O Decálogo no Éden - I

Muitos acreditam que os Dez Mandamentos surgiram quando Moisés os recebeu no monte Sinai, sendo até então desconhecidos. Outros creem que eles foram destinados aos judeus e não precisam ser obedecidos pelos gentios. E um terceiro engano afirma que Jesus os substituiu por "dois novos" mandamentos. Estas noções absurdas contrariam fortemente os ensinos da Bíblia, e Deus aniquila pessoalmente a primeira ilusão citada ao declarar:

"Porque Eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor e pratiquem a justiça e o juízo. [...] Na tua descendência serão abençoadas todas as nações da Terra; porque Abraão obedeceu à Minha palavra e guardou os Meus mandados, os Meus preceitos, os Meus estatutos e as Minhas leis." (Gênesis 18:19 RA; Gênesis 26:4-5 RA).

Estes versos afirmam que Abraão seguiu e foi escolhido para ensinar a conduta de vida estabelecida por Deus. Mas antes deste testemunho, Deus tinha feito a ele a seguinte recomendação: "[...] guarde a Minha aliança, tanto você como os seus futuros descendentes." (Gênesis 17:9 NVI). Neste ponto, surgi a pergunta: Os descendentes de Abraão foram igualmente zelosos com a aliança instituída por Deus, obedecendo aos Seus preceitos, estatutos e leis? Vejamos:

"Então, disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover do céu pão, e o povo sairá e colherá diariamente a porção para cada dia, para que Eu ponha à prova se anda na Minha lei ou não.

Dar-se-á que, ao sexto dia, prepararão o que colherem; e será o dobro do que colhem cada dia. [...] Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia é o sábado; nele, não haverá.

Ao sétimo dia, saíram alguns do povo para o colher, porém não o acharam. Então, disse o Senhor a Moisés: 'Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?'" (Êxodo capítulo 16 RA).

Isso ocorreu no deserto de Sim, antes que os descendentes de Abraão chegassem ao deserto do Sinai, onde receberam os Dez Mandamentos na sua forma escrita (em duas tábuas de pedra) após firmarem com o Senhor o pacto de aliança (Êxodo 16:1; Êxodo 19:1-8). Sendo assim, como poderia Deus pôr os israelitas à prova em relação ao sábado do quarto mandamento, se eles ainda iriam recebê-lo no monte Sinai? E por que os reprovou questionando: "Até quando recusareis guardar os Meus mandamentos e as Minhas leis?" (Êxodo 16:28).

O uso da locução adverbial "até quando", que provém do hebraico "'anah"(a), e o uso dos substantivos "mandamentos" e "leis", que são respectivamente traduções do hebraico "mitsvah"(b) e "towrah"(c), demonstram que os israelitas conheciam tanto a observância sabática quanto outras instruções divinas, e vinham a muito tempo negligenciando-as. Deus jamais teria testado-os naquela ocasião se eles não conhecessem os Seus preceitos, isso seria injusto. Através de Abraão eles receberam as orientações divinas transmitidas desde a época de Adão.

A lei de Deus no Éden

Adão e Eva transgrediram no Éden os princípios da lei de Deus quando cederam aos sofismas de Satanás, eles conscientemente desprezaram a justiça que lhes foi ensinada. Nesta infeliz atitude, eles escolheram seguir uma criatura e consideraram as palavras do Deus Criador falsas; desonraram Aquele que lhes concedera a vida; cobiçaram e furtaram; sentenciaram à morte gerações, pois ao perderem o direito à vida eterna tal condição foi repassada aos seus descendentes; e, se estes fatos ocorreram no sétimo dia da semana, pode-se afirmar ainda que tais transgressões ofenderam a Deus no Seu santo sábado.

Antes desse fatídico dia, Adão e Eva não conheciam os resultados do pecado: "eis que o homem se tornou como um de nós conhecedor do bem e do mal [...]" (Gênesis 3:22 RA cf. Romanos 7:7). Eles viviam em perfeita harmonia com Deus e, dia-a-dia, aprendiam sobre o Seu amor sintetizado em Sua lei (cf. Romanos 13:10). A respeito dessas transgressões a Bíblia revela:

"Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram. Porque até ao regime da lei havia pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando não há lei. Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei. [E] o salário do pecado é a morte." (Romanos 5:12-13 RA; I João 3:4 RA; Romanos 6:23 RA).

"Adão e Eva persuadiram-se de que seria questão insignificante o comer do fruto proibido, e que tal ato não poderia resultar em terríveis consequências como as de que Deus os avisara. Mas essa questão insignificante constituía uma transgressão da imutável e santa lei divina, e separou o homem de Deus, abrindo os diques da morte e trazendo sobre o mundo misérias indizíveis. Século após século tem subido da Terra um contínuo grito de lamento, e toda criação geme aflita, em resultado da desobediência do homem. O próprio Céu sentiu os efeitos da rebelião de Satanás contra Deus. O Calvário aí está como um monumento do estupendo sacrifício exigido para expiar a transgressão da lei divina. Não podemos considerar o pecado coisa trivial."1

"Depois da desobediência, Adão e Eva a princípio imaginaram-se ter obtido uma condição mais elevada de existência. Mas logo o pensamento de seus pecados os encheram de terror. Desapareceram o amor e a paz que haviam desfrutado, e em seu lugar experimentavam uma intuição de pecado, um terror pelo futuro. A veste de luz que os rodeara, desapareceu; e para suprir sua falta procuraram fazer para si uma cobertura, pois enquanto estivessem nus, não podiam enfrentar o olhar de Deus e dos santos anjos. Mas a nudez era mais do que física, era também uma nudez de alma."2

Outros exemplos bíblicos demonstram a existência da lei de Deus (Decálogo) antes de ser entregue no monte Sinai, tais como: o assassinato de Abel (Gênesis 4:8); promiscuidade e idolatria de vários povos da antiguidade, como de Sodoma e Gomorra (Gênesis 18:20; Gênesis 19:4-5 cf. Romanos 1:18-32); Abrão antes de se tornar Abraão ocultou o seu real parentesco com Sara (Gênesis 12:10-20); José resistiu ao pecado de adultério (Gênesis 39:7-23); enfim, estes atos não poderiam ser classificados e condenados como pecaminosos se a lei de Deus não existisse anteriormente para denunciá-los (I João 3:4; Romanos 4:15), pois "o pecado não é levado em conta quando não existe lei." (Romanos 5:13 NVI). "[...] De fato, eu não saberia o que é pecado, a não ser por meio da Lei. Pois, na realidade, eu não saberia o que é cobiça, se a Lei não dissesse: 'Não cobiçarás'." (Romanos 7:7 NVI). Sem a lei, por exemplo, Sodoma e Gomorra teriam sido injustamente condenadas a destruição (II Pedro 2:6 cf. Romanos 1:18).

A lei sob ataque no Céu

Lúcifer quando cobiçou o trono de Deus, ele transgrediu o princípio do décimo mandamento, e tal atitude levou-o posteriormente a violar os demais preceitos da lei.3 E aquilo que ele não conseguiu no Céu(d), esforça-se a todo custo para obter na Terra: adoração e domínio absolutos. Para isso ele utiliza o mesmo artifício, tornar a lei desprezível(e); e entende perfeitamente que para atingir este objetivo não há necessidade de proporcionar a transgressão de cada um dos Dez Mandamentos:

"Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, Aquele que disse: 'Não adulterarás', também ordenou: 'Não matarás'. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei. Falai de tal maneira e de tal maneira procedei como aqueles que hão de ser julgados pela lei da liberdade." (Tiago 2:10-12 RA cf. I João 2:1-4).

As Escrituras não favorecem ideologias contrárias à lei de Deus, agir contra ela é auxiliar Satanás em seus propósitos. E eis os "motivos" que o conduz a combatê-la:

Deus é amor (I João 4:8), a base da lei é o amor (Romanos 13:8-10; Mateus 22:37-40).

Deus é santo, justo e bom (Salmos 99:5; Marcos 10:18; Salmos 7:11), Sua lei é santa, justa e boa (Romanos 7:12).

Deus é eterno (I Timóteo 1:17), Sua lei é eterna (Lucas 16:17 cf. Isaías 24:5-6).

Deus é imutável (Tiago 1:17 cf. Malaquias 3:6), Sua lei é imutável (Mateus 5:17-19).

Deus é a verdade (João 14:6; Salmos 31:5), Sua lei é a verdade (Salmos 119:142).

Alinhadas acima características inerentes a Deus e atribuídas também a Sua lei, visto que: os seus mandamentos descrevem o próprio caráter do Legislador e revelam o zelo dEle por Suas criaturas. A lei é a base do governo de Deus e, por seu intermédio, haverá o devido julgamento da humanidade(f). Não é de admirar o colossal esforço de Satanás para ocultá-la da mente do homem.4

Fundamentos do Decálogo

"Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas." (Mateus 22:37-40 RA; Marcos 12:30:31).

Através de falsas interpretações destes versos, existe o esforço em substituir o Decálogo pelos dois mandamentos citados por Jesus. Porém, sem dificuldade alguma, percebe-se a leviandade nesta tentativa uma vez que os versos de Mateus 22:37-40 são na realidade a resposta para a pergunta: "Mestre, qual é o grande mandamento na lei?"(g) (Mateus 22:36 RA). Neste questionamento não se faz qualquer alusão sobre a substituição da lei, tanto a pergunta quanto a resposta estão envolvidas em destacar o mandamento de maior importância pertencente à ela.

Na expectativa de constranger Jesus, os fariseus interrogaram-No a respeito dos mandamentos contidos na lei mosaica e esperavam que Ele indicasse algum que não satisfizesse a pergunta. Mas, se decepcionaram ao receberem como resposta os dois mandamentos que retêm os princípios bases de toda a lei: amor a Deus, e amor ao próximo. A lei mosaica em sua totalidade esta alicerçada sobre estes fundamentos e Jesus simplesmente assinala o que já era ensinado pela própria lei: "Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. [...] amarás o teu próximo como a ti mesmo." (Deuteronômio 6:5; Levítico 19:18 RA). Ao contrário do que muitos imaginam, a resposta de Jesus não era algo novo ou exclusivo do Novo Testamento, como se pode observar nestes versos(h). E João chama atenção para isso ao dizer: "[...] peço-te, não como se escrevesse mandamento novo, senão o que tivemos desde o princípio: que nos amemos uns aos outros." (II João 1:5).

O apóstolo Paulo também refere-se a estes alicerces ou fundamentos da lei: "[...] não adulterarás, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e, se há qualquer outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: amarás o teu próximo como a ti mesmo. O amor não pratica o mal contra o próximo; de sorte que o cumprimento da lei é o amor." (Romanos 13:9-10 RA). Nota-se ainda que Paulo exemplifica este assunto citando exclusivamente os mandamentos do Decálogo, os quais além de estarem fundamentados no princípio do amor, são a base da lei mosaica(i). O amor a Deus sempre estará sintetizado na obediência aos quatro primeiros mandamentos do Decálogo, assim como o amor ao próximo desenvolverá a dedicação aos seis últimos.

Considerações Finais

A Bíblia revela claramente a existência da lei de Deus (Decálogo) antes da criação do homem e, consequentemente, antes de Moisés. Ela foi estabelecida na Terra para toda a humanidade (Eclesiastes 12:13 cf. Mateus 19:17-19). Os descendentes de Abraão, quando foram convocados por Deus para levarem os Seus ensinos às demais nações (Êxodo 19:5-6; Isaías 51:4; Romanos 3:2), já tinham o conhecimento desta lei antes de ser entregue na sua forma escrita no monte Sinai.

