia e noite.

CAPÍTULO 5 - Dos admiráveis efeitos do amor divino

1. A alma: Bendigo-vos, Pai celestial, Pai de meu Senhor Jesus Cristo, por vos terdes dignado lembrar-vos de mim, pobre criatura.

Ó Pai de misericórdia e Deus de toda consolação! (2Cor 1,3), graças vos dou porque, apesar de minha indignidade, me recreais às vezes com vossa consolação.

Sede para sempre bendito e glorificado, com vosso Filho unigênito e o Espírito Santo consolador, por todos os séculos.

Ah! Senhor Deus, santo amigo de minha alma, tanto que entrais em meu coração, exulta de alegria o meu interior.

Vós sois a minha glória e o júbilo de meu coração; vós sois a minha esperança e meu refúgio no dia da tribulação.

2. Mas, como ainda sou fraco no amor e imperfeito na virtude, necessito ser consolado e confortado por vós; por isso visitai-me mais vezes e instruí-me com santas doutrinas.

Livrai-me das más paixões e curai meu coração de todos os afetos desordenados, para que eu, sanado e purificado interiormente, seja apto para amar, forte para sofrer e constante para perseverar.

3. Jesus: Grande coisa é o amor!

E um bem verdadeiramente inestimável que por si só torna suave o que é difícil e suporta sereno toda a adversidade.

Porque leva a carga sem lhe sentir o peso e torna o amargo doce e saboroso.

O amor de Jesus é generoso, inspira grandes ações e nos excita sempre à mais alta perfeição.

O amor tende sempre para as alturas e não se deixa prender pelas coisas inferiores.

O amor deseja ser livre e isento de todo apego mundano, para não ser impedido no seu afeto íntimo nem se embaraçar com algum incômodo.

Nada mais doce do que o amor, nada mais forte, nada mais delicioso, nada mais perfeito ou melhor no céu e na terra; porque o amor procede de Deus, e em Deus só pode descansar, acima de todas as criaturas.

4. Quem ama, voa, corre, vive alegre, é livre e sem embaraço.

Dá tudo por tudo e possui tudo em todas as coisas, porque sobre todas as coisas descansa no Sumo Bem, do qual dimanam e procedem todos os bens.

Não olha para as dádivas, mas eleva-se acima de todos os bens até Àquele que os concede.

O amor muitas vezes não conhece limites, mas seu ardor excede a toda medida.

O amor não sente peso, não faz caso das fadigas e quer empreender mais do que pode; não se escusa com a impossibilidade, pois tudo lhe parece lícito e possível.

Por isso de tudo é capaz e realiza obras, enquanto o que não ama desfalece e cai.

5. O amor vigia sempre, e até no sono não dorme.

Nenhuma fadiga o cansa nenhuma angústia o aflige, nenhum temor o assusta, mas qual viva chama a ardente labareda irrompe para o alto e passa avante.

Só quem ama compreende o que é amar. Bem alto soa aos ouvidos de Deus o afeto da alma que diz: Meu Deus, meu amor! Vós sois todo meu, e eu todo vosso!

6. A alma: Dilatai-me o amor, para que possa, no âmago do coração, saborear quão doce é amar, no amor desmanchar-me e nadar.

Prenda-me o amor, e eleve-me acima de mim, num transporte de fervor excessivo.

Cante eu o cântico do amor, siga-vos ao alto, ó meu Amado, desfaleça minha alma no nosso louvor, no júbilo do amor.

Amar-vos quero mais que a mim, e a mim só por amor de vós, e em vós a todos que deveras vos amam, conforme ordena a lei do amor que de vós dimana.

7. O amor é pronto, sincero, piedoso, alegre e amável; forte, sofredor, fiel, prudente, longânime, viril e nunca busca a si mesmo.

Pois, logo que alguém procura a si mesmo, perde o amor.

O amor é circunspecto, humilde e reto; não é frouxo, não é leviano, nem cuida de coisas vãs; é sóbrio, casto, constante, quieto, recatado em todos os seus sentidos.

O amor é submisso e obediente aos superiores, mas aos próprios olhos é vil e desprezível; devoto e agradecido para com Deus, confia e espera sempre nele, ainda quando está desconsolado, porque no amor não se vive sem dor.

8. Quem não está disposto a sofrer tudo e fazer a vontade do Amado não é digno de ser chamado amante.

Àquele que ama cumpre abraçar por seu Amado, de boa vontade, tudo o que for duro e amargo e dele não se apartar por nenhuma contrariedade.

CAPÍTULO 6 - Da prova do verdadeiro amor

1. Jesus: Filho, não és ainda forte nem prudente no amor. -

A alma: Por que, Senhor?

- Jesus: Porque por qualquer contrariedade deixas o começado e com ânsia excessiva procuras a consolação.

O homem forte no amor permanece firme nas tentações e não dá crédito às astuciosas sugestões do inimigo.

Assim como lhe agrado na prosperidade, não lhe desagrado nas tribulações.

2. Quem ama discretamente não considera tanto a dádiva de quem ama, como o amor de quem dá.

Atende mais à intenção que ao valor do dom, e a todas as dádivas estima menos que o Amado.

Quem ama nobremente não repousa no dom, mas em mim acima de todos os dons.

Nem tudo está perdido, se sentires, às vezes, menos devoção, a mim ou meus santos, do que desejaras.

Aquele sentimento terno e doce que experimentas, às vezes, é efeito da graça presente, um como que antegosto da pátria celestial; nele não te deves firmar muito, porquanto vai e vem.

Mas pelejar contra os maus movimentos do coração e desprezar as sugestões do demônio é sinal de virtude e grande merecimento.

3. Não te perturbem, pois, estranhas imaginações, oriundas de matéria qualquer.

Guarda firme teu propósito, e tua reta intenção fixa em Deus.

Não é ilusão o seres, alguma vez, subitamente arrebatado em êxtase, e logo depois caíres de novo nos costumados desvarios do coração.

Porque mais os padeces contra a vontade do que és causa deles, e enquanto te desagradarem e os repelires, serão para ti ocasião de merecimento e não de perdição.

4. Fica sabendo que o antigo inimigo de todos os modos se esforça por impedir-te os bons desejos e apartar-te de todos os exercícios devotos, nomeadamente da veneração dos santos, da devota memória de minha paixão, da salutar lembrança dos pecados, da vigilância sobre o próprio coração e do firme propósito de aproveitar na virtude.

Sugere-te muitos maus pensamentos para te causar tédio e horror e arredar-te da oração e leitura espiritual.

Desagrada-lhe muito a confissão humilde e, se pudesse, far-te-ia abandonar a comunhão.

Não lhes dês crédito, nem faças caso dele, posto que muitas vezes de arme laços e enganos.

Leva à sua conta os pensamentos maus e desonestos que te sugere.

Dize-lhe: Retira-te, espírito imundo, desgraçado, sem-vergonha; muito perverso deves ser para me insinuares tais coisas!

Vai-te daqui, malvado sedutor, não terás em mim parte alguma, que Jesus estará comigo, qual guerreiro invencível, e tu ficarás confundido.

Antes quero morrer e sofrer todos os tormentos, que te fazer a vontade; cala-te e emudece; não te escutarei, por mais que me molestes.

O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem temerei.

Levante-se embora contra mim um exército, não temerá meu coração.

O Senhor é meu socorro e meu Salvador (Sl 26, 1.6; 18,17).

5. Peleja como bom soldado e, se alguma vez caíres por fraqueza, torna a cobrar maiores forças que as anteriores, tendo certeza de que receberás mais copiosa graça; acautela-te, porém, muito contra a vã complacência e a soberba.

Por falta desta vigilância andam muitos enganados e caem, às vezes, em cegueira incurável.

A ruína destes soberbos, que loucamente presumem de si próprios, sirva-te de cautela e te conserve na virtude da humildade.



CAPÍTULO 7 - Como se há de ocultar a graça sob a guarda da humildade

1. Jesus: Filho, muito útil e seguro te é encobrir a graça da devoção, sem te desvaneceres ou te preocupares muito com ela; convindo antes desprezar-te a ti mesmo e temer que não sejas digno da graça recebida.

Importa não estares muito apegado a tais sentimentos, que bem depressa podem mudar-se nos contrários.

Com a graça presente, pondera quão miserável e pobre és sem ela.

O progresso na vida espiritual não consiste tanto em teres a graça da consolação, mas em suportar-lhe com humildade, abnegação e paciência a privação, de sorte que então não afrouxes no exercício da oração, nem deixes de todo as demais boas obras que costumas praticar.

Antes faze tudo de boa vontade, como melhor puderes e entenderes, nem te descuides totalmente de ti por causa das securas e ansiedades espirituais.

2. Muitos há que se deixam levar pela impaciência e pelo desalento, logo que as coisas não correm como desejam.

Pois nem sempre está nas mãos do homem o seu caminho (Jer 10,23), mas a Deus pertence consolar e dar a graça quando quiser, e quanto quiser, a quem quiser, tudo como lhe apraz, nem mais nem menos.

Perderam-se alguns imprudentes por causa da graça da devoção, porque quiseram fazer mais do que podiam, não ponderando a fraqueza das suas forças e seguindo mais o impulso do coração que os ditames da razão.

E porque presumiram de si coisas bem depressa perderam a graça.

Caíram maiores do que Deus havia determinado, na pobreza e no abatimento os que pretendiam pôr seu ninho no céu, para assim, humilhados e empobrecidos, aprenderem a não voar com suas próprias asas, mas a esperar à sombra das minhas.

Os novos e principiantes no caminho do Senhor facilmente se podem enganar e perder, se não se aconselharem com homens experientes.

3. Estes, se quiserem antes seguir seu próprio parecer, que confiar no conselho de pessoas experimentadas, põem em grande risco sua salvação, se continuarem aferrados à sua opinião.

Os que se têm por sábios raro se deixam dirigir pelos outros.

É melhor saber e entender pouco, humildemente, que possuir tesouros de ciência e presumir de si.

Melhor te é ter menos do que muito, se com o muito te vem o orgulho.

Não é bastante prudente quem se entrega todo à alegria, esquecido da antiga pobreza e do casto temor de Deus que sempre receia perder a graça concedida.

Nem tampouco muita virtude denota entregar-se a nímio desânimo em tempo de adversidade e por qualquer contratempo, sem pôr em mim a confiança devida.

4. Quem se dá por muito seguro no tempo de paz, muitas vezes se revela tímido e covarde em tempo de guerra.

Se te souberes conservar sempre humilde e pequeno no teu conceito, e governar com moderação teu espírito, não cairás tão depressa na tentação e no pecado.

É de aconselhar, quando sentes fervor de espírito, meditar no que será de ti, retirando-se esta graça.

E quando isto de fato acontecer, pensa que a luz pode voltar, que a tirei de ti por algum tempo, para tua cautela e minha glória.

5. Tal provação, muitas vezes, te é mais proveitosa do que se tudo te saísse à medida de teu desejo.

Pois não se devem avaliar os merecimentos do homem pelas muitas visões e consolações, nem pela perícia nas Escrituras, nem pela elevação do cargo.

Mas, para conhecer o valor de cada um, considera: se está fundamentado na verdadeira humildade e vive cheio de amor de Deus; se sempre busca a honra de Deus com pura e reta intenção; se se despreza a si mesmo, nem faz caso algum de si, e se gosta mais de ser desprezado e humilhado do que estimado pelos homens.

CAPÍTULO 8 - Da vil estima de si próprio ante os olhos de Deus

1. A alma: Ao meu Senhor falarei, ainda que seja pó e cinza (Gn 18,27).

Se eu me tiver em maior conta, eis que vos ergueis contra mim, e ao testemunho verdadeiro que dão meus pecados, não posso contradizer.

Mas se me tiver por vil e me aniquilar, deixando toda a vã estima de mim mesmo, e me reduzir a pó, que sou na verdade, ser-me-á propícia a vossa graça, e a vossa luz há de vir em meu coração, e todo sentimento de amor-próprio, por mínimo que seja, perder-se-á no abismo do meu nada e perecerá para sempre.

Ali me dais a conhecer o que sou, o que fui, a que ponto cheguei; porque sou nada - e não o sabia.

Abandonado a mim mesmo, sou um puro nada e a mesma fraqueza; tanto, porém, que lançais um olhar sobre mim, logo me sinto forte e cheio de nova alegria.

E é grande maravilha que tão sabiamente me levantais e tão benigno me abraçais, a mim, que pelo próprio peso pendo sempre para a terra.

2. Isto é obra do vosso amor, que me previne gratuitamente, socorrendo-me em mil necessidades, guardando-me de males, para bem dizer, infindos.

Perdi-me, amando-me desordenadamente; mas, buscando a vós unicamente, e amando com puro amor, a mim me achei e a vós também, e este amor me fez ainda mais aprofundar-me em meu nada.

Porque vós, ó dulcíssimo Senhor, me tratais além do meu merecimento, e mais do que ouso esperar ou pedir.

3. Bendito sejais, meu Deus, pois conquanto eu seja indigno de todo bem, ainda assim não cessa vossa liberalidade e bondade infinita de fazer bem até aos ingratos e aos que de vós andam apartados.

Convertei-nos a vós, para que sejamos gratos, humildes e devotos, pois vós sois nossa salvação, nossa virtude e fortaleza.

CAPÍTULO 9 - Tudo se deve referir a Deus como ao fim último

1. Jesus: Filho, eu devo ser o teu supremo e último fim, se desejas ser verdadeiramente feliz.

Esta intenção purificará teu coração, tantas vezes apegado desregradamente a si mesmo e às criaturas.

Porque se em alguma coisa te buscas a ti mesmo, logo desfaleces e afrouxas.

Refere, pois, tudo a mim, principalmente porque eu sou quem te deu tudo.

Considera todos os bens como dimanados do Sumo Bem, e por isso refere tudo a mim como sua origem.

2. De mim, como de fonte de vida, tiram água viva o pequeno e o grande, o rico e o pobre, e os que me servem voluntária e livremente receberão graça sobre graça.

Mas quem, fora de mim, quiser gloriar-se, ou deleitar-se em algum bem particular, jamais poderá firmar-se na verdadeira alegria, nem se lhe dilatará o coração, mas sempre andará perturbado e angustiado de mil maneiras.

Não te atribuas, pois, bem algum, nem a pessoa alguma atribuas virtude, mas refere tudo a Deus, sem o qual nada tem o homem. Eu dei tudo, eu quero tudo reaver, e com estrito rigor exijo as devidas ações de graças.

3. É esta a verdade que afugenta toda a vanglória.

E se entrar em teu coração a graça celestial e a verdadeira caridade, não sentirás mais inveja alguma, nem aperto de coração, nem haverá mais lugar para o amor-próprio.

Porque tudo vence a divina caridade, e multiplica as forças da alma.

Se és verdadeiramente sábio, só em mim te alegrarás e porás a tua confiança; porque ninguém é bom senão Deus (Mt 19,17), só Ele cumpre seja louvado e bendito em tudo, acima de todas as coisas.


CAPÍTULO 10 - Como, desprezando o mundo, é doce servir a Deus

1. A alma: De novo, Senhor, vos falarei, e não me calarei; direi aos ouvidos de meu Deus, meu Senhor e meu Rei, que está nas alturas:

"Quão grande, Senhor, é a abundância da doçura que reservastes aos que vos temem!" (Sl 30,20).

Mas que será para os que vos amam e de todo o coração vos servem?

É verdadeiramente inefável a doçura da contemplação que concedeis aos que vos amam.

Nisto particularmente me manifestastes a doçura de vosso amor: quando não era, vós me criastes e quando andava longe de vós, perdido no erro, me reconduzistes a vos servir e me destes o preceito de vos amar.

2. Ó fonte perene de amor, que direi de vós?

Como poderia eu esquecer-me que vos dignastes lembrar-vos de mim, ainda depois de depravado e perdido?

Além de toda esperança, usastes de misericórdia para com vosso servo, e acima de todo mérito me prodigalizastes vossa graça e amizade.

Com que poderei agradecer-vos tal mercê?

Porque nem a todos é dado deixar tudo, renunciar ao mundo e abraçar a vida religiosa.

Será porventura mérito que eu vos sirva, quando toda criatura tem obrigação de vos servir?

Não me deve parecer grande coisa que eu vos sirva; antes devo considerar grande e digno de admiração que vos digneis receber-me, pobre e indigno como sou, em vosso serviço e associar-me aos vossos servos prediletos.

3. Vede, é vosso, Senhor, tudo que possuo e com que vos sirvo; entretanto, mais me servis vós a mim, do que eu a vós.

Aí estão o céu e a terra, que criastes para uso do homem, e estão atentos a vosso aceno, a fazer cada dia o que lhes mandais.

Mais ainda: os próprios anjos destinastes ao serviço do homem. Mas, acima de tudo isso, vós mesmos vos dignais servir ao homem, e prometestes ser a sua recompensa.

4. Que vos darei eu por esses benefícios sem conta, Oh! se pudera servir-vos todos os dias da minha vida!

Se pudera, ainda que um só dia, prestar-vos condigno serviço!

Na verdade, sois digno de todo serviço, de toda honra e glória eterna.

Vós sois verdadeiramente meu Senhor, eu vosso pobre servidor, obrigado a servir-vos com todas as minhas forças, sem me cansar jamais de vos dar louvores.

Assim o quero, assim o desejo: dignai-vos, Senhor, suprir o que me falta.

5. Grande honra e glória é servir-vos e desprezar tudo por vosso amor.

Porque copiosa graça alcançarão os que livremente se sujeitam ao vosso santíssimo serviço.

Encontrarão suavíssima consolação do Espírito Santo os que por vós desprezam todos os deleites carnais.

Conseguirão grande liberdade da alma os que por vosso nome entram na vereda estreita e se apartam de todos os cuidados mundanos.

6. Ó doce e amável servidão de Deus, que torna o homem verdadeiramente livre e santo!

Ó sagrada servidão do estado religioso, que faz o homem igual aos anjos, agradável a Deus, terrível aos demônios e recomendável a todos os fiéis!

Ó ditoso e nunca assaz desejado serviço, que nos mereceu o Bem soberano e adquire o gozo que há de durar para sempre!

CAPÍTULO 11 - Como devemos examinar e moderar os desejos do coração

1. Jesus: Filho, muitas coisas deves ainda aprender, que não sabes bem.

2. A alma: Que coisas são estas, Senhor?

3. Jesus: Que conformes completamente teu desejo a meu beneplácito e não sejas amante de ti mesmo, mas zeloso cumpridor de minha vontade.

Muitas vezes se inflamam teus desejos, e com veemência te impelem; examina, porém, o que mais te move, se minha honra ou teu próprio interesse.

Se for eu o motivo, ficarás bem contente, qualquer que seja o sucesso do empreendimento; mas, se lá se ocultar algum interesse próprio, eis que isto logo te embaraça e aflige.

4. Guarda-te, pois, de confiar demasiadamente em preconcebidos desejos que tens sem me consultar, para que não suceda que te arrependas e te desagrade o que primeiro te agradou e procuraste com zelo, por te haver parecido melhor.

Porém nem todo desejo que pareça bom logo devemos seguir, nem tampouco a todo sentimento contrário logo havemos de fugir.

Convém, às vezes, refrear mesmo os bons empenhos e desejos, para que as preocupações não te distraiam o espírito; para que não dês escândalo por falta de discrição; para que, enfim, não te perturbe a resistência dos outros e desfaleças.

5. Outras vezes, ao contrário, é preciso usar de violência e rebater varonilmente os apetites dos sentidos sem atender ao que a carne quer ou não quer, mas trabalhando por sujeitá-la ao espírito, ainda que se revolte.

Cumpre castigá-la e curvá-la à sujeição, a tal ponto, que esteja disposta para tudo, sabendo contentar-se com pouco e deleitar-se com a simplicidade, sem resmungar por qualquer incômodo

CAPÍTULO 12 - Da escola da paciência e luta contra as concupiscências

1. A alma: Deus e Senhor meu, pelo que vejo, a paciência me é muito necessária; pois são muitas as contrariedades desta vida.

Por mais que se procure a paz, não há viver sem combate e sofrimento.

2. Jesus: Assim é, filho, e não quero que busques uma paz isenta de tentações e contrariedades, mas que julgues ter achado a paz, ainda quando fores molestado de muitas atribulações e provado em muitas contrariedades.

Se dizes que não podes sofrer tanta coisa, como suportarás, então, o purgatório?

De dois males sempre se deve escolher o menor. Para escapar dos suplícios futuros, trata de sofrer com paciência os males presentes, por amor de Deus.

Julgas, acaso, que nada ou pouco sofrem os homens do mundo?

Tal não encontrarás, nem entre os mais regalados.

3. Dirás, talvez, que eles têm muitos deleites e seguem a sua própria vontade, e por isso pouco lhes pesa a tribulação.

4. Seja embora assim, e tenham eles quanto desejam, mas quanto tempo achas que há de durar isso?

Eis "qual fumaça se desvanecerão os abastados do mundo" (sl 36,20), nem lembrança restará de seus prazeres passados.

E mesmo, enquanto vivem, não os fruem sem amargura, tédio e temor.

Porquanto do próprio objeto de seus deleites muitas vezes lhes vem a dor que os castiga.

E é justo que assim lhes suceda que encontrem amargura e confusão nos gozos que buscam e perseguem desordenadamente.

5. E quão breves, quão falsos, quão desordenados e torpes são todos os deleites do mundo!

Mas os homens, na embriaguez e cegueira do espírito, não o compreendem; antes, como irracionais, por um diminuto prazer, nesta vida corruptível, dão a morte à sua alma.

Tu, pois, filho, não sigas teus apetites, renuncia à própria vontade (Eclo 18,30); deleita-te no Senhor, e ele te dará o que teu coração anela (Sl 36,4).

6. Pois, se queres verdadeiras delícias e receber de mim consolação abundante, despreza todas as coisas mundanas e renuncia a todos os prazeres inferiores, e por recompensa terás copiosa consolação.

Quanto mais te apartares do prazer que encontras nas criaturas, tanto mais suaves e eficazes consolações em mim acharás.

Não o conseguirás, a princípio, sem alguma tristeza e trabalho na peleja, opor-se-á o costume inveterado, mas será vencido por outro melhor.

Revoltar-se-á a carne, mas o fervor de espírito lhe porá freio.

Perseguir-te-á a serpente antiga e te molestará, mas tu a afugentarás com a oração e, com o trabalho proveitoso, lhe trancarás a principal entrada.

CAPÍTULO 13 - Da obediência e humilde sujeição, a exemplo de Jesus Cristo

1. Filho, quem procura subtrair-te à obediência aparta-se também da graça; e quem procura favores particulares perde os comuns.

Aquele que não se sujeita pronta e de boa mente a seu superior, mostra que sua carne não lhe obedece ainda prontamente, mas muitas vezes se revolta e resmunga.

Aprende, pois, a sujeitar-te prontamente a teu superior, se queres subjugar a própria carne, porque facilmente se vence o inimigo exterior quando o homem interior não está assolado.

Pior inimigo e mais perigoso não tem a alma, que tu mesmo, quando não obedeces ao espírito.

Se queres vencer a carne e o sangue, deves compenetrar-te do sincero e absoluto desprezo de ti mesmo.

Mas porque ainda te amas desordenadamente, por isso te repugna sujeitar-te de todo à vontade dos outros.

2. Ora, que muito é que tu, que és pó e nada, te sujeites a um homem, por amor de Deus, quando eu, o Todo-poderoso e Altíssimo, que criei do nada todas as coisas, me sujeitei humilde ao homem, por amor de ti?

Fiz-me o mais humilde e o último de todos para que venças, com a minha humildade, a tua soberba.

Aprende, pó, a obedecer; aprende, terra e limo, a humilhar-te e curvar-te aos pés de todos.

Aprende a quebrantar tua vontade e a submeter-te a todos em tudo.

3. Indigna-te contra ti mesmo; não toleres em ti desvanecimento algum; mas torna-te tão humilde e submisso, que todos te possam pisar e calcar aos pés, qual lama da rua.

Em que podes, vil pecador, contradizer os que te repreendem, tu, que ofendeste a Deus tantas vezes e tantas vezes mereceste o inferno?

Pouparam-te, porém, meus olhos, porque tua alma é preciosa diante de mim, para que conheças meu amor e te conserves grato aos meus benefícios; para que te dês continuamente à verdadeira sujeição e humildade, sofrendo com paciência o desprezo dos outros.

CAPÍTULO 14 - Que se devem considerar os altos juízos de Deus, para não nos desvanecermos na prosperidade

1. Trovejam sobre mim, Senhor, vossos juízos, temem e tremem meus ossos abalados e minha alma fica de todo espavorida.

Estou assombrado ao considerar que nem os céus são puros à vossa vista.

Se nos anjos achastes maldade e não lhes perdoastes, que será de mim?

Caíram as estrelas do céu, e eu, pó, de que hei de presumir?

Aqueles cujas obras pereciam louváveis precipitaram-se no abismo, e vi os que comiam o pão dos anjos deleitarem-se com o alimento dos animais imundos.

2. Não há, pois, santidade, Senhor, se retirais vossa mão.

Não há sabedoria que aproveite, se deixais de a governar.

Não há fortaleza que valha, se deixais de a conservar.

Não há castidade segura, se deixais de a defender.

Não é proveitosa a própria vigilância, se falta vossa santa guarda.

Desamparados, afundamos logo e perecemos, mas visitados por vós nos reerguemos e vivemos.

Somos, com efeito, inconstantes, mas por vós somos confirmados; somos tíbios, mas vós nos afervorais.

3. Oh! Quão humilde e baixo conceito devo formar de mim próprio!

Em quão pouca conta devo ter o bem que possa haver em mim!

Quão profunda deve ser a minha submissão a vossos insondáveis juízos, Senhor, se outra coisa não sou que nada e puro nada!

Ó peso imenso! Ó mar insondável, onde não acho outra coisa em mim senão um puro nada!

Onde se refugiará, pois, a minha soberba?

Onde a presunção de alguma virtude?

Sumiu-se toda vanglória na profundeza dos vossos juízos.

4. Que é toda carne em vossa presença?

Porventura gloriar-se-á o barro contra quem o formou?

Como se pode desvanecer com vãos louvores aquele cujo coração está deveras sujeito a Deus?

Nem o mundo todo é capaz de ensoberbecer aquele a que a Verdade subjugou.

Nem os louvores de todos os lisonjeiros poderão mover aquele em que Deus põe toda a sua esperança.

Porque todos que falam não são nada, e se esvaecem como som das palavras; ao passo que a verdade do Senhor permanece para sempre (Sl 116,2).

CAPÍTULO 15 - Como se deve haver e falar cada um em seus desejos

1. Jesus: Filho, dize assim em todas as coisas: Senhor, se for do vosso agrado, faça-se isto assim.

Senhor, se for para vossa honra, suceda isto em vosso nome.

Senhor, se vos parecer que me é proveitosa e útil tal coisa, concedei-ma para que dela use para vossa glória; mas, se conheceis que me seria nociva e sem proveito para minha salvação, tirai-me tal desejo; porque nem todo desejo procede do Espírito Santo, ainda que nos pareça bom e justo.

É dificultoso discernir se te move espírito bom ou mau, a desejar isto ou aquilo, ou se te move tua própria vontade.

Muitos se acharam no fim enganados, que a princípio pareciam animados de bom espírito.

2. Qualquer coisa, pois, que se te afigura desejável, deves sempre desejá-la e pedir com temor de Deus e humildade de coração, particularmente encomendar-me tudo com sincera resignação, dizendo:

Vós sabeis, Senhor, o que é melhor; faça-se isto ou aquilo, conforme vossa vontade.

Dai-me o que quiserdes, quanto e quando quiserdes.

Disponde de mim como entendeis, como mais vos agradar e para maior glória vossa.

Ponde-me onde quiserdes e disponde de mim livremente em tudo; estou em vossas mãos, virai-me e revirai-me segundo vos parecer.

Eis aqui vosso servo, pronto para tudo; pois não desejo viver para mim, mas para vós, oxalá com dignidade e perfeição.

Oração para pedir a Deus a graça de cumprir a sua vontade.

3. Concedei-me, benigníssimo Jesus, que a vossa graça esteja comigo, comigo trabalhe e persevere comigo até ao fim.

Dai-me que deseje e queira sempre o que mais vos for aceito e agradável.

Vossa vontade seja a minha, e a minha acompanhe sempre a vossa e se conforme em tudo com ela.

Tenha eu convosco o mesmo querer e não querer, de modo que não possa querer ou não querer, senão o que vós quereis ou não quereis.

4. Fazei que eu morra a tudo que é do mundo, e que deseje ser desprezado e esquecido neste século, por vosso amor.

Dai-me que descanse em vós acima de todos os bens desejáveis, e repouse em vós o meu coração.

Vós sois a verdadeira paz do coração e seu único descanso; fora de vós tudo é inquietação e desassossego.

"Nesta paz verdadeira, que sois vós, sumo e eterno bem, quero dormir e descansar" (Sl 4,9). Amém.


CAPÍTULO 16 - Que só em Deus se há de buscar a verdadeira consolação

1. Tudo que posso desejar ou procurar para meu consolo não o espero nesta vida, mas na futura, porque ainda que eu tivesse todas as consolações do mundo e pudesse fruir todas as suas delícias, certo é que não poderiam durar muito tempo.

Portanto, considera, ó minha alma, que não poderás achar consolo pleno e alegria perfeita senão em Deus, que consola os pobres e agasalha os humildes.

Espera um pouco, ó minha alma, espera a divina promessa, e no céu terás todos os bens em abundâncias.

Se desordenadamente desejares os bens presentes, perderás os eternos e celestes.

Usa das coisas temporais, mas deseja as eternas.

Não te podes satisfazer bem algum temporal, porque não foste criada para gozá-los.

2. Ainda que possuísses todos os bens criados, não poderias ser feliz e estar contente, porque só em Deus, criador de tudo, consiste tua bem-aventurança e felicidade; não qual a entendem e louvam os amadores do mundo, mas como a esperam os bons servos de Cristo, e às vezes antegozam as pessoas espirituais e limpas de coração, cuja conversação está nos céus (Flp 3,20).

Curto e vão é todo consolo humano; bendita e verdadeira a consolação que a verdade nos comunica interiormente.

O homem devoto em toda parte traz consigo seu consolador, Jesus, e lhe diz: Assisti-me, Senhor Jesus, em todo lugar e tempo.

Seja, pois, esta a minha consolação: o carecer voluntariamente de toda consolação humana.

E se me faltar também vosso consolo, seja para mim vossa vontade, que justamente me experimenta, a suprema consolação.

Porque não dura sempre a vossa ira, nem nos ameaçareis eternamente (Sl 102,9).

CAPÍTULO 17 - Que todo o nosso cuidado devemos entregar a Deus

1. Jesus: Filho, deixa-me fazer contigo o que quero; eu sei o que te convém.

Tu pensas como homem, e julgas em muitas coisas consoante te persuade o afeto humano.

2. A alma: Senhor, verdade é o que dizeis.

Maior é vossa solicitude por mim, que todo o cuidado que eu comigo possa ter.

Está em grande perigo de cair quem não entrega a vós todos os seus cuidados.

Fazei de mim, Senhor, tudo o que quiserdes, contanto que permaneça em vós, reta e firme, a minha vontade.

Pois não pode deixar de ser bom tudo o que fizerdes de mim.

Se quereis que esteja nas trevas, bendito sejais; e se quereis que esteja na luz, sede também bendito.

Se quereis que esteja consolado, sede bendito, e se quereis que esteja tribulado, sede igualmente para sempre bendito.

3. Jesus: Filho, assim deves pensar, se desejas andar comigo.

Tão pronto deves estar para sofrer como para gozar; para a pobreza e indigência, como para a riqueza e abundância.

4. A alma: Por ti Senhor, sofrerei de bom grado tudo que quiserdes que me sobrevenha.

De vossa mão quero aceitar, indiferentemente, o bem e o mal, as doçuras e as amarguras, as alegrias e as tristezas, e quero dar-vos graças por tudo que me suceder.

Livrai-me de todo pecado, e não temerei nem morte nem inferno.

Contanto que não me rejeiteis eternamente, não me fará mal qualquer tribulação que me sobrevenha.



CAPÍTULO 18 - Como, a exemplo de Cristo, se hão de sofrer com igualdade de ânimo as misérias temporais

1. Jesus: Filho, desci do céu para tua salvação; tomei tuas misérias, não levado pela necessidade, mas pelo amor, para ensinar-te a paciência e a suportar com resignação as misérias temporais.

Porque, desde a hora do meu nascimento até à morte na cruz, nunca estive um instante sem sofrer.

Padeci grande penúria dos bens terrestres: ouvi muitas vezes grandes queixas de mim; sofri com brandura injúrias e opróbrios; recebi, pelos benefícios, ingratidões, pelos milagres, blasfêmias, pela doutrina, repreensões.

2. A alma: Senhor, já que fostes tão paciente em vossa vida, cumprindo nisso principalmente a vontade de vosso Pai, justo é que eu, mísero pecador, me sofra a mim com paciência, conforme quereis, e suporte por minha salvação o fardo desta vida corruptível.

Porque, se bem que a vida presente seja pesada, torna-se, contudo, com a vossa graça, muito meritória e, com vosso exemplo e o de vossos santos, mais tolerável e leve para os fracos.

É também muito mais consolada do que outrora, na lei antiga, quando a porta do céu estava fechada, e bem poucos tratavam de buscar o reino dos céus.

Nem os justos sequer e predestinados podiam entrar no reino celeste antes da vossa paixão e resgate da vossa sagrada morte.

3. Oh! Quantas graças vos devo render, por vos terdes dignado mostrar a mim e a todos os fiéis o caminho direito e seguro para vosso reino eterno!

Porque vossa vida é o nosso caminho e pela santa paciência caminhamos para vós, que sois nossa coroa.

Sem vosso exemplo e ensino, quem cuidaria de vos seguir?

Ah! Quantos ficariam atrás, bem longe, se não vissem vossos luminosos exemplos!

E se ainda andamos tíbios, com tantos prodígios e ensinamentos, que seria se não tivéssemos tantas luzes para vos seguir?

CAPÍTULO 19 - Do sofrimento das injúrias e quem é provado verdadeiro paciente

1. Jesus: Filho, que é o que estás dizendo?

Deixa de te queixar, em vista da minha paixão e dos sofrimentos dos santos.

Ainda não tens resistido até derramar sangue.

Pouco é o que sofres em comparação do muito que padeceram eles em tão fortes tentações, tão graves tribulações, tão várias provações e angústias.

Convém, pois que te lembres dos graves trabalhos dos outros, para que mais facilmente sofras os teus, que são mais leves.

E se te não parecem tão leves, olha, não venha isso de tua impaciência.

Contudo, sejam graves ou leves, procura levá-los todos com paciência.

2. Quanto melhor te dispões para padecer, tanto mais paciente serás em tuas ações e maiores merecimentos ganharás; com a resignação e a prática torna-se também mais suave o sofrimento.

Não digas: não posso sofrer isto daquele homem, nem estou para aturar tais coisas, pois me fez grave injúria e me acusa de coisas que jamais imaginei; de outros sofreria facilmente, quanto julgasse que devia sofrer.

Insensato é semelhante pensar, pois não considera a virtude da paciência nem olha àquele que há de coroá-la, mas só atende às pessoas e às ofensas recebidas.

3. Não é verdadeiro sofredor quem só quer sofrer quanto lhe parece e de quem lhe apraz.

O verdadeiro paciente também não repara em quem exercita a paciência; se for seu superior, ou igual, ou inferior, se for homem bom e santo, ou mau e perverso.

Mas, sem diferença de pessoa, sempre que lhe sucede qualquer adversidade, aceita-a gratamente da mão de Deus e a considera um grande lucro para sua alma.

Porque aos olhos de Deus qualquer coisa, por insignificante que seja, que soframos por amor dele terá seu merecimento.

4. Aparelha-te, pois, para o combate, se queres a vitória.

Sem peleja não podes chegar à coroa da vitória.

Se não queres sofrer, renuncia à coroa; mas, se desejas ser coroado, luta varonilmente e sofre com paciência.

Sem trabalho não se consegue o descanso e sem combate não se alcança a vitória.

5. A alma: Tornai-me, Senhor, possível, pela graça, o que me parece impossível pela natureza.

Vós bem sabeis quão pouco sei sofrer, e que logo fico desanimado com a menor contrariedade.

Tornai-me amável e desejável qualquer prova e aflição, por vosso amor, porque o padecer e penar por vós é muito proveitoso à minha alma.

CAPÍTULO 20 - Da confissão da própria fraqueza, e das misérias desta vida

1. A alma: Confesso contra mim mesmo minha maldade (Sl 31,5), confesso, Senhor, minha fraqueza.

Muitas vezes a menor coisa basta para me abater e entristecer.

Proponho agir valorosamente, mas assim que me sobrevém uma pequena tentação, vejo-me em grandes apuros.

Às vezes é de uma coisa mesquinha que me vem grave aflição.

E quando me julgo algum tanto seguro, vejo-me, não raro, vencido por um sopro, quando menos o penso.

2. Olhai, pois, Senhor, para esta minha baixeza e fragilidade, que conheceis perfeitamente.

Compadecei-vos de mim e tirai-me da lama, para que não fique atolado (Sl 68,18) e arruinado para sempre.

É isto que a miúdo me atormenta e confunde em vossa presença: o ser eu tão inclinado a cair, e tão fraco a resistir às paixões.

E embora não me levem ao pleno consentimento, muito me molestam e afligem seus assaltos, e muito me enfastia o viver sempre nesta peleja.

Nisto conheço minha fraqueza, que mais depressa me vem do que se vão essas abomináveis fantasias da imaginação.

3. Ó poderosíssimo Deus de Israel, zelador das almas fiéis, olhai para os trabalhos e dores de vosso servo, e assisti-lhe em todos os seus empreendimentos!

Confortai-me com a força celestial, para que não me vença e domine o homem velho, a mísera carne, ainda não inteiramente sujeita ao espírito, contra a qual será necessário pelejar enquanto estiver nesta miserável vida.

Ai! que vida é esta, em que nunca faltam as tribulações e misérias, em que tudo está cheio de inimigos e ciladas!

Porque mal acaba uma tribulação ou tentação, outra já se aproxima, e até antes de acabar um combate, muitos outros já sobrevêm, e inesperados.

4. E como se pode amar uma vida cheia de tantas amarguras, sujeita a tantas calamidades e misérias?

Como se pode chamar vida o que gera tantas mortes e desgraças?

E, não obstante, muitos amam e procuram nela deleitar-se.

Muitos acoimam o mundo de enganador e vão, e ainda assim lhes custa deixá-lo, porque se deixam dominar pelos apetites da carne.

Muitas coisas nos inclinam a amar o mundo, outras a desprezá-lo.

Fazem amar o mundo a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida; mas as penas e as misérias que estas coisas se seguem geram o ódio e aborrecimento do mundo.

5. Infelizmente, o vil deleite vence a alma mundana, que julga delícia o estar em meio dos espinhos (Jó 30,7), porque nunca viu nem provou a doçura de Deus, nem a intrínseca suavidade da virtude.

Mas aqueles que perfeitamente desprezam o mundo e procuram viver para Deus, em santa disciplina, experimentam a doçura divina, e mais claramente conhecem os erros grosseiros do mundo e seus vários enganos.

CAPÍTULO 21 - Como se deve descansar em Deus sobre todos os bens e dons

1. A alma: Ó minha alma, em tudo e acima de tudo descansa sempre no Senhor, porque ele é o eterno repouso dos santos.

Dai-me, ó dulcíssimo e amantíssimo Jesus, que eu descanse em vós mais que em toda criatura; mais que na saúde e formosura; mais que na glória e honra, no poder e dignidade; mais que em toda ciência e sutileza; mais que em todas as riquezas e artes; mais que na alegria e no divertimento; mais que na fama e no louvor; mais que nas doçuras e consolações, esperanças e promessas, desejos e méritos; mais que em todos os dons e dádivas que me podeis dar e infundir; mais que em todo gozo e alegria que minha alma possa experimentar e sentir; finalmente, mais que nos anjos e arcanjos e todo o exército celeste; acima de todo o visível e invisível, acima, enfim, de tudo aquilo que vós, meu Deus, não sois.

2. Porquanto vós, meu Deus, sois bom acima de todas as coisas.

Só vós sois altíssimo, só vós poderosíssimo, só vós suficientíssimo e pleníssimo, só vós suavíssimo e verdadeiro consolador, só vós formosíssimo e amantíssimo, só vós nobilíssimo e gloriosíssimo sobre todas as coisas, em quem se olham, a um tempo e plenamente, todos os bens passados, presentes e futuros.

Por isso é mesquinho e insuficiente tudo quanto fora de vós mesmo me dais, revelais ou prometeis, enquanto vos não vejo e possuo inteiramente; porque meu coração não pode descansar verdadeiramente, nem estar totalmente satisfeito a não ser em vós, acima de todos os dons e de todas as criaturas.

3. Ó meu Jesus, esposo diletíssimo, amante puríssimo, senhor absoluto de toda a criação, quem me dera às asas da verdadeira liberdade para voar e repousar em vós!

Oh! Quando me será concedido ocupar-me totalmente de vós e experimentar vossa doçura, Senhor meu Deus!

Quando estarei tão perfeitamente recolhido em vós, que não me sinta a mim mesmo por vosso amor, mas só a vós, acima de toda sensação e medida, que nem todos conhecem!

Agora, porém, não cesso de gemer, e levo, cheio de dor, o peso de minha infelicidade; pois neste vale de lágrimas sucedem tantos males, que muitas vezes me perturbam, entristecem e anuviam a alma; outras vezes me embaraçam, distraem, atraem e emaranham, para me impossibilitar vosso acesso e me privar das doces carícias, que gozam sempre os espíritos bem-aventurados!

Deixai-vos enternecer por meus suspiros e tantas amarguras que padeço nesta terra.

4. Ó Jesus, esplendor da eterna glória, consolo da alma desterrada, diante de vós emudece minha boca e meu silêncio vos fala:

Até quando tardará a vir o meu Senhor?

Venha a este seu servo pobrezinho, trazer-lhe alegria; estenda-lhe a mão e livre este miserável de toda angústia.

Vinde, vinde, porque sem vós não posso ter nem um dia, nem uma hora feliz, pois vós sois minha alegria, e sem vós está vazio meu coração.

Miserável sou, como que preso e carregado de grilhões, enquanto me não recreeis com a luz de vossa presença e me deis a liberdade, mostrando-me benigno semblante.

5. Busquem outros o que quiserem em lugar de vós, a mim nenhuma coisa me há de agradar jamais, senão, vós, meu Deus, minha esperança e salvação eterna.

Não calarei, nem cessarei de orar, até que volte vossa graça, e vós me faleis no interior.

6. Jesus: Aqui me tens, venho a ti, porque me chamaste.

Moveram-me tuas lágrimas e os desejos de tua alma; a humildade e a contrição do teu coração me trouxeram a ti.

7. A Alma: Eu disse: Chamei-vos, Senhor, e desejei gozar-vos, disposto a desprezar tudo por vosso amor, que vós primeiro me inspirastes buscar-vos.

Sede, pois, bendito, Senhor, pela bondade que usais para com vosso servo, segundo vossa infinita misericórdia.

Que mais pode fazer vosso servo em vossa presença, senão humilhar-se profundamente diante de vós, e lembrar-se sempre de sua maldade e vileza?

Pois nada há semelhante a vós, entre todas as maravilhas do céu e da terra.

Vossas obras são perfeitíssimas, vossos juízos verdadeiros, e vossa providência governa todas as coisas.

Louvor e glória, pois, a vós, ó Sabedoria do Pai, minha boca vos louva e minha alma vos engrandece, juntamente com todas as criaturas.


CAPÍTULO 22 - Da recordação dos inumeráveis benefícios de Deus

1. A alma: Abri, Senhor, meu coração à vossa lei, e ensinai-me o caminho de vossos preceitos.

Fazei-me compreender a vossa vontade, e com grande reverência e diligente consideração rememorar os vossos benefícios, gerais ou particulares, para assim render-vos por eles as devidas graças.

Bem sei e confesso que nem pelo menor benefício vos posso render condignos louvores e agradecimentos.

Eu me reconheço inferior a todos os bens que me destes, e quando considero vossa majestade, abate-se meu espírito com o peso de vossa grandeza.

2. Tudo o que temos, na alma e no corpo, todos os bens que possuímos, internos e externos, naturais e sobrenaturais, todos são benefícios vossos, e outras tantas provas de vossa bondade, liberalidade e munificência, que de vós todos os bens recebemos.

E ainda que este receba mais e outros menos, tudo é vosso, e sem vós ninguém pode alcançar a menor coisa.

E aquele que recebeu mais não pode gloriar-se de seu merecimento, nem se elevar acima dos outros, nem desprezar o menor; porque só é maior e melhor aquele que menos atribui a si, e é mais humilde e fervoroso em vos agradecer.

E quem se considera mais vil e se julga o mais indigno de todos é o mais apto para receber maiores dons.

3. O que, porém, recebeu menos não deve afligir-se, nem se queixar, nem ter inveja do mais rico; olhará, ao contrário, para vós, e louvará vossa bondade, que tão copiosa e liberalmente prodigalizais vossas dádivas, sem acepção de pessoas.

De vós nos vêm todas as coisas; por todas, pois, deveis ser louvado.

Vós sabeis o que é conveniente dar a cada um, e não nos pertence indagar por que este tem menos, aquele mais; só vós podeis avaliar os merecimentos de cada um

4. Por isso, Senhor meu Deus, considero como grande benefício o não ter eu muitas coisas que trazem a glória exterior e os humanos louvores.

Portanto, ninguém, à vista de sua pobreza e da vileza de sua pessoa, deve conceber, por isso, desgosto, tristeza ou desalento, senão grande alegria e consolo, porque vós, Deus meu, escolheste por vossos particulares e íntimos amigos os pobres, os humildes e os desprezados deste mundo.

Testemunho disto são vossos apóstolos, a quem constituístes príncipes sobre a terra. Todavia, viveram neste mundo tão sem queixa, tão humildes e com tanta singeleza da alma, tão sem malícia ou dolo, que se alegravam de sofrer contumélias por vosso nome, e com grande afeto abraçavam o que o mundo aborrece.

5. Nada, pois, deve alegrar tanto aquele que vos ama e reconhece vossos benefícios, como ver executar-se a seu respeito vossa vontade e o beneplácito de vossas eternas disposições.

Tanto deve com isto estar contente e satisfeito, que queira de tão boa vontade ser o menor, como outro desejaria ser o maior; e tão sossegado e contente deve estar no último como no primeiro lugar, tão satisfeito em ser desprezado e abatido, sem nome nem reputação, como se fosse o mais honrado e estimado no mundo.

Porque a vossa vontade e o amor de vossa honra deve ser anteposto a tudo, e deve consolar e agradar mais ao vosso servo, que todos os dons presentes ou futuros.



CAPÍTULO 23 - Das quatro coisas que produzem grande paz

1. Jesus: Filho, vou agora te ensinar o caminho da paz e da verdadeira liberdade.

2. A alma: Fazei, Senhor, o que dizeis, que muito grato me é ouvi-lo.

3. Jesus: Filho, trata de fazer antes a vontade alheia que a tua.

Prefere sempre ter menos que mais.

Busca sempre o último lugar e sujeita-te a todos.

Deseja sempre e roga que se cumpra plenamente em ti a vontade de Deus.

O homem que assim procede penetra na região da paz e do descanso.

4. A alma: Senhor, este vosso discurso é breve, mas encerra muita perfeição.

Poucas são as palavras, cheias, porém, de sabedoria e de copioso fruto.

Se eu as praticasse fielmente, não me deixaria perturbar com tanta facilidade.

Pois, todas as vezes que me sinto inquieto e aflito, verifico que me desviei desta doutrina.

Vós, porém, que tudo podeis e desejais sempre o progresso da alma, aumentai em mim a graça, para que possa guardar vossos ensinamentos e levar a efeito minha salvação.

Oração contra os maus pensamentos:

5. Senhor, meu Deus, não vos aparteis de mim, meu Deus dignai-vos socorrer-me (Sl 70,13). Pois me invadem vários pensamentos, e grandes temores afligem minha alma.

Como escaparei ileso, como poderei vencê-los?

6. Diante de ti, são palavras vossas, irei eu e humilharei os soberbos da terra (Is 14,1); abrir-te-ei as portas do cárcere e te revelarei mistérios recônditos.

7. Fazei Senhor, conforme dizeis e dissipe vossa presença todos os maus pensamentos.

Esta é a minha única esperança e consolação: a vós recorrer em toda tribulação, em vós confiar, invocar-vos de todo o coração e com paciência aguardar a vossa consolação. Amém.

Oração para pedir o esclarecimento do espírito:

8. Iluminai-me, ó bom Jesus, com a claridade da luz interior e dissipai todas as trevas que reinam em meu coração.

Refreai as dissipações nocivas e rebatei as tentações, que me fazem violência.

Pelejai valorosamente por mim, e afugentai as más feras, essas traiçoeiras concupiscências, para que se faça a paz por vossa virtude, e ressoe perene louvor no templo santo, que é a consciência pura.

Mandai aos ventos e às tempestades; dizei ao mar: aplaca-te, e ao tufão: não sopres; e haverá grande bonança.

9. "Enviai vossa luz e vossa verdade" (Sl 42,3), para que resplandeçam sobre a terra; porque sou terra vazia e estéril, enquanto não me iluminais.

Derramai sobre mim vossa graça e banhai o meu coração com o orvalho celestial; abri as fontes de devoção, que reguem a face da terra, para que produza frutos bons e perfeitos.

Erguei meu espírito abatido pelo peso dos pecados e dirigi meus desejos paras as coisas do céu, para que, antegozando a doçura da suprema felicidade, me aborreça em pensar nas coisas da terra.

10. Desprendei-me e arrancai-me de toda transitória consolação das criaturas, porque nenhuma coisa criada pode consolar-me plenamente ou satisfazer meus desejos.

Uni-me convosco pelo vínculo indissolúvel do amor, porque só vós bastais a quem vos ama, e sem vós tudo o mais é vaidade. Amém.



CAPÍTULO 24 - Como se deve evitar a curiosa inquirição da vida alheia

1. Jesus: Filho, não sejais curioso, nem te preocupes com cuidados inúteis.

Que tens tu com isto ou aquilo? Segue-me.

Pois que te importa saber se fulano é assim ou assim ou se sicrano procede e fala deste ou daquele modo?

Tu não és responsável pelos outros, mas de ti mesmo deves dar conta; por que, pois, te intrometes naquilo?

Eu conheço a todos e vejo tudo que se faz debaixo do sol; sei como cada um procede, o que pensa e quer, e a que fim tende sua intenção.

Deixa, pois, tudo ao meu cuidado, conserva-te em santa paz e deixa o inquieto agitar-se quando quiser. Sobre ele recairá tudo o que fizer ou disser, porque não me pode enganar.

2. Não te preocupes da sombra dum grande nome, nem da familiaridade de muitos, nem de amizade particular dos homens.

Pois tudo isso gera distrações e grande perplexidade ao coração.

Eu não duvidaria falar-te e descobrir-te os meus segredos, se atento esperasses minha chegada e me abrisses a porta de teu coração.

Sê cauteloso, vigia na oração, e humilha-te em todas as coisas.

CAPÍTULO 25 - Em que consiste a firme paz do coração e o verdadeiro aproveitamento

1. Jesus: Filho, eu disse a meus discípulos: Eu vos deixo a paz; dou-vos a minha paz; não vo-la dou como a dá o mundo (Jo 14,27).

Todos desejam a paz, mas nem todos buscam as coisas que produzem a verdadeira paz.

A minha paz está com os humildes e mansos de coração.

Na muita paciência encontrarás a tua paz.

Se me ouvires e seguires a minha voz, poderás gozar grande paz.

2. A alma: Que hei de fazer, pois, Senhor?

3. Jesus: Em tudo olha bem o que fazes e dizes, e dirige toda a tua intenção só para meu agrado, sem desejar ou buscar coisa alguma fora de mim.

Não julgues temerariamente das palavras e obras dos outros, nem te intrometas em coisas que não te dizem respeito; deste modo poderá ser que pouco ou raras vezes te perturbes.

4. Nunca sentir, porém, inquietação, nem sofrer moléstia alguma do corpo ou do espírito, não é próprio da vida presente, senão do estado do eterno descanso.

Não julgues, pois, ter achado a verdadeira paz, se não sentires nenhuma aflição; nem que tudo está bem, se não tiveres nenhum adversário, ou tudo perfeito, se tudo correr a teu gosto.

Nem penses que és grande coisa ou singularmente amado por Deus, se sentes muita devoção e doçura, porque não são estes os sinais pelos quais se conhece o verdadeiro amante da virtude, nem consiste nisso o aproveitamento e a perfeição do homem.

5. A alma: Em que consiste, pois, Senhor?

6. Jesus: Em te ofereceres de todo o teu coração à divina vontade, sem buscares o teu próprio interesse em coisa alguma, nem eterna; de sorte que com igualdade de ânimo dês graças a Deus na ventura e na desgraça, pesando tudo na mesma balança.

Se fores tão forte e constante na esperança que, privado de toda consolação interior, disponhas teu coração para maiores provações, sem te justificares, como se não deveras sofrer tanto, e antes louvares a santidade e a justiça em todas as minhas disposições, então andarás no verdadeiro e reto caminho da paz e poderás ter certíssima esperança de contemplar novamente minha face com júbilo.

E, se chegares ao perfeito desprezo de ti mesmo, fica sabendo que então gozarás da abundância da paz, no grau possível nesta peregrinação terrestre.




CAPÍTULO 26 - Excelência da liberdade espiritual, à qual se chega antes pela oração humilde que pela leitura

1. A alma: Senhor, é próprio do varão perfeito: nunca perder de vista as coisas celestiais, e passar pelos mil cuidados, como que sem cuidado, não por indolência, mas por um privilégio duma alma livre, que não se apega, com desordenado afeto, a criatura alguma.

2. Peço-vos, ó meu benigníssimo Deus! Preservai-me dos cuidados desta vida, para que não me embarace demasiadamente neles; das muitas necessidades do corpo, para que não me escravize a sensualidade; e de todas as perturbações da alma, para que não me desalente sob o peso das angústias.

Não falo das coisas que a vaidade humana busca tão empenhadamente, mas das misérias que, pela maldição comum de todos os mortais, penosamente oprimem a alma de vosso servo, e a impedem de elevar-se à liberdade perfeita de espírito, sempre que o quiser.

3. Ó meu Deus, doçura inefável! Convertei-me em amargura toda consolação carnal, que me aparta do amor das coisas eternas e me fascina pelo encanto de um prazer momentâneo.

Não me vença, Deus meu, não me vença a carne e o sangue; não me seduza o mundo, com sua glória passageira; não me faça cair o demônio, com sua astúcia.

Dai-me força para resistir, paciência para sofrer, constância para perseverar.

Dai-me, em lugar de todas as consolações do mundo, a suavíssima unção do vosso espírito e, em lugar do amor terrestre, infundi-me o amor de vosso nome!

4. O comer, o beber, o vestir e outras coisas necessárias ao corpo são um peso para a alma fervorosa.

Concedei-me usar com moderação de tais lenitivos, sem me prender a eles com demasiado afeto.

Não é lícito rejeitar tudo, pois devemos sustentar a natureza; mas buscar as coisas supérfluas e o que mais delicia, proíbe-o vossa santa lei, porque de outro modo a carne se rebelará contra o espírito.

Entre estes dois extremos, Senhor, peço-vos que me dirijas e governes na vossa mão, para que não pratique algum excesso.


CAPÍTULO 27 - Como o amor-próprio afasta no máximo grau do sumo bem

1. Jesus: Filho, cumpre que dês tudo por tudo, sem reservar-te a ti mesmo.

Fica sabendo que teu amor-próprio te prejudica mais que qualquer coisa do mundo.

Cada objeto mais ou menos te prende, segundo o amor e afeto que lhe tens.

Se teu amor for puro, simples e bem ordenado, de nenhuma coisa serás escravo.

Não cobices o que não te é lícito possuir, nem possuas coisa alguma que te possa impedir a liberdade interior ou dela privar-te.

É de estranhar que te não entregues a mim, do íntimo do teu coração, com tudo que possas ter ou desejar.

2. Por que te consomes em vã tristeza?

Por que te afanas em cuidados supérfluos?

Conforma-te com a minha vontade e nenhum dano sofrerás.

Se buscares isto ou aquilo, se desejares estar aqui ou ali, por tua comodidade ou teu capricho, nunca estarás quieto, nem livre de cuidados, porque em todas as coisas há algum defeito, e em todo lugar quem te contrarie.

3. De nada te serve, pois, adquirir ou acumular bens exteriores, mas muito te aproveita desprezá-los e desarraigá-los do coração.

Isso não se entende somente do dinheiro e das riquezas, senão também da ambição das honras, e do desejo de vãos louvores porque tudo isso passa com o mundo.

Pouco resguarda o lugar, se falta o espírito de fervor; nem durará muito tempo aquela paz procurada fora, se faltar ao teu coração o verdadeiro fundamento. Isto é, se não se firmar em mim.

Mudar tu podes, mas não melhorar, porque, chegada a ocasião, e aceitando-a, encontrarás de novo aquilo de que fugiste e pior ainda.

Oração para implorar a limpeza do coração e sabedoria celestial:

3. Confirmai-me Senhor, pela graça do Espírito Santo.

Confortai em mim o homem interior e livrai meu coração de todo cuidado inútil e de toda ansiedade, para que não me deixe seduzir pelos vários desejos das coisas terrenas, sejam vis ou preciosas, mas para que as considere todas como transitórias, e me lembre que eu mesmo sou passageiro, como elas:

Pois "nada há estável debaixo do sol, onde tudo é vaidade e aflição de espírito" (Ecl 1,14).

Como é sábio quem assim pensa!

4. Dai-me, Senhor, sabedoria celestial, para que aprenda a buscar-vos, e achar-vos, antes que tudo, a gostar-vos e amar-vos acima de tudo, e a compreender todas as coisas como são, segundo a ordem de vossa sabedoria.

Dai-me prudência, para afastar-me do lisonjeiro, e paciência para suportar a quem me contraria.

Porque é grande sabedoria não se deixar mover por todo sopro de palavras, nem prestar ouvidos aos traiçoeiros encantos da sereia; pois só deste modo prossegue a alma com segurança no caminho começado.

CAPÍTULO 28 - Contra as línguas maldizentes

1. Filho, não te aflijas se alguém fizer de ti mau conceito ou disser coisas que não gostas de ouvir.

Pior ainda deves julgar de ti mesmo, e avaliar-te o mais imperfeito de todos.

Se praticares a vida interior, pouco te importarás de palavras que voam.

É grande prudência calar-se nas horas da tribulação, volver-se interiormente a mim, e não se perturbar com os juízos humanos.

2. Não faças depender tua paz da boca dos homens; porque, quer julguem bem, quer mal de ti, não serás por isso homem diferente.

Onde está a verdadeira paz e a glória verdadeira?

Porventura não está em mim?

Quem não procura agradar aos homens, nem teme desagradar-lhes, esse gozará grande paz.

É do amor desordenado e do vão temor que nascem o desassossego do coração e a distração dos sentidos.



CAPÍTULO 29 - Como, durante a tribulação, devemos invocar a Deus e bendizê-lo

1. A alma: Senhor, bendito seja para sempre o vosso nome!

Pois quisestes que me sobreviesse esta tentação e este trabalho.

Não lhes posso fugir, mas tenho necessidade de recorrer a vós, para que me ajudeis e tudo convertais em meu proveito.

Eis-me, Senhor, na tribulação, com o coração aflito; e quanto me atormenta o presente sofrimento.

Pois que direi eu agora, Pai amantíssimo? Apertado estou entre angústias: "Salvai-me nesta hora" Jo 7,27.

Veio sobre mim esta hora, só para que vós fôsseis glorificado (Jo 12,17), quando eu estivesse muito abatido e fosse por vós livrado".

"Dignai-vos, Senhor, livrar-me" (Sl 39,14); pois, pobre de mim, que farei e aonde irei, sem nós?

Dai-me, Senhor, paciência ainda por esta vez.

Socorrei-me, Deus meu, e não temerei, por mais que seja atribulado.

2. E que direi em tamanha necessidade? Senhor, seja feita a vossa vontade.

Bem mereço ser atribulado e angustiado.

Convém-me sofrer, e oxalá seja com paciência, até que passe a tempestade e volte a bonança.

Bastante poderosa é, entretanto, vossa mão onipotente para tirar-me esta tentação, e moderar-lhe a violência, a fim de que não sucumba de todo; assim como já tantas vezes tendes feito comigo, ó meu Deus e minha misericórdia.

E quanto mais difícil para mim, tanto mais fácil para vós é "esta mudança da destra do Altíssimo" (Sl 76,11).



CAPÍTULO 30 - Como se há de pedir o auxílio divino e confiar para recuperar a graça

1. Jesus: Filho, eu sou o Senhor, que te conforta no dia da tribulação (Na 1,7).

Vem a mim quando te achares aflito.

O que mais te impede de receber a consolação é que tarde recorres à oração.

Antes que ores com atenção, procuras consolar-te, recreando-te com vários divertimentos exteriores.

Daqui vem que pouco proveito tiras de tudo, até que conheças que sou eu quem salva do perigo os que em mim esperam, e que fora de mim não há auxílio valioso, nem conselho útil, nem remédio durável.

Uma vez, porém, que recobraste alento depois da tempestade, procura readquirir forças à luz das minhas misericórdias; pois estou perto, diz o Senhor, para tudo restaurar, não só com integridade, mas também com abundância e profusão

2. Porventura há para mim alguma coisa dificultosa (Jer 32,37), ou sou semelhante àquelas que dizem e não fazem?

Onde está a tua fé? Tem firmeza e segurança!

Mostra-te corajoso e magnânimo, e a seu tempo te virá a consolação.

Espera por mim, espera! "Virei e te curarei" (Mt 7,7).

É tentação o que te atormenta, é temor vão o que te assusta.

Que ganhas com a solicitude de um futuro contingente, senão que tenhas tristeza sobre tristeza?

A cada dia basta seu fardo (Mt 6,34).

Coisa vã e inútil é entristecer-se ou regozijar-se com as coisas futuras, que talvez nunca venham a realizar-se.

3. É próprio do homem deixar-se iludir por tais imaginações, mas é sinal de pouco ânimo ceder tão facilmente às sugestões do inimigo.

A ele pouco importa se é por meios verdadeiros ou falsos que te seduz e engana, se é com amor dos bens presentes, ou com o temor dos males futuros que te deita a perder.

"Não se perturbe, pois, teu coração, nem se amedronte" (Jo 14,27). Crê em mim, e tem confiança em minha misericórdia.

Quando te julgas muito longe de mim, mais perto estou, às vezes, de ti.

Quando pensas que está tudo quase perdido, muitas vezes está próxima a ocasião de granjeares maior merecimento.

Nem tudo está perdido, por te acontecer alguma contrariedade.

Não julgues pela impressão do momento, nem te aflijas com qualquer tribulação, venha donde vier, como se não houvesse esperança de remédio.

4. Não te julgues inteiramente desamparado, ainda quando, de tempos a tempos, te mando alguma tribulação ou te privo de alguma consolação desejada; porque é este o caminho por onde se vai ao reino dos céus.

E isto, sem dúvida, convém mais a ti e a todos os meus servos, serdes exercitados nas adversidades, do que se tudo vos sucedesse à vossa vontade.

Eu conheço os pensamentos escondidos, e sei que muito importa à tua salvação seres, às vezes, privado de toda consolação espiritual, para que não te exalte o bom progresso e te desvaneças do que não és.

O que dei posso tirar, e dar de novo, quando me aprouver.

5. É sempre meu o que dou, e quando o tiro; não tomo coisa tua, pois "de mim procede qualquer dádiva boa de todo dom perfeito" (Tg 1,17).

Se eu te enviar qualquer pena ou contrariedade, não te revoltes nem desfaleça teu coração; eu posso num momento aliviar-te e transformar tua mágoa em alegria.

Todavia, procedendo eu assim para contigo, sou justo e digno de louvor.

6. Se refletires bem e julgares as coisas segundo a verdade, não deves afligir-te tanto com a adversidade, nem desanimar, mas, ao contrário, alegrar-te e dar-me graças.

Até deve ser tua única alegria que eu te aflija com dores, sem poupar-te.

"Assim como meu Pai me amou, também eu vos amo a vós" (Jo 15,19), disse eu a meus diletos discípulos, e, entretanto, não os enviei às delícias temporais, mas às grandes pelejas, não às honras, mas aos desprezos, não aos passatempos, mas sim a produzir fruto copioso na paciência.

Meu filho, lembra-te bem destas palavras.