AURITHA TABAJARA (IPUEIRAS, CEARÁ,1980), É UMA ESCRITORA BRASILEIRA, POETA E CONTADORA DE HISTÓRIAS, CONHECIDA POR SER A PRIMEIRA CORDELISTA INDÍGENA DO BRASIL. O SEU LIVRO MAGISTÉRIO INDÍGENA EM VERSO E POESIA FOI CONSIDERADO COMO DE LEITURA OBRIGATÓRIA NAS ESCOLAS PÚBLICAS PELO O ESTADO DO CEARÁ.
QUER SABER MAIS? Acesse:
https://www.youtube.com/watch?v=ibJ5j4b4zcY
https://www.youtube.com/watch?v=7sf89Gx4qkY
https://www.pensador.com/autor/auritha_tabajara/
Fiz um poema quentinho,
Publiquei logo cedinho,
Saudosa do Ceará.
Um jeitinho diferente
De falar pra toda gente
O melhor que vem de lá.
O valor do meu Nordeste,
Água clara azul celeste,
Onde eu podia brincar.
Na aldeia, a criançada
Pode ficar na calçada,
Uma forma de educar.
Meu Nordeste tem riqueza;
Além de tanta beleza,
A poesia improvisada.
Meu Ceará tem cultura,
Tem tradição, tem bravura,
Tem dança pra garotada.
Tem toré pra festejar
Na aldeia com maracá
Pra nos trazer alegria.
Um povo muito animado
Com tabajara do lado
Tristeza lá não se cria.
Tem festa do que plantou,
Rito que se conservou,
Carne de sol com pirão.
Rapadura com farinha,
Baião de dois com galinha
E as frutas da região.
Saudade dentro do peito
É algo que não tem jeito,
Mas não priva de aprender.
Serei sempre nordestina,
Onde eu for, a vida ensina,
Só cresce mais o saber.
Nosso Deus da criação
Nos criou com inspiração,
Sem guerra sem preconceito.
O homem quer ser esperto,
Acha que em tudo está certo,
Destrói o que é mais perfeito.
Ô grande espírito sadio,
Desperte sabedoria,
Para que, com autoria,
Possa versar e aprender,
E uma luz acender
No seio da humanidade,
Com muita simplicidade,
Sem ego no coração,
Somente a inspiração,
Com espiritualidade.
O Universo tem vida,
Tem vida no Universo.
Quando com ele converso,
Sinto me fortalecida
Com a mãe agradecida,
Floresce a diversidade,
Nos traga felicidade,
Em todos os movimentos.
Sejamos conhecimentos
Com espiritualidade.
A arte que foi criada,
Chamado planeta Terra,
Com alto, baixos e serra,
Entregue nas nossas mãos,
Da criança aos anciãos,
É pra continuidade;
Desmatar e fazer cidade,
Furando e queimando a terra,
Por dinheiro vira guerra,
Sem espiritualidade.
Quem ama a mãe natureza
Não joga lixo no chão,
Vive com a gratidão,
Respeita tudo ao redor,
E da criança ao maior,
Sabe fazer caridade,
Escuta a ancestralidade,
E espalha onde estiver,
Não define homem, mulher
A espiritualidade.
Somos povos diferentes,
Diferentes rituais,
Que respeitam os ancestrais,
Pra luta fortalecer
E frutos poder nascer
Em meio à diversidade,
Ser cultura e liberdade
Da raiz até a semente
E ser visto como gente
Nossa espiritualidade.
Pai Tupã nos fortaleça
No caminho e na missão,
Nos dê sempre inspiração
Nos momentos de cantar,
Com ervas poder curar
Com amor, simplicidade,
Para que a humanidade,
Saiba contar sua história,
Herança seja a memória
Da espiritualidade.
Sou Auritha Tabajara,
Nascida longe da praia,
Fascinada pelas rimas
E melodia da jandaia.
No Ceará foi a festa,
Meu leito foi a floresta
Nas folhas de samambaia.
A minha essência ancestral
Me encontra cordelizando,
Faz me existir resistindo,
Ao mundo eu vou contando;
Que minha forma de amar
Ninguém vai colonizar,
Da arte sempre vou me armando.
Filha da mãe Natureza,
Mulher guerreira eu sou,
Com a força feminina
Cinco séculos galgou.
Cada vez mais sábia e forte,
Meu medo é somente a morte
Que o preconceito gerou.
Hoje essa mulher levanta
Com letra e voz autoral
Contra toda violência
Por um amor ancestral
De um corpo ensanguentado,
Usado sem ser amado,
Com espírito imortal.
E baseado na Bíblia,
O homem veio ditar,
Sua fé diz que é pecado
O mesmo gênero amar,
E com massacre e doença,
Nossa língua, nossa crença,
Vem tentando assassinar.
Essa força feminina
Traz um sagrado poder,
Nascemos com a natureza,
Com ela vamos morrer,
A nossa ancestralidade,
E a nossa diversidade,
Nos fazem sobreviver.
Minha avó é referência,
Desde o tempo de menina,
Até me tornar mulher,
Das histórias que ela ensina,
Me ensinou a falar
Que a mulher tem seu lugar
É raiz que não termina.
Eu não sou como Iracema
A de José de Alencar,
Sou do povo TABAJARA
Onde canta o sabiá
Minha aldeia tem imburana
Minha terra é soberana
Pelo toque do maracá.
*Curadoria da Postagem: Avelin Buniacá
Dauá Silva etnia Puri – RJ. “Contador e Caçador de Histórias”. Natural do Rio de Janeiro, escritor, poeta e compositor, com formação em comunicação atuou nas radios Bandeirantes/ Guanabara, Manchete e outras. Técnico de Segurança do Trabalho. Licenciatura em Educação do Campo e Ciências da Natureza na Universidade de Federal Viçosa- MG, pesquisador da história e língua da etnia Puri, povo originário na região sudeste. Lançou o primeiro livro bi lingue Puri/Portugues Tempo de Escuta – Alkeh Poteh e Historias infantis, alem de outras publicações: Coletanea Brasil Conto por Conto – O Vagalume e a Estrela, poesias na Revista Legal e artigo Nà thamati – Cultura Indigena do Sudeste para Egal 2015 em Havana e Tcc Cultura indígena do sudeste, memória e sua guarda – Os Puri e sua Identidade. Dinamizador cultural e membro do Movimento Indígena do Rio de Janeiro.
QUER SABER MAIS? Acesse:
https://www.facebook.com/daua.puri/
https://povopuri.wixsite.com/memoriapuri/post/dau%C3%A1-puri-a-voz-que-canta-conta-e-encanta
https://www.youtube.com/watch?v=4F5eb0giPF4
https://www.youtube.com/watch?v=0als6HjZSdE
https://www.youtube.com/watch?v=g_GkquuSqAE
Eliane Potiguara é escritora, poeta, ativista, professora, empreendedora social de origem étnica potiguara de seus avós, migrantes nordestinos. É formada em Letras e Educação pela UFRJ e extensão em Educação e Meio ambiente pela UFOP. É contadora de histórias. Nasceu em 29/09/1950 na cidade do Rio de Janeiro. Recebeu o título de Cavaleiro da Ordem do Mérito Cultural do Brasil pelo Ministério da Cultura entregue em mãos pela Presidência da República. Fellow da organização internacional Ashoka (empreendedores sociais), fundadora do GRUMIN (Grupo Mulher - Educação Indígena) e Enlace Continental de Mujeres indígenas e Embaixadora da Paz pelo Círculo de Escritores da França. Participou da elaboração da Declaração Universal dos Povos Indígenas/ONU por 6 anos nas sessões em Genebra. Possui 7 livros publicados. Teve seus textos publicados em diversos sites, antologias e e-books nacional e internacional. Premiada pelo Pen Club da Inglaterra e Fundo Livre de Expressão (USA).
QUER SABER MAIS? Acesse:
http://www.elianepotiguara.org.br/
https://revistacult.uol.com.br/home/eliane-potiguara-perfil/
https://www.ufjf.br/darandina/files/2018/12/Artigo-Aline-Guimar%C3%A3es.pdf
https://portal.fiocruz.br/video/ciencia-letras-eliane-potiguara
https://www.itaucultural.org.br/eliane-potiguara-culturas-indigenas
Oração pela libertação dos povos indígenas
Parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar as minhas crenças e tirar minha raiz.
Cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela terra pra brotar.
Não se apaga dos avós – rica memória
Veia ancestral: rituais pra se lembrar
Não se aparam largas asas
Que o céu é liberdade
E a fé é encontrá-la.
Rogai por nós, meu Pai-Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
Não provoque a fraqueza, a miséria e a morte
Rogai por nós – terra nossa mãe
Pra que essas roupas rotas
E esses homens maus
Se acabem ao toque dos maracás.
Afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade entre nações.
Alumiai homens, mulheres e crianças,
Apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos luz, fé, a vida nas pajelanças,
Evitai, ó Tupã, a violência e a matança.
Num lugar sagrado junto ao igarapé.
Nas noites de lua cheia, ó MARÇAL, chamai
Os espíritos das rochas pra dançarmos o Toré.
Trazei-nos nas festas da mandioca e pajés
Uma resistência de vida
Após bebermos nossa chicha com fé.
Rogai por nós, ave-dos-céus
Pra que venham onças, caititus, seriemas e capivaras
Cingir rios Juruena, São Francisco ou Paraná.
Cingir até os mares do Atlântico
Porque pacíficos somos, no entanto.
Mostrai nosso caminho feito boto
Alumiai pro futuro nossa estrela.
Ajudai a tocar as flautas mágicas
Pra vos cantar uma cantiga de oferenda
Ou dançar num ritual lamaká.
Rogai por nós, Ave Xamã
No Nordeste, no Sul toda manhã.
No Amazonas, agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós, araras, pintados ou tatus,
Vinde em nosso encontro
Meus Deus, NHENDIRU!
Fazei feliz nossa mintã
Que de barrigas índias vão renascer.
Dai-nos cada dia de esperança
Porque só pedimos terra e paz
Pra nossas pobres – essas ricas crianças.
AGONIA DOS PATAXÓS
Às vezes
Me olho no espelho
E me vejo tão distante
Tão fora de contexto !
Parece que não sou daqui
Parece que não sou desse tempo.
PANKARARU
Sabem, meus filhos...
Nós somos marginais das famílias
Somos marginais das cidades
Marginais das palhoças...
E da história ?
Não somos daqui
Nem de acolá...
Estamos sempre ENTRE
Entre este ou aquele
Entre isto ou aquilo !
Até onde aguentaremos, meus filhos ?...
ESSÊNCIA INDÍGENA
Um dia
Esse corpo vai apodrecer
E eu vou ser verdade...
Então eu vou ser feliz.
NESTE SÉCULO DE DOR
Neste século já não teremos mais os sexos.
Porque ser mãe neste século de morte
É estar em febre pra subexistir
É ser fêmea na dor
Espoliada na condição de mulher
Eu repito
Que neste século não teremos mais os sexos
Tão pouco me importa que entendam
Possam só compreender em outro século besta
Não temos mais vagina, não mais procriamos
Nossos maridos morreram
E pra parir indígenas doentes
Pra que matem nossos filhos
E os joguem nas valas
Nas estradas obscuras da vida
Neste mundo sem gente
Basta um só mandante
Neste século não teremos mais peitos
Despeitos, olhos, bocas ou orelhas
Tanto faz sexos ou orelhas
Princípios, morais, preconceitos ou defeitos
Eu não quero mais a agonia dos séculos...
Neste século não teremos mais jeito
Trejeitos, beleza, amor ou dinheiro
Neste século, oh Deus (? !)
Não teremos mais jeito.
UNI-ÃO*
*UNI (União das Nações Indígenas)O que tenho pra te oferecer amigo
Enquanto bebo tua fonte que me espera.
São palavras, são sentidos, são perigos
Ou são silêncios profundos de uma era
O que tenho pra te oferecer amigo
Enquanto sugo de teus olhos uma velha história.
São prazeres, são amores, roucos gritos
Ou sussurros de vencer até a vitória
O que tenho pra te oferecer amigo ?
Enquanto me aqueço no calor de tuas mãos
São lágrimas, são motivos, são juízos
Ou são faíscas conscientes da razão
Andaram a procurar por mim
E eu estava só, triste e doente
E você amigo me estendeu a mão
Mesmo com palavras duras que não mentem
Amigo, tu moras no fundo de minh’alma
E o que tenho pra te oferecer ?
Só muita garra
Muita luta
Uma grande gratidão.
Pra nunca desvanecer...
Pra nunca desmerecer...
Pois te amo com grande afeição !
DESILUSÃO
A mim me choca muito esse ambiente
Essa música, essa dança
Parece que todos dizem sim.
Sim a quê ?
Sim a quem ?
Porque concordar tanto
Se o que se tem que dizer agora
É NÃO !
NÃO a morte da família
NÃO a perda da terra
NÃO ao fim da identidade.
FANTASIAS DESERTAS
Não tenhas medo, IANUÍ
Que não vou-te enfeitiçar
O nada, eu quero de ti
Pro nada talvez vou partir.
Poema de Amor ?
Sei lá... se poema de amor !...
Só sei que me passa essa chama
E que me queima a alma errante.
Horas, mas dias, mil noites
Relembro teu corpo parado
Feito máscara imóvel ao vento
Doido a flutuar nos mares quentes.
Pássaro louco bicando os peixes
Engorda teu peito aberto
Inflama teu coração militante
É tua, essa paixão dos séculos
Mas te guardas feito tatu
Que não é chegada a hora
Enfia teus dedos na terra
Desafoga as dores nela !
Mira pros céus navegantes
De teu barco em flor e vela
E rouba todas as forças solares
E renasce Boto, amante, mais belo.
Engorda teu peito aberto
Aquece o coração nu noutras eras
Alimenta tuas veias em asas
Nas fantasias desertas
Corre pelos cajueiros e arrozais
Que te trago essa cana caiana
E outras limas pra melar nossas bocas
E relaxar no calor das manhãs
Eu não te quero mais puro
Entrega-te que te vejo criança
Amor pronto a explodir
Fogo eterno, quem sabe ?...
Ou vou partir, antes mesmo de vir
Num calor aberto semente...
Numa ilusão e sonho somente...
Nessa estrada longa, errante
Sendo meu caminho tão farto
Sendo teu peito tão forte
Indígena potiguara, Graça Graúna (Maria das Graças Ferreira) nasceu em São José do Rio Campestre, RN. Escritora, poeta e crítica literária, é graduada, mestre e doutora em Letras pela UFPE e pós-doutora em Literatura, Educação e Direitos Indígenas pela UMESP. Publicou Canto mestizo (1999), Tessituras da terra (2000), Tear da palavra (2001), Flor da mata (haikais, 2014). Participa de várias antologias poéticas no Brasil e no exterior e é responsável pelo blog Tecido de Vozes.
QUER SABER MAIS? ACESSE:
http://tecidodevozes.blogspot.com/
http://www.poesianaalma.com.br/2016/05/graca-grauna-escritora-indigena.html
http://www.elfikurten.com.br/2016/02/graca-grauna.html
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/interfaces/article/view/12569
Canção Peregrina
I
Eu canto a dor
desde o exílio
tecendo um colar
muitas histórias
e diferentes etnias
II
Em cada parto
e canção de partida,
à Mãe Terra peço refúgio
ao Irmão Sol, mais energia
e à Irmã Lua peço licença poética
para esquentar tambores
e tecer um colar
de muitas histórias
e diferentes etnias.
III
As pedras do meu colar
são história e memória
são fluxos de espírito
de montanhas e riachos
de lagos e cordilheiras
de irmãos e irmãs
nos desertos da cidade
ou no seio da floresta.
IV
São as contas do meu colar
e as cores dos meus guias:
amarela
vermelha
branco
negro
de Norte a Sul
de Leste a Oeste
de Ameríndia
ou de LatinoAmérica
povos excluídos.
V
Eu tenho um colar
de muitas histórias
e diferentes etnias.
Se não me reconhecem, paciência.
Haveremos de continuar gritando
a angústia acumulada
há mais de 500 anos.
VI
E se nos largarem ao vento?
Eu não temerei,
não temeremos,
pois antes do exílio
nosso irmão Vento
conduz nossas asas
ao círculo sagrado
onde o amálgama do saber
de velhos e crianças
faz eco nos sonhos
dos excluídos.
VII
Eu tenho um colar
de muitas histórias
e diferentes etnias.
Colheita
Num pedaço de terra
encabulada, mambembe
o caminho de volta
a colheita, o ritmo
o rio, a semente
Planta-se o inhame
e nove meses esperar
o parto da terra.
Planta-se o caldo
e docemente esperar
a cana da terra
Palavra: eis minha safra
de mão em mão
de boca em boca
um porção Campestre
Potiguara ser.
Geografia do Poema
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
Um corpo virou cinza,
Um sonho foi desfeito
E mil povos clamaram:
_ Não à violência!
A terra está sentida
de tanto sofrimento!
[…]
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
[…]
Pelas ruas
a tristeza dos tempos,
a impossibilidade do abraço.
Nos corredores da morte
meninos e meninas
nos becos da fome
consome a miséria: matéria prima
de nossa sobrevivência.
[…]
Nos quarteirões,
dobrando a esquina
homens e mulheres
idôneos, cansados
lastimam o destino
de esmolar o direito
nos tempos madrugados.
Se o medo se espalha
virá o silêncio
o espectro das horas
e as cores sombrias.
Se o medo se espalha
Amargo será sempre o poema
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema:
um corpo virou cinzas,
um sonho foi desfeito.
A terra está sentida
de tanto sofrimento.
Julie Dorrico, escritora, pesquisadora e curadora de literatura indígena, descendente do povo Macuxi. Nascida nas terras da cachoeira pequena, conhecidas como Guajará-Mirim, em Rondônia, com passagem por Porto Alegre (RS) e vivendo atualmente em Porto Velho (RO). É doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS e Mestre em Estudos Literários pela UNIR/RO. Pesquisa Literatura Indígena Brasileira Contemporânea.
Autora do livro "Eu sou macuxi e outras histórias", publicado pela Editora Caos e Letras (2019). 1º lugar no concurso FNLIJ/Tamoios de novos escritores indígenas.
Dorrico, produziu e realizou a curadoria, juntamente com Paolla Andrade Vilela e Moara Brasil Tupinambá (coletivo @leiamulheresindigenas) da Websérie "Leia Autoras Indígenas", exibida no canal do Sesc Ipiranga no youtube, entre setembro e novembro de 2021.
Foi curadora convidada da Balada Literária 2021. Idealizou e foi curadora do projeto I Mostra de Literatura Indígena: Território de palavras ancestrais, realizado em parceria com o Museu do Índio/UFU, em dezembro de 2021.
Idealizadora e uma das administradoras dos perfis de Instagram: @leiamulheresindigenas e @literaturaindigenaro; e do canal no YouTube Literatura Indígena Brasileira, o projeto visa mapear, indicar, fomentar a literatura de autoria indígena nos estados brasileiros. É colunista do ECOA/Uol.
Integra a coordenação do Grupo de Estudo em Memória e Teoria Indígena (GEMTI). É membro da Academia Internacional de Literatura Brasileira, ocupando a cadeira nº 266.
QUER SABER MAIS? ACESSE:
https://revistaacrobata.com.br/julie-dorrico/poesia/vo-madeira-poema-de-julie-dorrico/
http://www.mallarmargens.com/2020/03/2-poemas-de-julie-dorrico-do-livro-eu.html
http://www.sermulherarte.com/2020/06/universo-de-mulheres-05-um-poema.html
https://www.youtube.com/watch?v=1eCT8bQGPc8
https://www.youtube.com/watch?v=nw_Icjj2MrI
https://www.youtube.com/watch?v=hvpdnqgYC68
https://www.youtube.com/watch?v=R8UCcneXdiI
Vô Madeira
O vô correu correu
Com as piranhas e os botos,
Com as jatuaranas e os tambaquis,
Com as cobras e os jacarés,
Com todas as gentes não-humanas do rio;
O vô era um encantado
E por vezes trocava de pele pra ver como andava o mundo
Às vezes vinha de gente, outras de mangueira, algumas vezes perdida, de jaguatirica;
Um dia, num de seus passeios, o vô viu alguns de seus netos em cima de dragas no meio do rio:
Bêbados!
Jogando prato, prata, pano, plástico
Parem.
O vô chorou.
O dinheiro é o veneno da alma.
O vô achou que ia parar
Ouro, correntes, pulseirinhas, anéis, casamentos, filhos, netos, bisnetos, tataranetos,
Sem água.
O vô podia ser eterno
Mas fez a travessia jovem.
Só que ninguém sabia que quando ele se fosse
Todas as gentes iam também.
E foi assim que nós desaparecemos.
Feito fome
Feito sede
Feito noite
Feito morte.
Não há fronteiras para o pertencimento
De um porto a outro
De norte a sul
Karitiana, guarani e macuxi
De um gosto a outro
Cruzeiro-do-sul
Kaingang, omágua/kambeba, pankararu
De um porto a outro
De norte a sul
Do meu ponto de referência
Viva os munduruku!
De um gosto a outro
De norte a sul
Wapichana, mura e mara-guaçús
Baniwa, Kadiwel e Guaicurús
No silêncio dos olhos de meus parentes amarelos
Ouço os sons dos maracás
Vejo a cor do urucum e do jenipapo em suas peles
Sinto o orgulho do pertencimento que sempre exala em seus cabelos!
Em suas sombras toca o tambor:
Eu sou! Eu sou! Eu sou!
Indígena eu sou!
De um porto a outro
De norte a sul
Do meu ponto de referência
Viva os kai-gua-ya-xucu
De um porto a outro
De norte a sul
Povos indígenas
Nessa vida e em tantas outras
Eu sou.
As bananeiras do meu quintal
Quando menina-menina
gostava de brincar de esconde-esconde,
rouba-bandeira,
bets,
e subir nas árvores.
De todas essas brincadeiras, era o esconde-esconde que alardeava desde cedo minha mãe,
que corria pra me encontrar entre as bananeiras do nosso quintal.
Gritava, se exasperava, desesperava mais um pouco:
- cuidado com a cobra!
E centenas delas passeavam livremente por nós.
Entre as bananeiras, entre o coqueiral, entre os ingazeiros
eu cresci,
por isso mesmo me tornei uma planta que, com o tempo, floresce e morre,
como a vida
que se transforma diariamente em coisa melhor-pior-melhor-pior...
Eram árvores até o infinito,
eram plantas que cresciam amigas umas das outras,
era eu criança correndo pelo mato,
como agora corro no chão de minha memória.
Um dia meu irmão caiu e quebrou o pé,
embaixo do tronco cortado havia uma sucuri,
ela não pegou ele porque o achou minguado demais para dar um caldo.
- Sorte nossa!
Um dia meu irmão foi tomar banho e foi recepcionado por uma cobra,
chamando ele pra brincar no banheiro!
Ele não quis não,
deixou o banho de lado e foi correndo jogar bola.
- Sorte a dele!
Minha mãe não punha forro em casa
porque dizia que a gente ficava mais perto do céu blú.
Eu não gostava não!
Quando criança eu só queria correr na floresta do meu quintal,
comer banana, ingá, manga, lima, coco e goiaba.
Não gostava daquilo de céu não, lá longe...
O meu céu já era o colo de minha mãe,
a companhia de meus irmãos
e as gente-árvores que ouviam todas as minhas histórias de menina.
No chão da minha memória
corre a menina com as árvores.
As gentes são tudo aquilo que conversam com o seu coração.
O boto
Para Márcia Kambeba
Na ponta da canoa
O canto ecoa
Lá vem o boto!
Da proa da canoa
Dá pra ver o boto
Brincando com o vô
Lá vem o boto
No pé do Apeú
Atrás do canto!
O boto gosta de canto!
Um encantado faz o quê?
Canta!
Por isso ele veio!
Por isso ele vem!
Às vezes homem
Às vezes criança
Às vezes mulher
Da ponta da canoa
Quem ele é?
Ô boto bonito
Me leva pra ver o teu mundo?
No balanço do maracá
O canto ecoa
Ecoa o canto!
Poemas retirados dos sites: https://revistaacrobata.com.br/julie-dorrico/poesia/vo-madeira-poema-de-julie-dorrico/ http://www.mallarmargens.com/2020/03/2-poemas-de-julie-dorrico-do-livro-eu.html http://www.sermulherarte.com/2020/06/universo-de-mulheres-05-um-poema.html
*Curadoria da Postagem: Avelin Buniacá
Juan Gregorio Regino é um dos principais poetas das línguas indígenas nas Américas. Ele é Mazatec, nascido em 1962 em Chicicazapa, Solyaltepec, Oaxaca. Em 1987, ele recebeu seu diploma de bacharel em etnoliguística e um segundo grau do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação em Antropologia Social. Foi presidente do Centro de Escritores em Línguas Indígenas durante os anos 1990. O trabalho de Regino segue dois caminhos distintos. Um é contemporâneo, o outro está mais baseado no mundo mesoamericano. Entre suas obras mais conhecidas está o poema frequentemente traduzido para Maria Sabina, a famosa xamã.
QUER SABER MAIS? ACESSE:
http://www.antoniomiranda.com.br/Iberoamerica/mexico/juan_gregorio_regino.html
https://circulodepoesia.com/2018/06/xochitlajtoli-juan-gregorio-regino/
https://www.isliada.org/poetas/juan-gregorio-regino/
https://www.festivaldepoesiademedellin.org/es/Revista/ultimas_ediciones/86_87/regino.html
https://es.wikipedia.org/wiki/Juan_Gregorio_Regino
http://www.elem.mx/autor/datos/1618
I
Cuatrocientos zontles de distancia.
Cuatrocientas leguas al infinito,
luz, oscuridad, imágenes.
Hasta ahí llega la voz del sabio,
el cantor sobador de dolores.
Entre las imágenes divinas.
Entre las imágenes terrenales,
se escucha su voz suave,
su cantar divino, su plegaria piadosa.
Él cruza la senda de la vida,
llega hasta el ndoba isien
Allá platica,
allá discute,
allá aboga
con los dioses que rigen el destino del mundo.
La brisa lo arrulla,
el rayo dormido lo acecha,
retumba su voz piadosa
en el centro del universo.
II
Señor de los cerros, dice
señor de las cuevas, dice.
Duendes del arroyo, dice
padre de la tempestad, dice.
III
Así es como está tendido el día,
así es como está tendida la imagen,
siete leguas de distancia,
siete zontles al infinito.
Hasta aquí se escucha mi voz
hasta aquí se tiende mi espíritu,
casa de seres principales.
Soy yo quien hace su presencia,
el sabio, el guía, el adivinador.
Porque yo tengo el permiso,
porque yo tengo la licencia
de entrar al lugar sagrado
donde yacen los libros sabios.
Benditos sean ustedes
por vivir en la casa limpia.
Gracias por la luz que alumbra,
gracias por la noche que llega.
Hasta aquí llegan mis pasos,
hasta aquí llega mi presencia,
en esta casa que da sombra,
en esta casa que refresca.
LLÁMAME
Llámame, cuando sientas que el susurro
de la noche fría y solitaria te desnuda
o cuando el silencio bese tu boca
llenándola de inquietud, llámame.
Yo sé desvestir la soledad
de mil formas bellas, llenar la noche
trémula de apasionadas caricias.
Acostarme con los sueños infieles
callados a la luz del día.
Llámame, bastará un instante de mi vida
para eternizar la dicha de saber que existes.
MI MUJER
Mi mujer tiene una fuerza extraña,
desde pequeña, creció con ella,
la trae en sus huesos y en sus venas.
Su rostro no pierde color
toma mayor fuerza con el sol.
Su corazón no se acongoja,
tiene vida de noche y de día.
Entre el fuego y el frío,
la llama de su ternura,
disipa mi tristeza,
cubre mi humanidad.
Mi mujer tiene una fuerza extraña,
en su sangre y en su piel se esconde,
como estatua la vuelve firme
y es como un roble en mi corazón.
QUE SIGA LLOVIENDO
Que no te dejo en paz,
que cada vez que te menciono interrumpo tu
viaje.
Que estás cansada de mí,
decepcionada, enfadada .
No me lo tomes a mal,
sólo quiero borrar tu silencio,
derramar tinta, sentimientos,
recuerdos.
Sólo deja que broten
y que siga lloviendo.
Habrá un espacio también para la noche,
entonces entre las sábanas
tendrán eco mis palabras.
DIAS Y NOCHES
Cuatro días y cuatro noches
has estado clavada en mi mente.
Allí has hecho tu casa,
enmedio de las imágenes
que cuelgan en las paredes.
Has borrado las ausencias,
los rostros y los demonios
que se ocultan en mi piel.
Hurgas mi inconsciente a cada instante
como si mi alma fuera tuya.
Desde que vine a vivir aquí
nadie me había arrebatado el tiempo:
mueves mi mundo, robas mi silencio
LAS MUJERES DE DON JUAN
Don Juan tiene tres mujeres,
tres buenas mujeres.
Una es la mayor y es la mujer principal.
Ella inicia el día,
rompe la noche y
aleja el sueño.
Ella es el tiempo.
Ella es la guía.
Ella es la embajadora fiel
de los amores de don Juan.
La segunda es la mediana,
su pecho es un inagotable
manantial de amor.
Amamanta al hijo de las otras
con el mismo que el hijo suyo.
Ella es la mujer tortilla.
Ella es la mujer pozol.
Ella es la mujer metate.
La tercera es la más joven,
la que habla y canta
como una niña.
Ella es la mujer de los brillosos listones.
Ella es la mujer de los huipiles de gala.
Ella es la mujer de las soguillas de piedra.
Ella es la mujer electa
para velar el cuerpo de don Juan.
AMAR EN MAZATECO
Me dejo querer en mazateco;
levanto la falda del cerro,
sus senos se endulzan en mi boca.
Abro sus venas, me baña de placer,
la penetro, estoy adentro,
gozo, de pasión grito.
Me quiere, es un amor extraño
dificil de entender en castellano
¿QUÉ HARÁS TÚ?
¿Qué harás tú cuando yo me vaya?
Cuando yo me vaya y no aparezca más
ante la sombra del sol y de la luna.
Cuando el mundo se apague
y vengan los terremotos y relámpagos.
¿Qué harás tú?
¿A quién abrazarás?
Si después de todo, en otro cielo o infierno.
¿Tendrás las fuerzas para dormir con mi recuerdo
y que mis palabras te abracen y te toquen?
Yo no sé en ese mundo, ¿qué harás tú?
PIENSO EN TI
Hace frío, gruesas gotas de rocío
resbalan por las mejillas
frescas de las flores.
El fuego del fogón te alumbra
y te guía. Te dan su calor
las brazas que se encienden
al amanecer.
La leña seca se diluye
en nuestro espacio.
Tus manos diligentes apuran al comal
para que al abrir la puerta al día
no quede un solo rastro de tus huellas.
Yo voy silbando entre gaviotas.
Deshaciendo los nudos de la noche.
Dirigiendo el bongo hacia
la profundidad del río,
y allá, indefenso y sólo,
a merced de la luna,
pienso en ti.
HAN MUERTO TODOS
Estoy solo;
en la sombra los descarnados pululan.
Ya no hay vida en la mirada.
El barro conjura llagas.
Todas las veredas llegan
al único camino que existe.
El misterio
sólo en la obscuridad es transparente.
Nadie responde.
El silencio también
es una forma de gritar
y yo me voy gritando;
estoy solo, en la casa de plumas de quetzal
descansan todos.
CONOZCO LA LENGUA DEL MUNDO
El mundo ya gira conmigo,
ya me va abriendo sus puertas.
Puedo escuchar a quienes hablan,
a quienes ríen, a quienes lloran.
Voy descubriendo el misterio del mundo.
El mundo ya gira conmigo,
me enseña y me habla.
Porque yo conozco la lengua del mundo.
Porque yo conozco la lengua del cerro,
del trueno, del árbol y del día.
Porque yo conozco la lengua del sol.
Porque yo conozco la lengua de la piedra,
de la tierra, de la flor y de la noche.
Porque yo conozco la lengua de la estrella.
Porque yo conozco la lengua de la luna,
de la nube, del mar y de la muerte.
Que vengan ahora las flores.
Que vengan ahora los pájaros.
Que vengan ahora los gallos.
Que canten conmigo.
Que llegue ahora el copal.
Que llegue ahora el tabaco.
Que llegue ahora el cacao,
que me escuchen.
Ellos serán mis guardias.
Ellos serán las llaves
que me abrirán las puertas.
Ellos me vigilarán
en lo nítido, en lo visible,
en lo oscuro y las sombras.
Ellos serán mis guardias.
VEINTE DÍAS
Guardemos nuestro amor por veinte días.
Veinte días de paz para iniciar la limpia.
Guadermos nuestro sexo en el petate
para aliviarnos, y así detener nuestra vida
para viajar al futuro.
Guardemos nuestra inquietud de madrugada,
en las noches hagamos oraciones que la alejen,
y que nada entre o salga de esta casa,
ni siquiera el suspiro del humo
o la brisa que cachetea el viento
Matemos nuestra carne con incienso,
detengamos la pasión que nos consume,
porque la carne es una hoguera que quema.
Condenemos así la carne frágil y
que nuestra alma vuele y llegue
adonde no hay límites ni abismos.
Allá donde sólo nosotros conocemos la puerta,
como si fuera nuestra casa.
Allá donde únicamente caben
los que son parte del mundo;
los que cuidan y llenan de luz el universo.
Los que pueden sostener una vela durante
veinte días,
mientras menstrúa la luna.
NUESTRA INFANCIA
Nuestra infancia es sólo un recuerdo
demasiado vago.
Qué lejos quedó aquella tierra
que nos vio crecer.
Salieron los primeros suspiros
sin darnos tiempo de madurar.
Despertamos apenas
y ya somos hombres,
y ya somos padres
sin darnos tiempo de mirar el futuro.
No volveremos a jugar
aunque salte nuestra mente buscando juguetes;
ya somos padres
y el tiempo no nos da tregua
para pensar;
tropezamos y nos desmayamos,
no hay tiempo para curarnos;
no existen nuestros sueños en ningún cielo,
no existe nuestra edad
en ningún calendario.
Apenas ayer salieron nuestros primeros suspiros
y ya somos padres.
No hay tiempo de madurar, no lo hay.
Poemas retirados do site: https://www.festivaldepoesiademedellin.org/es/Revista/ultimas_ediciones/86_87/regino.html
Márcia Wayna Kambeba é indígena, do povo Omágua/Kambeba no Alto Solimões (AM). Nasceu na aldeia Belém Solimões, do povo Tikuna. Mora hoje em Belém /PA e é mestra em Geografia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Poeta, cantora, compositora, fotógrafa e ativista, aborda em seus trabalhos a identidade dos povos indígenas, a questão da territorialidade e do espaço das mulheres nas aldeias. É autora do livro “Ay Kakyri Tama – Eu Moro na Cidade”, publicado pela editora Pólen, em 2018.
Texto retirado do site: https://livroecafe.com/2020/07/15/5-poemas-de-marcia-wayna-kambeba/QUER SABER MAIS? ACESSE:
https://www.youtube.com/watch?v=maZLixWP4Yw
https://revistacult.uol.com.br/home/marcia-wayna-kambeba/
https://almaacreana.blogspot.com/2018/06/poemas-de-marcia-wayna-kambeba.html
http://www.casaleiria.com.br/acervo/olma/olugardosaber/12/
https://catracalivre.com.br/cidadania/poeta-indigena-que-luta-pelos-direitos-da-mulher-nas-aldeias/
Silêncio Guerreiro
No território indígena
O silêncio é sabedoria milenar
Aprendemos com os mais velhos
A ouvir, mais que falar.
No silêncio da minha flecha
Resisti, não fui vencido
Fiz do silêncio a minha arma
Pra lutar contra o inimigo.
Silêncio é preciso,
Para ouvir o coração,
A voz da natureza
O choro do nosso chão.
O canto da mãe d’água
Que na dança com o vento
Pede que a respeite
Pois é fonte de sustento.
É preciso silenciar
Para pensar na solução
De frear o homem branco
E defender o nosso lar
Fonte de vida e beleza
Para nós, para a nação!
Ser indígena - Ser omágua
Sou filha da selva, minha fala é Tupi.
Trago em meu peito,
as dores e as alegrias do povo Kambeba
e na alma, a força de reafirmar a
nossa identidade
que há tempo fico esquecida,
diluída na história
Mas hoje, revivo e resgato a chama
ancestral de nossa memória.
Sou Kambeba e existo sim:
No toque de todos os tambores,
na força de todos os arcos,
no sangue derramado que ainda colore
essa terra que é nossa.
Nossa dança guerreira tem começo,
mas não tem fim!
Foi a partir de uma gota d’água
que o sopro da vida
gerou o povo Omágua.
E na dança dos tempos
pajés e curacas
mantêm a palavra
dos espíritos da mata,
refúgio e morada
do povo cabeça-chata.
Que o nosso canto ecoe pelos ares
como um grito de clamor a Tupã,
em ritos sagrados,
em templos erguidos,
em todas as manhãs!
Tana Kumuera Ymimiua
[nossa língua ancestral]
Não se pode dizer que os Kambeba
Esqueceram a língua Tupi
Ainda existem falantes
Que não a deixam sumir
No ensinamento dos que sabem
Memorizo o que aprendi.
Kumiça yuria! Kumiça ypaçu!
[Fala, mata! Fala, lago!]
May-tini na sua grandeza
Por não conseguir entender
Viu nossa fala com estranheza
Português fez o povo aprender.
Mas os Kambeba com esperteza
Ensinavam em segredo
Superando o que seria
O fantasma do seu medo.
A língua não é determinante
Para se poder dizer
Que um indígena não é Kambeba
Por não saber escrever
Na língua do seu povo
A afirmação está no seu ser.
[Tradução de May-tini: homem branco]
Ay kakuyri tama
[Eu moro na cidade]
Ay kakuyri tama.
Ynua tama verano y tana rytama.
Ruaia manuta tana cultura ymimiua,
Sany may-tini, iapã iapuraxi tanu ritual.
Tradução:
Eu moro na cidade
Esta cidade também é nossa aldeia,
Não apagamos nossa cultura ancestral,
Vem homem branco, vamos dançar nosso ritual.
Nasci na Uka sagrada,
Na mata por tempos vivi,
Na terra dos povos indígenas,
Sou Wayna, filha da mãe Aracy.
Minha casa era feita de palha,
Simples, na aldeia cresci
Na lembrança que trago agora,
De um lugar que eu nunca esqueci.
Meu canto era bem diferente,
Cantava na língua Tupi,
Hoje, meu canto guerreiro,
Se une aos Kambeba, aos Tembé, aos Guarani.
Hoje, no mundo em que vivo,
Minha selva, em pedra se tornou,
Não tenho a calma de outrora,
Minha rotina também já mudou.
Em convívio com a sociedade,
Minha cara de “índia” não se transformou,
Posso ser quem tu és,
Sem perder a essência que sou,
Mantenho meu ser indígena,
Na minha Identidade,
Falando da importância do meu povo,
Mesmo vivendo na cidade.
Oração pela libertação dos povos indígenas
Parem de podar as minhas folhas e tirar a minha enxada
Basta de afogar as minhas crenças e tirar minha raiz.
Cessem de arrancar os meus pulmões e sufocar minha razão
Chega de matar minhas cantigas e calar a minha voz.
Não se seca a raiz de quem tem sementes
Espalhadas pela terra pra brotar.
Não se apaga dos avós – rica memória
Veia ancestral: rituais pra se lembrar
Não se aparam largas asas
Que o céu é liberdade
E a fé é encontrá-la.
Rogai por nós, meu Pai-Xamã
Pra que o espírito ruim da mata
Não provoque a fraqueza, a miséria e a morte
Rogai por nós – terra nossa mãe
Pra que essas roupas rotas
E esses homens maus
Se acabem ao toque dos maracás.
Afastai-nos das desgraças, da cachaça e da discórdia,
Ajudai a unidade entre nações.
Alumiai homens, mulheres e crianças,
Apagai entre os fortes a inveja e a ingratidão.
Dai-nos luz, fé, a vida nas pajelanças,
Evitai, ó Tupã, a violência e a matança.
Num lugar sagrado junto ao igarapé.
Nas noites de lua cheia, ó MARÇAL, chamai
Os espíritos das rochas pra dançarmos o Toré.
Trazei-nos nas festas da mandioca e pajés
Uma resistência de vida
Após bebermos nossa chicha com fé.
Rogai por nós, ave-dos-céus
Pra que venham onças, caititus, seriemas e capivaras
Cingir rios Juruena, São Francisco ou Paraná.
Cingir até os mares do Atlântico
Porque pacíficos somos, no entanto.
Mostrai nosso caminho feito boto
Alumiai pro futuro nossa estrela.
Ajudai a tocar as flautas mágicas
Pra vos cantar uma cantiga de oferenda
Ou dançar num ritual lamaká.
Rogai por nós, Ave Xamã
No Nordeste, no Sul toda manhã.
No Amazonas, agreste ou no coração da cunhã.
Rogai por nós, araras, pintados ou tatus,
Vinde em nosso encontro
Meus Deus, NHENDIRU!
Fazei feliz nossa mintã
Que de barrigas índias vão renascer.
Dai-nos cada dia de esperança
Porque só pedimos terra e paz
Pra nossas pobres – essas ricas crianças.
AGONIA DOS PATAXÓS
Às vezes
Me olho no espelho
E me vejo tão distante
Tão fora de contexto !
Parece que não sou daqui
Parece que não sou desse tempo.
PANKARARU
Sabem, meus filhos...
Nós somos marginais das famílias
Somos marginais das cidades
Marginais das palhoças...
E da história ?
Não somos daqui
Nem de acolá...
Estamos sempre ENTRE
Entre este ou aquele
Entre isto ou aquilo !
Até onde aguentaremos, meus filhos ?...
ESSÊNCIA INDÍGENA
Um dia
Esse corpo vai apodrecer
E eu vou ser verdade...
Então eu vou ser feliz.
NESTE SÉCULO DE DOR
Neste século já não teremos mais os sexos.
Porque ser mãe neste século de morte
É estar em febre pra subexistir
É ser fêmea na dor
Espoliada na condição de mulher
Eu repito
Que neste século não teremos mais os sexos
Tão pouco me importa que entendam
Possam só compreender em outro século besta
Não temos mais vagina, não mais procriamos
Nossos maridos morreram
E pra parir indígenas doentes
Pra que matem nossos filhos
E os joguem nas valas
Nas estradas obscuras da vida
Neste mundo sem gente
Basta um só mandante
Neste século não teremos mais peitos
Despeitos, olhos, bocas ou orelhas
Tanto faz sexos ou orelhas
Princípios, morais, preconceitos ou defeitos
Eu não quero mais a agonia dos séculos...
Neste século não teremos mais jeito
Trejeitos, beleza, amor ou dinheiro
Neste século, oh Deus (? !)
Não teremos mais jeito.
UNI-ÃO*
*UNI (União das Nações Indígenas)O que tenho pra te oferecer amigo
Enquanto bebo tua fonte que me espera.
São palavras, são sentidos, são perigos
Ou são silêncios profundos de uma era
O que tenho pra te oferecer amigo
Enquanto sugo de teus olhos uma velha história.
São prazeres, são amores, roucos gritos
Ou sussurros de vencer até a vitória
O que tenho pra te oferecer amigo ?
Enquanto me aqueço no calor de tuas mãos
São lágrimas, são motivos, são juízos
Ou são faíscas conscientes da razão
Andaram a procurar por mim
E eu estava só, triste e doente
E você amigo me estendeu a mão
Mesmo com palavras duras que não mentem
Amigo, tu moras no fundo de minh’alma
E o que tenho pra te oferecer ?
Só muita garra
Muita luta
Uma grande gratidão.
Pra nunca desvanecer...
Pra nunca desmerecer...
Pois te amo com grande afeição !
DESILUSÃO
A mim me choca muito esse ambiente
Essa música, essa dança
Parece que todos dizem sim.
Sim a quê ?
Sim a quem ?
Porque concordar tanto
Se o que se tem que dizer agora
É NÃO !
NÃO a morte da família
NÃO a perda da terra
NÃO ao fim da identidade.
FANTASIAS DESERTAS
Não tenhas medo, IANUÍ
Que não vou-te enfeitiçar
O nada, eu quero de ti
Pro nada talvez vou partir.
Poema de Amor ?
Sei lá... se poema de amor !...
Só sei que me passa essa chama
E que me queima a alma errante.
Horas, mas dias, mil noites
Relembro teu corpo parado
Feito máscara imóvel ao vento
Doido a flutuar nos mares quentes.
Pássaro louco bicando os peixes
Engorda teu peito aberto
Inflama teu coração militante
É tua, essa paixão dos séculos
Mas te guardas feito tatu
Que não é chegada a hora
Enfia teus dedos na terra
Desafoga as dores nela !
Mira pros céus navegantes
De teu barco em flor e vela
E rouba todas as forças solares
E renasce Boto, amante, mais belo.
Engorda teu peito aberto
Aquece o coração nu noutras eras
Alimenta tuas veias em asas
Nas fantasias desertas
Corre pelos cajueiros e arrozais
Que te trago essa cana caiana
E outras limas pra melar nossas bocas
E relaxar no calor das manhãs
Eu não te quero mais puro
Entrega-te que te vejo criança
Amor pronto a explodir
Fogo eterno, quem sabe ?...
Ou vou partir, antes mesmo de vir
Num calor aberto semente...
Numa ilusão e sonho somente...
Nessa estrada longa, errante
Sendo meu caminho tão farto
Sendo teu peito tão forte