Deus não é um Criador e Governador de improviso, que realiza Seus propósitos sem planejamento. Ele não elabora regras conforme o surgimento das circunstâncias. E tais afirmativas são confirmadas pelas seguintes declarações: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!", "[...] Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo" (João 1:29 RA; Apocalipse 13:8 RA). Este sacrifício único e derradeiro foi providenciado justamente pelos pecados do homem, pecados que segundo os ensinos escriturísticos são ocasionados pela desobediência aos princípios do Decálogo.5

O plano de salvação foi minuciosamente articulado antes da criação. Deus tinha conhecimento das transgressões que o homem causaria à Sua lei influenciado por Satanás (cf. Apocalipse 12:17, João 8:44). O "fruto" de uma árvore, obviamente, não foi a causa do grande conflito em que a humanidade se envolveu. As implicações registradas em Gênesis capítulo 3 vão muito além disso.

Vídeos relacionados: Os Dez Mandamentos

a. 'Anah relativo a tempo significa: quando?, quanto tempo?, até quando?

b. Mitsvah significa: mandamento, preceito, regra; coletivamente formam uma lei.

c. Towrah significa: instrução; orientação; conjunto de ensinos proféticos; lei deuteronômica ou mosaica; leis específicas, códigos específicos, por exemplo: lei de ofertas queimadas e o Decálogo.

d. Acesse: A Origem do Mal

e. Acesse: A Lei de Deus - Adulterada

f. Acesse: A Lei do Tribunal Celestial

g. A palavra "lei" em Mateus 22:36 origina-se do grego "nomos", e no contexto da questão refere-se a lei de Moisés, ao conjunto de mandamentos da Torah.

h. A crença de que o preceito, "amarás o teu próximo como a ti mesmo", originou-se com o Novo Testamento, ocorre pelo desconhecimento de Levítico 19:18, e pela interpretação equivocada das seguintes palavras de Jesus: "Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei [...]" (João 13:34 RA). Jesus não afirmou que este preceito era "novo" no sentido de "inédito" ou "recém estabelecido", mas, que era novo para aqueles que o ouviram na ocasião, pois eles desconheciam o mandamento anunciado. No idioma grego, a palavra "novo", pode ser escrita de duas formas: "neos" (quando algo é novo no sentido de: tempo recente; jovem; recém originado; que surgiu a pouco tempo), e "kainos" (quando algo é novo no sentido de: antes desconhecido; incomum; anteriormente ignorado; recém revelado). E João 13:34 utiliza a palavra "kainos", identificando que o mandamento já existia, porém, era desconhecido para os ouvintes de Jesus. Outros exemplos que utilizam o adjetivo "kainos": "Todos se admiraram, a ponto de perguntarem entre si: 'Que vem a ser isto? Uma nova [kainos] doutrina!' [...]" (Marcos 1:27 RA); "Estes sinais hão de acompanhar aqueles que crêem: em Meu nome, expelirão demônios; falarão novas [kainos] línguas." (Marcos 16:17 RA).

i. Acesse: Lei de Deus & Lei de Moisés (em: Preceitos temporários e perpétuos).

1. WHITE, E. G. Caminho a Cristo, São Paulo: CPB, cap. 3, p. 33.

2. WHITE, E. G. Patriarcas e Profetas, São Paulo: CPB, sec. I, cap. 3, p. 57.

3. Isaías 14:12-14; Ezequiel 28:12-17 cf. João 8:44; Apocalipse 12:7-12.

4. Hebreus 8:10-12; Hebreus 10:15-17 cf. Jeremias 31:33-34; Isaías 8:16.

5. Hebreus 10:12-13; I João 3:4; Romanos 4:15; Romanos 7:7.

Outros estudos: