O Descanso de Deus

Mantendo o constante hábito de ultrapassar os ensinos da Bíblia, os opositores do Decálogo apresentam a ilusória teoria de que o sábado do quarto mandamento foi substituído pelo descanso espiritual descrito em Hebreus capítulo 4. Este capítulo além de não tratar sobre tal substituição na lei de Deus, invalida prontamente a mencionada teoria ao utilizar o próprio "descanso semanal" (sábado) para descrever o "descanso espiritual" que Deus proporciona por meio de Jesus.

Capítulos Inseparáveis

Apesar da divisão adotada para os capítulos 3 e 4 na "Epístola aos Hebreus", ambos discorrem sobre o mesmo assunto e, claramente nota-se a continuidade do capítulo 3 pelo capítulo 4 através da conjunção grega "oun" (portanto, porquanto, visto que) usada no verso 1. O capítulo 3 inicia apresentando Cristo como "apóstolo e sumo sacerdote" (Hebreus 3:1), e o capítulo 4 conclui exortando que Ele seja buscado com plena confiança (Hebreus 4:16).

Embora estes capítulos contenham informações sobre o sacerdócio de Jesus e apontem diferenças entre antiga e nova alianças(a) (Hebreus 3:1-6; Hebreus 4:14-16), eles detêm-se em relatar o descanso prometido ao povo de Israel e o seu fracasso em adquiri-lo (Hebreus 3:18-19; Hebreus 4:2). O comportamento desta nação sob a antiga aliança é apresentado como uma lição e uma advertência para que os cristãos não tropecem semelhantemente.1 Lembrando que os erros cometidos pelos hebreus não conferem prerrogativas para que outros os condenem (Hebreus 10:30).

Propósitos do Criador

O descanso de Deus não foi conquistado pela geração de Israel que saiu do Egito porque ela se desviou propositalmente dos objetivos estabelecidos.2 Esse descanso prometido a Israel não consistia meramente de um lugar de habitação em Canaã, isso era apenas um aspecto a ser alcançado. Além de um lar permanente e tranquilo, o descanso de Deus incluía a transformação de caráter que qualificaria o povo israelita para representar o Criador à outras nações.3 Pode-se afirmar ainda que o repouso em Canaã representava uma tênue vivência do repouso habitacional que Deus concederá aos remidos na Nova Terra.4

Mesmo após a chegada dos israelitas na terra prometida, o Senhor tinha o objetivo de continuar capacitando-os para serem mensageiros do plano de salvação e, como consequência inevitável, eles obteriam o descanso espiritual de Deus ao viverem em harmonia com os princípios divinos (Deuteronômio 5:32-33; Isaías 48:17-18). Deus desejava que Israel desfrutasse, além de um lugar de paz (oposto ao que sofria no Egito), o descanso espiritual encontrado em Jesus (que estava representado na liturgia do sistema mosaico, Hebreus capítulo 8 e 9). Desde o início, o plano para resgatar o homem de sua condição pecaminosa e lhe conceder novamente o descanso espiritual perdido no Éden (Gênesis capítulo 3), tem exigido a aceitação de Jesus como salvador e a obediência incondicional de Seus ensinos(b) (Isaías capítulo 53; João 1:29).5

Descanso rejeitado

Na criação, Deus havia estabelecido o Seu desígnio para a humanidade. Ele criara um lar onde o pleno descanso (deleite) físico e espiritual predominavam continuamente, até que o pecado interrompeu estas coisas (sobretudo o descanso espiritual); mas não de forma definitiva pois o plano de salvação proporcionou condição para que o homem pudesse reaver sua anterior condição edênica. Sempre foi o intuito de Deus restaurar Sua criação e, obviamente, resgatar a humanidade do pecado. Todavia, o seu envolvimento com o mal e a sua insensibilidade aos apelos de seu Criador, a afastará cada vez mais:

"Assim diz o Senhor: Ponde-vos à margem no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai por ele e achareis descanso para a vossa alma; mas eles dizem: 'Não andaremos'." (Jeremias 6:16 RA cf. Mateus 11:29; Romanos 1:18-25).

E Israel, especificamente a geração saída do Egito, desconsiderou diversas vezes os milagres, os ensinos e as advertências de Deus ao ponto de receber a seguinte notificação: "Nenhum de vocês entrará na terra que, com mão levantada, jurei dar-lhes para sua habitação, exceto Calebe, filho de Jefoné, e Josué, filho de Num. Mas, quanto aos seus filhos, sobre os quais vocês disseram que seriam tomados como despojo de guerra, Eu os farei entrar para desfrutarem a terra que vocês rejeitaram." (Números 14:30-31 NVI cf. Números 14:21-24).

Descanso parcialmente alcançado

Apesar dos descendentes daquele povo rebelde do deserto terem conquistado o repouso na terra de Canaã, eles não foram capazes de obter o descanso espiritual de Deus. E isso é demonstrado na afirmativa: "Ora, se Josué lhes houvesse dado descanso, não falaria, posteriormente, a respeito de outro dia."(c) (Hebreus 4:8). Embora Josué tenha conduzido os filhos daquela geração vinda do Egito à terra de Canaã, auxiliando-os a obter o lugar de repouso (Josué 5:12 cf. Levítico 25:38), ele não tinha firmado-os no descanso espiritual que Deus desejava. Porém, isso não foi culpa de Josué, mas do próprio povo de Israel que se envolveu cada vez mais com o pecado, apesar das inúmeras repreensões (Josué 24:22-23; Daniel 9:11; Oséias 14:1).

Deste modo, o aspecto ou elemento principal do descanso de Deus não ocorreu nos dias de Josué. E Paulo cita este fato ao afirmar que na época de Davi os israelitas ainda não haviam entrado no descanso espiritual de Deus (Hebreus 4:6-7); na realidade, nunca entraram. Cada geração de Israel praticou em essência e repetidas vezes os mesmos erros de seus ancestrais e, por fim, anularam a antiga aliança (Jeremias 11:8-10; Jeremias 31:32). Por isso Deus excluiu os israelitas como Sua nação eleita(d) (Mateus 21:43-46 cf. Romanos 3:3-4, Daniel 9:24), mas não retirou deles a oportunidade de participar da nova aliança (Ezequiel 16:60; Hebreus 8:8-10). Portanto, o descanso citado em Hebreus 4:8 não é o repouso na terra de Canaã (pois os israelitas já o tinham, Josué 14:1-5), e tampouco refere-se ao sábado descrito no quarto mandamento, visto que este já havia sido entregue, ensinado e exigido diretamente por Deus (Êxodo 20:8-11; Êxodo 31:18; Levítico 19:3).

Descanso semanal e espiritual

O fracasso do antigo Israel em conquistar em sua totalidade o descanso de Deus, porventura, o tornou sem efeito? Em outras palavras: O aspecto espiritual do descanso de Deus foi anulado para o Seu povo? (Hebreus 4:5). Não. De forma alguma. Paulo é categórico quanto a isso:

"Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das Suas. Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, segundo o mesmo exemplo de desobediência." (Hebreus 4:9-10 RA).

A citação do descanso semanal do sétimo dia em Hebreus 4:10 ("descansou de suas obras, como Deus das Suas", cf. Hebreus 4:4), usada para confirmar que ainda "resta um repouso para o povo de Deus" (Hebreus 4:9), demonstra que o descanso espiritual nunca foi extinguido; pois assim como o descanso semanal possui propósito e validade permanente(e), o mesmo ocorre com o descanso espiritual de Deus. Embora o pecado tenha desfigurado a criação, o sábado continua vinculado àquele estado de santidade e plena tranquilidade que o homem chegou a usufruir (cf. Gênesis 2:3). Por isso Paulo fez o paralelismo entre o descanso semanal (sábado) e o descanso espiritual (Jesus) em Hebreus capítulo 4.

Deus tinha a intenção de que Seu povo entrasse em Seu descanso espiritual e, conduzissem outros a ele. Porém, "por causa da desobediência, não entraram àqueles aos quais anteriormente foram anunciadas as boas-novas." (Hebreus 4:6 RA cf. Hebreus 3:18-19). E, assim como os israelitas por desobediência não entraram no descanso espiritual (Hebreus 4:6), igualmente por desobediência eles não desfrutaram o sábado, pois suas atitudes não eram baseadas na verdadeira fé e obediência (Hebreus 4:2; Hebreus 11:6; Êxodo capítulo 16). Neste último caso, Deus advertiu os israelitas diversas vezes quanto a profanação de Seu sábado e os notificou de como eles se tornaram péssimos exemplos para as demais nações (Neemias 13:15-22; Ezequiel 20:19-27; Ezequiel 36:17-23). Portanto, através de sua analogia, Paulo em Hebreus 4:9-10 utiliza o descanso referente ao sábado originado na criação (cf. Hebreus 4:3-5) para explicar a validade também do descanso espiritual de Deus aos filhos de Israel (Hebreus 4:1-2).

Reafirmando o descanso de Deus

A lição proveniente do ocorrido com o antigo povo de Israel é relembrada à igreja cristã. Os cristãos estão em perigo semelhante e há a necessidade que recebam estas advertências para evitarem os mesmos erros. Anteriormente aos escritos de Paulo, Davi já havia apresentado a exortação de Deus à geração de sua época para que ela não seguisse o mesmo exemplo de desobediência:

"[...] Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais o coração, como em Meribá, como no dia de Massá, no deserto, quando vossos pais Me tentaram, pondo-Me à prova, não obstante terem visto as Minhas obras. Durante quarenta anos, estive desgostado com essa geração e disse: é povo de coração transviado, não conhece os Meus caminhos. Por isso, jurei na Minha ira: não entrarão no Meu descanso." (Salmos 95:7-11 RA).

Estas palavras permanecem atuantes para cada geração. Em contínuo trabalho em favor da humanidade (João 5:17), Deus revigora as boas-novas de salvação (Hebreus 4:2), e hoje, o faz de forma especial através de Cristo (Tito 2:11-14). Logo, as recomendações para os dias atuais são as mesmas do passado:

"Cuidado, irmãos, para que nenhum de vocês tenha coração perverso e incrédulo, que se afaste do Deus vivo. Pelo contrário, encorajem-se uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama 'hoje', de modo que nenhum de vocês seja endurecido pelo engano do pecado, pois passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de fato, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio." (Hebreus 3:12-14 NVI).

"Visto, portanto, que resta entrarem alguns nele e que, por causa da desobediência, não entraram aqueles aos quais anteriormente foram anunciadas as boas-novas, de novo, determina certo dia, hoje, falando por Davi, muito tempo depois, segundo antes fora declarado: Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais o vosso coração." (Hebreus 4:6-7 RA).

Considerações Finais

O capítulo 4 da "Epístola aos Hebreus" não sustenta a especulação de que o sábado descrito no quarto mandamento tenha sido substituído pelo descanso espiritual de Deus. Ao contrário, na Nova Terra, os filhos de Deus desfrutarão o sábado em sua plenitude pela eternidade. E isto eles conseguirão pela fé em Cristo e pela lealdade aos Seus mandamentos (Apocalipse 14:12 cf. João 15:10; Hebreus 10:15-17). Os propósitos estabelecidos na criação serão completamente restabelecidos e o sábado de igual modo continuará fazendo parte da vida dos remidos (Isaías 66:22-23). Há vários motivos que conduzem Satanás a investir contra o quarto mandamento do Decálogo (Apocalipse 12:17), e dentre eles: tornar os incrédulos e maliciosos indesculpáveis perante a justiça de Deus:

"Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei. [...] Aquele que pratica o pecado procede do diabo, porque o diabo vive pecando desde o princípio." (I João 3:4-8 RA cf. I João 2:1-7).

"Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, Aquele que disse: 'Não adulterarás', também ordenou: 'Não matarás'. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei. Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser julgados pela lei da liberdade." (Tiago 2:10-12 RA cf. Tiago 1:25, Romanos 2:13).

"Se continuarmos a pecar deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados, mas tão-somente uma terrível expectativa de juízo e de fogo intenso que consumirá os inimigos de Deus." (Hebreus 10:26-27 NVI).

O profeta Ezequiel cita alguns motivos que impediram o povo de Israel de conquistar o descanso espiritual:

"[...] Mas a casa de Israel se rebelou contra Mim no deserto, não andando nos Meus estatutos e rejeitando os Meus juízos, os quais, cumprindo-os o homem, viverá por eles; e profanaram grandemente os Meus sábados. Então, Eu disse que derramaria sobre eles o Meu furor no deserto, para os consumir." (Ezequiel 20:12-13 RA).

"No meio de ti, desprezam o pai e a mãe, praticam extorsões contra o estrangeiro e são injustos para com o órfão e a viúva. Desprezaste as Minhas coisas santas e profanaste os Meus sábados. [...] Os seus sacerdotes transgridem a Minha lei e profanam as Minhas coisas santas; entre o santo e o profano, não fazem diferença, nem discernem o imundo do limpo e dos Meus sábados escondem os olhos; e, assim, Sou profanado no meio deles." (Ezequiel 22:7-8 e 26 RA).

E, hoje, os mesmos erros são repetidos tanto por judeus quanto por gentios apesar dos insistentes apelos do Espírito Santo (Isaías 30:21; Romanos 3:9-12).

a. Acesse: Os ministérios da Lei de Deus

b. Acesse: A Graça e a Lei de Deus; Perdão e Salvação

c. A locução prepositiva, "a respeito de", provém da preposição grega "peri", e esta é utilizada em situações que indicam tempo, lugar ou motivo. Diversas variações são aplicadas à ela, tais como: "sobre"; "ao longo de"; "por causa de"; "em torno de"; "junto a"; "em relação a"; "concernente a". O trecho de Hebreus 4:8: "a respeito de outro dia", será melhor compreendido pela tradução: "a respeito em outro dia". Isso pode ser observado quando Paulo e Davi citam o fracasso da nação de Israel na época de Josué (Salmos 95:7; Hebreus 4:8). Se aqueles cativos do Egito tivessem alcançado o descanso que Deus lhes propusera, eles não seriam exemplos de desobediência para as subsequentes gerações que erraram semelhantemente. Deste modo, não haveria comentários em outro período, em outra época sobre eles; "não se falaria posteriormente a respeito em outro dia".

d. Acesse: A Hora do Juízo

e. Acesse: O Sábado no Novo Testamento

1. Ezequiel 23:35-39; Hebreus 3:12-14; Hebreus 4:11; I Coríntios 10:1-11.

2. Neemias 9:16-21; Ezequiel 20:1-17; Hebreus 3:7-11; Hebreus 3:17-19; Hebreus 4:1-2.

3. Êxodo 19:5-6 cf. Gênesis 18:19, Gênesis 26:4-5, Romanos 3:2; Levítico 24:22; Isaías 51:4; Isaías 56:6-7; Romanos 3:29-30; Gálatas 3:28-29.

4. Números 13:23-26; Deuteronômio 1:24-25; Isaías 65:17-25; Isaías 66:22-23; Apocalipse 21:1-5.

5. João 14:6 cf. Apocalipse 22:14; João 14:24-26; I João 2:1-7; Mateus 5:17-19; Mateus 19:16-19; Lucas 16:17; Apocalipse 14:12 cf. Apocalipse 12:17.

Outros estudos: