SANTO ANTÃO 

VIDA DE SANTO ANTÃO, POR SANTO ATANÁSIO

PARTES 1 E 2

Santo Antão nasceu entre 250 e 260 da era cristã, em Coma (Kiman-el-Arus), Egito médio, perto da antiga Heracleópolis. Seus pais morreram quando ele tinha entre 18 a 20 anos. Ele vendeu a propriedade, muito grande, distribuiu o dinheiro aos pobres, reservando algo para a educação da irmã, mas depois até dessa quantia se desfez, preferindo viver da Providência divina. Confrontou-se muito com o demônio. 

Depois de um certo tempo vai viver num cemitério abandonado, encerrando-se num mausoléu, sofrendo ataques violentíssimos do demônio. 

Aos 35 anos vai para o deserto e lá fica por 20 anos. Aos 55 anos sai da solidão e se torna Pai espiritual. Recebeu também de Deus muitos carismas nesses 20 anos de luta contra o demônio no fortim de Pispir. 

Depois que volta à convivência, forma-se em torno dele uma pequena colônia de ascetas. Eles vão a Alexandria, por ocasião da perseguição de Maximino Daia (ano 311), para confortarem os mártires de Cristo ou pensando no próprio martírio. Volta a Pispir, mas lá estava muito “povoado”, então se retira mais para dentro do Monte Colzim, perto do Mar Vermelho, mas às vezes visita seus irmãos e estes vão a ele, ou seja, não é mais uma solidão radical como fora a dos 35-55 anos.

A pedido dos bispos e dos cristãos vai uma segunda vez para Alexandria, para ajudar na luta contra o Arianismo. Passou os últimos anos de sua vida na companhia de dois discípulos.

Quando esteve em Pispir, no fortim, aos 35 anos, não recebia lá ninguém. Duas vezes por ano alguém ia e jogava pães pelo teto, pois a porta estava trancada. Ele enterrava os pães e isso os conservava por até um ano. 

O que me impressionou foi que esse retiro de 20 anos preparou-o para ser Pai Espiritual. Diz o relato de Santo Atanásio: “Foi a primeira vez que se mostrou fora do fortim aos que vieram a ele. Quando o viram, estavam estupefatos ao comprovar que seu corpo conservava a antiga aparência: não estava nem obeso pela falta de exercício nem macilento pelos jejuns e lutas com os demônios: era o mesmo homem que haviam conhecido antes de seu retiro”.  

Diz Santo Atanásio: Antão exortava a todos a nada preferir neste mundo ao amor de Cristo. Muitos o seguiram e o deserto se povoou de monges que abandonavam os seus e se inscreviam como cidadãos dos céu (cita Hebreus 3,20; 12, 23: “Seus nomes estarão escritos no céu”). Santo Antão fazia suas palestras em língua copta. 

Pontos de sua conferência aos monges, certo dia em que eles pediram:

1- Além das Escrituras, todos devem ter um diretor espiritual para orientar-se na vida cristã. 

2- Tenhamos todos o mesmo zelo, para não renunciar ao que começamos, para não perder o ânimo, para não dizer que passaram um tempo demasiado na vida ascética. Comecemos de novo cada dia, aumentemos nosso zelo. Nossa vida é breve comparada ao tempo que há de vir. Este tempo em que passamos na terra é nada comparado com a vida eterna. 

3- Tudo no mundo tem um valor, mas a promessa da vida eterna pode comprar-se por muito pouco. Se vivermos na prática da vida ascética, não reinaremos 70, 80 anos, mas para sempre. 

4- Os sofrimentos da vida presente não podem comparar-se com a glória futura que nos será revelada (Romanos 8,18).  Não renunciamos a grandes coisas. O mundo é muito trivial comparado com o céu, mesmo que fôssemos donos do mundo inteiro. O que abandonamos em vista da vida eterna é, praticamente, nada!

5- Se não quisermos abandonar as coisas terrenas pela virtude, um dia teremos que deixá-las forçosamente, como diz o Eclesiastes (2,18; 4,8; 6,2). Então, por que não fazer da necessidade uma virtude e entregá-las de modo a podermos herdar um reino por acréscimo? 

6- Nenhum de nós tenha nem sequer o desejo de possuir riquezas. Do que nos serve possuir o que não podemos levar conosco? Procuremos possuir aquilo que podemos levar conosco: prudência, justiça, temperança, fortaleza, entendimento, caridade, amor aos pobres, fé em Cristo, humildade, hospitalidade. Uma vez possuindo-as, veremos que elas vão adiante de nós, preparando-nos as boas-vindas na terra dos mansos (cf. Lc16,9; Mt 5,4). Santo Agostinho diz que elas vão adiante de nós quando as colocamos nas mãos dos pobres. 

7- Se descuidarmos da prática diária da vida ascética, um só dia, uma só noite de pecado destrói o trabalho de todo o nosso passado (Ezequiel 18,24-26; 32,12s). Por isso, nunca desanimemos na prática do ascetismo. Deus sempre vai nos ajudar. Vivamos e morramos a cada dia. Quando levantarmo-nos de manhã, achemos que não vamos chegar vivos até à noite. Quando dormirmos, achemos que não vamos despertar. 

8- Se assim fizermos, não cometeremos pecado, nada cobiçaremos, não nos mancharemos com ninguém, não acumularemos tesouros na terra; mas, como quem cada dia espera morrer, seremos pobres e perdoaremos tudo a todos. Voltar as costas para desejos impuros ou de outros prazeres desonestos, pois são coisas transitórias, combatendo sempre e tendo ante os olhos o dia do juízo. Isso faz com que vençamos a fascinação do prazer e fortaleçamos o nosso ânimo vacilante. 

9- Não olhemos para trás, como que nos arrependendo do caminho começado e lembrando-nos do que deixamos no mundo. A virtude só necessita de nossa vontade, já que está dentro de nós e brota de nós :”O Reino dos céus está dentro de vós” – Lucas 17,21. A alma é reta quando a mente se mantém no estado em que foi criada. 

PARTE 3


10-  – Lutemos para que a ira não nos domine nem a concupiscência nos escravize. Mantenha-mo-nos atentos e guardemos nosso coração com a máxima vigilância (Provérbios 4,23). Temos inimigos poderosos e fortes, os malvados demônios. É contra eles a nossa luta, e não contra gente de carne e ossos (Ef. 6,12). 

11- Sobre os demônios eu entendi, pelos escritos de Santo Atanásio, que eles usam pessoas, fatos e acontecimentos do dia a dia para nos tentar. Eles não foram criados como demônios, porque Deus não faz nem fez o mal. Foram criados puros e perderam o céu. Por isso, agora querem nos impedir de irmos para lá, pois têm inveja de nós.  Por isso é necessário muita oração e disciplina ascética para que recebamos do Espírito Santo o dom do discernimento do espírito e sermos capazes de conhecê-los. São numerosas as suas astúcias e maquinações (2Cor 2,11: “Conhecemos muito bem as suas manhas”). 

Eles nos tentam com os maus pensamentos, que são vencidos com a oração, o jejum e a confiança no Senhor. Quando não conseguem com os maus pensamentos, nos tentam de outro modo. Santo Antão coloca uma série de tipos de aparições dos demônios, que não são comuns atualmente, mas que entendi que acontecem por meio da televisão, internet e demais invenções atuais. Por exemplo, quando ele fala de aparições do demônio em forma de mulher, ou de seres descomunais, eu logo me lembro de que a televisão e a internet podem nos sugerir semelhantes coisas que podem nos levar a pecar por desejos diversos, tanto na parte sexual, como na ambição de riqueza, prazeres, vaidade, egoísmo, frieza diante do sofrimento alheio, ira, inveja, maldade, individualismo, gula, ambições desmedidas e tudo o mais. Em outras palavras: o demônio atualmente não precisa, como nos tempos de Santo Antão, aparecer para nós nas mais diversas formas: elas já estão por aí, circulando em nossos aparelhos de televisão, computadores e celulares. Aparecer para nós seria contra ele mesmo, pois aí os mais descrentes acreditariam na existência da vida eterna. 

Não devemos dar atenção às sugestões demoníacas que vemos, portanto, por aí, lembrando-nos sempre de que o demônio é mentiroso astuto. Se nos mostra alguma luz (quando desejamos alguma benfeitoria à custa do pecado), essa luz é uma parte do fogo do inferno em que ele sofre. 

O demônio pode estar escondido mesmo nos salmos e textos de escrituras, quando os entendemos a nosso modo, apenas para acalmar nossa consciência, a despeito do mal que talvez estejamos fazendo: “Ora, como diz aqui, o que estou fazendo não é pecado...”. Por exemplo, ele pode nos acordar no meio da noite para que nós pequemos, se não estivermos vigilantes. Muitas vezes nas coisas aparentemente sem mal algum está escondido o mal que podemos fazer, se não estivermos vigilantes. 

Fora dos escritos que estou comentando, quero dar um exemplo: há uma pessoa que sempre participa da missa do jeito dela: quando o padre lê o evangelho, ela se ajoelha. Não abre os braços no Pai-Nosso. Se há o abraço da paz, se fecha e não cumprimenta ninguém. No sermão, fica de pé. Tudo na maior das boas intenções de fazer penitência. Essa pessoa não está percebendo que está fazendo um ato de desobediência `as normas litúrgicas da Igreja, e o demônio gosta muito de que sejamos desobedientes, pois foi o pecado que o tirou do céu, além do pecado da soberba. Ou seja: às vezes pecamos pensando que estamos fazendo a coisa certa. É como os judeus do tempo de Jesus, que o crucificaram pensando estar agradando a Deus com esse ato. 

É assim que Santo Antão comenta esse assunto: “Fazem isto não por amor à piedade ou à verdade, mas para levar o inocente ao desespero, para apresentar a vida ascética como sem valor e fazer com que os homens se enfastiem da vida solitária como algo muito rude e demasiadamente pesado, e assim fracassem os que levam tal vida”.

Santo Antão diz que os demônios são frágeis e nada podem fazer do que nos ameaçar. Por isso, não devemos ter medo deles, mas acautelar-nos contra as suas insídias e enganos. Eles são maus e nada há que desejem mais ansiosamente do que fazer dano aos amantes da virtude e aos adoradores de Deus. O demônio não tem poder nem sobre os porcos, pois em Mateus 8,31, precisou pedir permissão a Jesus para entrarem nos porcos. A vida reta e a fé em Deus são grande arma contra eles.

“Temem aos ascetas por seu jejum, suas vigílias, orações, mansidão, tranquilidade, desprezo do dinheiro, falta de presunção, humildade, amor aos pobres, esmolas, ausência de ira, e, acima de tudo, sua lealdade para com Cristo. Esta é a razão pela qual tudo fazem para que ninguém os espezinhe. Conhecem a graça dada pelo Salvador aos crentes quando diz: 'Olhem: dei-lhes o poder de calcar aos pés serpentes e escorpiões e todo o poder do inimigo'” (Lc 10,19).

Quanto a prever coisas futuras, às vezes feitas pelo demônio, Santo Antão pergunta: “De que serve aos ouvintes saber dias antes o que se vai passar? Ou por que afanar-se em saber tais coisas, mesmo supondo que este conhecimento seja verdadeiro”? (Eu lembro, aqui, as cartomantes, os amantes do horóscopo e coisas desse tipo).

PARTE 4

Os demônios têm terror mortal do sinal da cruz de Nosso Senhor, pois na cruz o Senhor os despojou e escarmentou-os (Sl 2,15). Neste trecho o autor comenta a diferença entre a aparição de um anjo e a do demônio em forma de anjo: “Uma visão dos santos não é turbulenta, ‘pois não contenderá nem gritará’ e ninguém ouvirá sua voz nas ruas (Mt 12,19; cf. Is 42,2). Essa visão chega tão tranquila e suave, que logo haverá alegria, gozo e valor na alma. Com eles está nosso Senhor, que é nossa alegria, e o poder de Deus Pai. E os pensamentos da alma  permanecem desembaraçados e sem agitação, de modo que em sua própria brilhante transparência e possível contemplar a aparição”.

Aí o autor fala de como é a aparição dos maus: confusão, ruídos, bramidos e alaridos. A pessoa se aterroriza, distúrbios e confusão de pensamentos, desalento, ódio da vida ascética, tédio, tristeza, lembrança dos parentes, medo da morte, desejo do mal, o desprezo da virtude e completa mudança de caráter. 

RELATO DE STO. ANTÃO SOBRE SUAS EXPERIÊNCIAS COM OS DEMÔNIOS

Quantas vezes me chamaram bendito, enquanto eu os maldizia em nome do Senhor! (...) 'Uma vez chegaram com ameaças e me rodearam como soldados armados até os dentes. Noutra ocasião encheram a casa com cavalos e bestas e répteis, mas eu cantei o salmo: 'Uns confiam nos carros, outros em sua cavalaria, mas nós confiamos no nome do Senhor nosso Deus' (Sl 19,8), e a esta oração foram rechaçados pelo Senhor. Outra vez, no escuro, chegam com uma luz fátua dizendo: 'Vimos trazer-te luz, Antão'. Fechei, porém os olhos, orei, e de um golpe apagou-se a luz dos ímpios. Poucos meses depois chegaram cantando salmos e citando as Escrituras. Mas 'eu fui como um surdo que não ouve' (Sl 37,14). Uma vez sacudiram a cela de um lado a outro, mas eu rezei, permanecendo inalterável em minha mente. Voltaram então e fizeram um ruído contínuo, dando golpes, sibilando e fazendo cabriolas. Pus-me então a orar e cantar salmos, e então começaram a gritar e lamentar-se como se estivessem extenuados, e eu louvei ao Senhor que reduziu a nada seu descaramento e insensatez e lhes deu uma lição”.

Conta também que num dia em que fazia jejum, o demônio lhe mostrou alguns pães (ilusórios) e pediu que ele os comesse para não adoecer. Muitas vezes mostrou-lhe ouro no deserto que ele poderia pegar e levar. 

Noutra vez Satanás bateu à sua porta e lhe disse que,   em relação às tentações que os outros monges tinham, não era ele quem molestava os monges, mas seus embaraços tinham origem neles mesmos. Disse que havia se enfraquecido por causa das orações e das penitências dos monges, que haviam povoado o deserto. Ele sumiu quando o santo falou-lhe que Cristo, com sua vinda, o havia feito impotente. Ouvindo o nome do Salvador e incapaz de suportar o calor que isto lhe causava, sumiu. E o santo conclui: “Por isso, se até o próprio demônio confessa que não tem poder, deveríamos desprezá-lo totalmente”. E mais adiante: “Tenhamos coragem e alegremo-nos sempre como homens que estão sendo salvos. Pensemos que o Senhor está conosco, ele que afugentou os maus espíritos e lhes tirou o poder”. (...)”Se nos encontram alegrando-nos no Senhor, meditando nos bens futuros e contemplando as coisas que são do Senhor, considerando que tudo isto está em Suas mãos e que o demônio não tem poder sobre um cristão, que, de fato, não tem  poder sobre ninguém, absolutamente, então, vendo a alma salvaguardada com tais pensamentos, envergonham-se e voltam atrás.”.

VIRTUDE MONÁSTICA

Santo Atanásio fala de como viviam aqueles eremitas: “Suas celas solitárias nas colinas eram assim como tendas cheias de coros divinos, cantando salmos, estudando, jejuando, orando, gozando com a esperança da vida futura, trabalhando para dar esmolas e preservando o amor e a harmonia entre si. E em realidade, era como ver um país diferente, uma terra de piedade e justiça. Não havia nem malfeitores nem vítimas do mal, nem acusações do cobrador de impostos, mas uma multidão de ascetas, todos com um só propósito: a virtude”.

Comenta, em seguida, como era difícil para Antão ter que satisfazer suas necessidades corporais, como alimentar-se, dormir etc. Tinha vergonha de saber que os outros o viram comendo. Comia por absoluta necessidade de seu corpo. Falava-lhes que se deveria dar todo o tempo à alma antes que ao corpo.  Nossa primeira atenção não deve ser o corpo, mas a alma, que não deveria ser arrastada para baixo pelos prazeres do corpo, mas este é que deve ser posto sob a sujeição da alma. Cita Lucas 12,22.29-31; Mateus 6,31-33. 

 

PARTE QUINTA

A PERSEGUIÇÃO DO IMPERADOR MAXIMINO EM 311

Santo Atanásio comenta que Santo Antão foi a Alexandria para tomar parte no combate (paganismo contra cristianismo), mas não queria se entregar, pois a Igreja, percebendo que muitos iam espontaneamente entregar-se às autoridades buscando o martírio, proibiu isso. Santo Antão servia aos confessores da fé nas minas e nas prisões. Santo Antão era um exemplo de vida. Ele, como Carlos de Foucauld diria mais tarde, gritava o evangelho com sua vida. 

O MARTÍRIO DIÁRIO DA VIDA MONÁSTICA

Santo Antão, como muitos do seu tempo, nunca tomou banho. Nem mesmo lavava os pés e nunca os colocava na água sem necessidade. Usava uma veste interna de pelo e uma externa de couro, e nunca as trocou até o dia de sua morte. Nunca alguém viu seu corpo nu, até o dia de sua morte. Depois da morte de um eremita que lhe fazia companhia, “voltou à solidão de sua cela e aí foi mártir cotidiano em sua consciência, lutando sempre as batalhas da fé. Praticou uma vida ascética cheia de zelo e mais intensa”.

Diz o autor que Santo Antão, depois que voltou a ficar sozinho, trancou-se em sua cela e não recebia ninguém. Muitos ficavam do lado de fora, e até dormiam ali, em busca da cura para si ou para outras pessoas. Quando insistiam muito, ele falava lá de dentro, sem abrir a porta, para a pessoa rezar e pedir a Deus. Depois que ele falava isso, as pessoas conseguiam a cura. 

BUSCA DO DESERTO INTERIOR

Como as pessoas não deixassem de importuná-lo, pensou ir a Alta Tebaida, mas uma voz dissuadiu-o disso, dizendo que lá teria maiores importunações, e o aconselhou a procurar o deserto interior. Perguntando-se a si mesmo onde estaria o caminho para esse lugar, viu uns sarracenos que estavam indo para tomar esse caminho. Eles o trataram bem, talvez impelidos por Deus, e Antão acompanhou-os por três dias e três noites, até uma montanha muito alta, ao pé da qual havia uma água clara como cristal, muito fresca, numa planície, e algumas tamareiras. Era o monte Colzim, no deserto de Qalala, ao sul, 180km a sueste de Alexandria, entre o Nilo e o Mar Vermelho. Havia como que encontrado o seu lar. Os sarracenos se admiraram do entusiasmo dele e deram-lhe pães. Começaram a fazer daquele lugar uma parada no caminho e levavam-lhe pães. Havia também as tamareiras, mas para uma refeição frugal. 

Antão resolveu não incomodar aquelas pessoas que lhe traziam com muito sacrifício o pão e passou a plantar grãos num pedaço do terreno. “Assim o fez cada ano e conseguia seu pão”. Ficou feliz por não ter que ser molesto a ninguém. Quando começou a receber visitas, começou a cultivar também algumas hortaliças para essas pessoas. 

DE NOVO OS DEMÔNIOS

Alguns irmãos que o visitavam rogaram-lhe que recebesse azeitonas, legumes e azeite, pois já era um ancião. Muitas vezes aceitava para pararem de importuná-lo, mas continuou sozinho, na oração e na prática da vida ascética. 

Esses visitantes narravam que o santo voltou a ter ataques dos demônios. Ali se ouviam tumultos e muitas vozes e clamor como de armas. À noite a montanha se enchia de animais selvagens. Antão lutava como que contra inimigos visíveis. Mas nunca foi atingido nem pelos animais selvagens, nem pelos ataques dos demônios. 

Antão fazia cestos e os dava aos visitantes em troca do que lhe traziam. Os demônios tentavam perturbar esse seu trabalho, mas nunca conseguiram que ele saísse do deserto. 


ANTÃO VISITA OS IRMÃOS AO LONGO DO NILO

Ele foi com alguns monges que vieram ao seu encontro e o convidaram a visitá-los por algum tempo. No caminho faltou água e após muito tempo, já cansados, encontraram uma poça com água de chuva. Estavam fracos demais para caminhar e os camelos fugiram. Eles entraram em desespero. Aí Antão isolou-se um pouco, orou e Deus fez aparecer uma fonte ali onde ele orava. Todos puderam beber e refrescar-se. Caminharam e encontraram o camelo, cuja rédea havia se embaraçado numa pedra. Levaram-no a beber água e continuaram sem maiores problemas a viagem. Chegando às celas, todos o receberam com alegria e conversaram muito sobre suas experiências. Ele encontrou-se com sua irmã, já idosa também, e era guia espiritual de outras virgens. 

OS IRMÃOS VISITAM ANTÃO

Voltou à montanha após alguns dias e desde então muitos iam lá visitá-lo, em viagens arriscadas. O conselho principal de Antão era que pusessem sua confiança no Senhor e o amassem, evitassem os maus pensamentos e os prazeres da carne. Que não fossem seduzidos por um estômago cheio (Provérbios 24,15), que fugissem da vanglória e orassem continuamente: salmos cantados antes e depois do sono, que guardassem no coração os mandamentos, a vida dos santos, a não permanecer na ira (Ef. 4,26). Que o sol não se pusesse sobre quaisquer pecados. “Por isso, cada um deve fazer diariamente um exame do que fez de dia e de noite; se pecou, deixe de pecar; se não pecou, não se orgulhe disso”. Que perseverassem na prática do bem, estivessem sempre em guarda, não julgassem o próximo, nem se declarassem justos a si próprios

Mesmo que não tenhamos consciência do que fazemos, Deus sabe tudo. Deixemos a ele o julgamento. Levemos as cargas uns dos outros, como diz Gálatas 6,2. Um método que ele ensinava era que anotassem os próprios atos e impulsos como se tivessem que narrá-los a outros. Só de pensar na vergonha que teriam, deixariam de pecar. 

MILAGRES NO DESERTO

Antão conduzia de tal maneira as curas que as pessoas obtinham por meio dele, que os curados aprendiam a dar graças só a Deus. Operou inúmeros milagres, mas nunca caiu na vanglória: sabia que eram feitos pelo poder de Deus, e não dele. Tinha também o dom de ver coisas distantes, que lhes eram reveladas por Deus, na medida em que isso era necessário. Como, por exemplo, quando mandou dois monges e mandou-os socorrer um dos dois homens que estavam a caminho para visitá-lo. Um deles já havia morrido de sede. Viu-os em visão. Uma outra visão foi a morte do monge Amon, que morava a 13 dias dali e morrera também em grande santidade, tendo operado muitos milagres. Antão não só viu sua morte, mas também sua entrada no céu.

Santo Atanásio narra, a seguir, inúmeros milagres obtidos por Santo Antão.

SEXTA PARTE

No início ele comenta sobre as inúmeras visões que Antão tinha, algumas espetaculares, como ser levado aos ares e lá ver os inimigos invisíveis do ser humano, querendo caluniá-lo e lembrando sua vida de antes de se tornar eremita. Os anjos que o levavam disseram aos demônios que Deus apagara a vida de Antão de antes de sua consagração a Deus. Outra vez o anjo lhe mostrou uma visão simbólica que ele interpretou como o demônio impedindo as almas que haviam pecado, e não tinham pedido perdão, de entrarem no céu. Santo Atanásio comenta que “muitas vezes as visões são concedidas como compensação pelas privações”. 

  DEVOÇÃO DE ANTÃO AOS MINISTROS DA IGREJA.

Antão era paciente e humilde. Mesmo com toda a fama que tinha, respeitava os ministros da Igreja e exigia que os clérigos deveriam ser mais honrados do que ele. Era muito humilde nesse relacionamento com os clérigos que celebravam para os monges. 

Nessa altura do livro Atanásio comenta longamente a “apatheia” de Antão: “O gozo de sua alma transparecia na alegria de seu rosto, e pela forma de expressão de seu corpo se sabia e conhecia a estabilidade de sua alma, como diz Provérbios 15,13: “O coração contente alegra o semblante, o coração triste deprime o espírito (...) Nunca estava agitado, pois sua ala estava em paz; nunca estava triste, porque havia alegria em sua alma”. 

LUTA ANTI-ARIANA

Antão nunca se relacionou com os cismáticos. Pensava e ensinava que não se devia ter amizade nem associação com eles, pois isso prejudicavam e arruinavam a alma. Tinha muito cuidado em não se aproximar dos arianos e ensinava isso aos outros: nem se aproximar nem “compartilhar de sua perversa crença”. Chegou a expulsar arianos da montanha. Devemos nos lembrar de que os arianos hoje em dia são representados, entre outros, pelas Testemunhas de Jeová e Mórmons, que não aceitam a divindade de Cristo. 

Doutra feita, foi caluniado de que partilhava das opiniões dos arianos. Instado pelos bispos e pelos irmãos (os cristãos), foi para Alexandria e denunciou os arianos. 

Antão fazia muitos exorcismos e milagres. Enquanto ficou em Alexandria, muitos iam procurá-lo. Houve muitas conversões e curas. Certo dia, voltou para a montanha. 

A VERDADEIRA SABEDORIA

Antão tinha uma sabedoria prática. Atanásio talvez exagere ao dizer que ele “não tinha aprendido as letras”. O comentarista do livro diz que talvez esse posicionamento de Atanásio tenha sido para enfatizar a ilustração divina em detrimento da formação humana, e que possivelmente ele tinha alguma instrução na área da escrita. 

Certa vez dois filósofos gregos vieram a ele. Por meio de um intérprete, ele deu uma lição de sabedoria aos filósofos, que pensavam poder divertir-se com a falta de cultura dele. Apesar de tudo, Antão sempre se mantinha simpático e cortês. 

A sabedoria de Antão e de qualquer pessoa deve-se à oração, a uma vida em que se purifica dos vícios e pecados. Muitos santos conseguiram desvendar certos mistérios e problemas que tinham que resolver no decurso de sua missão, com jejum, oração e persistência, não tanto em “folhear comentários”. 

Uma das formas de responder aos que adoravam deuses gregos, por exemplo, era mostrar que em nossa Igreja Deus se fez homem, na pessoa divina de Jesus, para que nós pudéssemos partilhar da natureza divina e espiritual (2 Pedro 1,4), ao passo que eles colocaram seus deuses no mesmo nível que os seres insensíveis, e adoram répteis, bestas e imagens de homens. E assim continuava a explicar a nossa fé e mostrava os erros do paganismo. E afirma: “A conclusão é que uma fé ativa é melhor e mais forte de que seus argumentos sofísticos”. Ou seja: quem tem fé não precisa dos argumentos. 

 

“Os cristãos, por isso, possuímos o mistério, não baseando-nos na razão da sabedoria grega (cf 1 Cor 1,17), mas fundados no poder de uma fé que Deus nos garantiu por meio de Jesus Cristo”.

Diz também: “Também é notável o fato de que jamais a religião de vocês foi perseguida; ao contrário,  em todas as partes goza de honra entre os homens. mas os seguidores de Cristo são perseguidos, e sem dúvida é a nossa causa que floresce e prevalece e não a sua. Com toda a tranquilidade e proteção do que goza, sua religião está morrendo, enquanto a fé e o ensinamento de Cristo, desprezados por vocês e frequentemente perseguidos pelos governantes, encheram o mundo”.

 

Em seguida, Santo Antão curou vários doentes. Os filósofos ficaram admirados da sagacidade de suas palavras e das curas realizadas. Muitos pagãos se converteram. Antão logo manifestou o fato de que aquilo era feito por Cristo e não por ele. 


OS IMPERADORES ESCREVEM A ANTÃO

A fama de Antão chegou a Constantino Augusto e a seus filhos, que lhe escreveram, pedindo que respondesse. Ele, porém, não deu muita importância a isso.  Depois de muita instância dos monges seus colegas, pediu que escrevessem ao imperador que prestassem culto a Cristo, para não apreciarem demasiadamente as coisas deste mundo, que mostrassem a todos que Deus é o Rei verdadeiro. Também que fossem humanos e atendesses à justiça e aos pobres. 

Os imperadores ficaram felizes de receberem sua carta. 

ANTÃO PREDIZ OS ESTRAGOS DA HERESIA ARIANA. 

Depois disso ele voltou à Montanha Interior, vivendo em sua ascese e continuou tendo visões. Às vezes parava de falar com as suas visitas e estas sabiam que era porque ele estava tendo alguma visão. Sabia o que estava acontecendo até no Egito.

Dois anos antes da invasão ariana na Igreja, ele a previu. Teve uma visão sobre a profanação dos altares e chorou muito. Seus discípulos só o deixaram em paz quando ele narrou a visão que tivera. Os arianos invadiam os templos católicos e profanavam tudo. 

Mas em seguida, Antão consolou seus companheiros dizendo que aquela perseguição iria passar e a Igreja restabeleceria a paz e a liberdade. A verdadeira fé seria proclamada e afirmada em toda parte. Aconselhou-os também a que não se deixassem manchar com os arianos. 


ANTÃO, TAUMATURGO DE DEUS E MÉDICO DAS ALMAS

De fato, não podemos estranhar os grandes milagres que Antão intermediou. “Foi a promessa do Salvador: "Se tiverem fé ainda que seja como um grão de mostarda, dirão a este monte: 'Passa-te daqui para lá' e ele passará; nada lhes será impossível" (Mt 17,20). E também: "Em verdade lhes digo: tudo o que pedirem ao Pai em meu Nome Ele lhes dará... Peçam e receberão (Jo 16, 23s). É Ele quem diz a seus discípulos e a todos os que Nele creem: "Curem os enfermos.... lancem fora os demônios; de graça o receberam, grátis devem dá-lo" (Mt 10,8)”.

Antão curava invocando o nome de Cristo, e assim todos sabiam que não era ele quem atuava, mas Jesus. Antão apenas se ocupava com a oração e com a prática da ascese, na sua montanha. 

Certa ocasião ele foi a muitos juízes que queriam ouvi-lo, mas não podiam ir até ele, por causa do acúmulo de pessoas que os requisitavam. Depois de muito insistirem, ele desceu e foi até eles, e os ajudou muito, deu-lhes muitos conselhos do modo santo como deveriam julgar. 

Eram muitos os que pediam que ele fosse até eles, mas ele, mesmo os atendendo, o fazia rapidamente, em poucos dias, dando a desculpa de que o monge é como o peixe que não pode ficar fora da água. Se o monge deixar a solidão para viver com as pessoas, se torna folgazão e perde de vista a vida interior. 

Em outra ocasião que um comandante ariano, Balácio, passou a maltratar virgens e monges da Igreja, Antão mandou-lhe uma carta dizendo que se continuasse com aquilo Deus iria puni-lo. Ele cuspiu na carta, pisou-a e mandou um recado maldoso para Antão. Cinco dias depois, Balácio foi morto pelo cavalo mais manso de sua tropa. Morreu três dias após as dentadas que o animal lhe dera.  

“Quanto aos demais que recorriam a ele, suas íntimas e cordiais conversações faziam-nos esquecer imediatamente dos litígios e os levavam a considerar felizes os que abandonavam a vida do mundo”. Muitos militares e homens de grande influência, tocados pelo exemplo de Antão, tornavam-se monge. Ele era tudo para todos. 

Quem o procurasse na dor, voltava com alegria. Quem o procurasse chorando por seus mortos, saíam liberados de seu pesar. Quem chegasse com ira, saía com amizade. Quem era pobre ou arruinado, saía desprezando a riqueza e consolado em sua pobreza. O monge negligente voltava fervoroso. Os jovens que o procuravam renunciavam ao prazer e começavam a amar a castidade. Os endemoninhados se libertavam. Quem chegasse torturado, saía de lá com a paz no coração. 

Antão tinha o dom de discernimento dos espíritos. Nunca foi enganado e ensinava os ardis dos espíritos que praticavam a possessão. As pessoas se sentiam ungidas e saíam de lá com maior confiança para continuarem a luta, mesmo os que tinham sido libertados de possessão diabólica. 

PARTE 7 – FINAL

MORTE DE ANTÃO

Tendo uma premonição de sua morte, despediu-se dos monges da Montanha Exterior, dizendo-lhes ser a última visita dele. Tinha quase 105 anos. Falou-lhes com alegria como deveriam não relaxar em seus esforços nem a se desalentarem na prática da vida ascética, mas a viverem como se tivessem de morrer cada dia. Que trabalhassem duramente para guardarem a alma limpa de pensamentos impuros e como deveriam imitar os homens santos. Que não se aproximassem dos cismático, como os melecianos e os arianos. Que observassem a tradição dos Padres da Igreja, a fé ortodoxa no Senhor Jesus Cristo. Também para deixarem de usar o costume de guardar os corpos dos falecidos num divã da casa: deveriam enterrar. Era um costume egípcio que foi se desfazendo com o cristianismo e Santo Antão, com seus conselhos finais, teve muito a ver com o abandono desse costume de não enterrar os mortos. 

Esse era um dos motivos pelos quais Santo Antão não queria ficar para morrer entre eles (ou seja, ele queria ser enterrado). Voltou à Montanha Interior e depois de alguns meses ficou doente. Chamou os dois que o acompanhavam havia 15 anos e deu-lhes vários conselhos, como os que dissera aos outros monges. Disse o seu testamento, deixando para este ou para aquele esta ou aquela peça de roupa (a roupa era a única coisa que possuía), e instou para que eles não o levassem para o Egito, pois desejava ser enterrado. Que não contassem onde o haviam enterrado. 

Seus instantes finais são descritos assim por Santo Atanásio: “Depois de dizer isto e de que eles o houvessem beijado, estendeu os pés, seu rosto estava transfigurado de alegria e seus olhos brilhavam de regozijo como se visse amigos vindo a seu encontro; e assim faleceu e foi reunir-se a seus pais”. Os dois monges seguiram à risca as ordens de Antão e sua sepultura foi descoberta só no século 6º. Quanto às peças de roupa, viraram relíquias. 

Santo Atanásio descreve como estava o corpo de Antão nos últimos anos antes da morte: saudável, olhos normais, visão excelente, não perdera um só dente, mãos e pés sãos, apesar de nunca ter-se alimentado com abundância, nem mudado sua forma de se vestir, nem tampouco lavara os pés com água. “Manteve mãos e pés sãos, e em tudo aparecia com melhores cores e mais fortes do que os que têm uma dieta diversificada, banhos e variedade de roupas”.