A Graça e a Lei de Deus

No mundo religioso tem sido ensinado uma doutrina de "graça" tão errônea, que ela caracteriza-se como uma doutrina de desgraça. Através de ensinos distorcidos, Jesus tem sido apresentado como Alguém que nos livra de guardar os mandamentos de Deus ao invés de nos salvar de transgredi-los (cf. João 15:10; I João 2:4; I João 5:3).

É lamentável que o cristianismo seja assolado por uma espécie de "graça" que tem mais o sentido de indulgência(a) ou de um manto acobertador de iniquidades, do que o dom divino de salvação aos pecadores.

O falso ensino atribuído à graça tornou-se a maior deturpação teológica dos tempos, seu fundamento consiste na teoria de que: a lei foi anulada pela graça divina. E, associado a isto, defende-se a ideia da existência de duas épocas distintas, uma da lei (abrangendo o período do Velho Testamento) e outra da graça (abrangendo o período do Novo Testamento).

Dádiva imensurável

Graça é a misericórdia de Deus concedida ao pecador arrependido (II Coríntios 7:10; Efésios 2:8-9). Graça consiste no perdão de Deus(b), disponível por causa do Seu imensurável amor pela humanidade, e este amor está manifestado no sacrifício de Jesus (João 3:16). A graça elimina o castigo de morte eterna que deveria ser aplicado a todo aquele que agiu contra a lei de Deus. "A alma que pecar, essa morrerá", "porque o pecado é a transgressão da lei" e "o salário do pecado é a morte". "Riscarei do Meu livro todo aquele que pecar contra Mim." E, "aqueles cujos nomes não foram encontrados no livro da Vida foram lançados no lago de fogo."1

"[...] Essa misericórdia e bondade são totalmente imerecidas. A graça de Cristo é gratuita para justificar o pecador, sem qualquer mérito ou exigência de sua parte. Justificação é o perdão total do pecado. No momento em que o pecador aceita a Cristo pela fé, ele é perdoado."2 Há, porém, um limite a essa graça. A misericórdia pode interceder por anos e ser negligenciada e rejeitada; vem, porém, o tempo em que essa misericórdia faz sua derradeira súplica. Mas o coração torna-se tão endurecido que cessa de atender ao Espírito Santo de Deus (cf. Hebreus 10:15-18, Romanos 8:5-8). Então a suave, a atraente voz não mais suplica ao pecador (cf. Isaías 30:21), e cessam as reprovações e advertências.3

A lei de Deus é atuante e exigente, revela a transgressão e a condena. E é justamente porque ela traz condenação e não disponibiliza salvação que recorremos à graça. Sobre esta questão, o teólogo batista Augustus Strong declara:

"A graça é para ser considerada, contudo, não como revogando a lei, mas como reafirmando e estabelecendo-a (Rom. 3:31 - 'estabelecemos a lei'). Ao remover os obstáculos ao perdão na mente de Deus, e habilitando o homem a obedecer, a graça assegura o perfeito cumprimento da lei (Rom. 8:4 - 'que a justiça da lei se cumprisse em nós'). [...] Sem a graça, a lei tem apenas um aspecto exigente. Somente em conexão com a graça ela tornar-se 'a lei perfeita, a lei da liberdade' (Tiago 1:25)."4

E esta lei mencionada em Tiago 1:25 é incontestavelmente a lei de Deus(c), constituída por Dez Mandamentos (Tiago 2:8-13 cf. Mateus 19:16-19, Romanos 13:8-10). Se ela tivesse sido abolida não existiria transgressão, pois não haveria o que transgredir; isso anularia a existência do pecado e consequentemente a condenação destinada a ele.5 E não havendo pecado, não há necessidade de graça, pois ela foi concedida pelos efeitos do pecado (Isaías capítulo 53). Sem a lei de Deus não há motivo para que a graça permaneça atuante (Romanos 5:18-21), uma pressupõe a outra. A graça além de nos salvar da condenação da lei, nos habilita a viver em harmonia com os seus preceitos.6 Não há contradição mas uma interdependência entre lei e graça. Elas se harmonizam e completam-se em suas respectivas funções.

Início da graça

É extremamente errado acreditar que a graça surgiu com a cruz do Calvário e que tenha substituído a lei.7 Infelizmente é assim que muitos entendem as expressões "debaixo da lei" e "debaixo da graça" citadas em Romanos 6:14 (NVI). Se isso fosse verdade, como fica a situação dos pecadores antes da morte de Cristo? De que forma foram salvos? Este ponto não pode ser passado por alto, porque as Escrituras ensinam claramente que a salvação é obtida unicamente pela graça (Efésios 2:8-9 cf. Gálatas 5:4).

E se a graça não existia antes da cruz, consequentemente os pecadores que viveram nos tempos patriarcais e posteriores não se salvaram, pois viveram antes da graça (antes de Cristo). Alguns na tentativa de sanar a falha dessa falsa teoria alegam que os pecadores do Velho Testamento se salvaram pelas obras da lei, agravando ainda mais o erro na qual estão envolvidos. Os adeptos deste absurdo ensino terão que assumir que o Céu estará dividido em dois grupos: um a proclamar que foi salvo pelos seus méritos e esforços, por ter guardado a lei (isto seria um insulto a Jesus, um ultraje ao Seu sacrifício) e, o outro grupo que viveu depois da cruz, proclamando humildemente os louvores a Cristo que lhe concedeu a vida eterna por meio da graça.

A Bíblia não ensina a existência de um período da lei e outro da graça separados pela cruz, e tampouco ensina que haverá dois grupos de remidos, um salvo pela "lei" e outro pela "graça". Estas coisas são nocivas invenções mantidas pelo homem, e extremamente ofensivas ao plano de salvação elaborado por Deus. Tais conceitos são blasfemos e devem ser rejeitados. A verdade é que: a graça vem de tempos longínquos (Romanos 16:25-27), que o "Cordeiro foi morto deste a fundação do mundo" (Apocalipse 13:8 RA), que a graça "nos foi dada em Cristo Jesus, antes de tempos eternos" (II Timóteo 1:8-10 RA).

Em Hebreus capítulo 11 estão listados aqueles que, antes de Cristo, obtiveram a salvação pela fé, alcançaram a misericórdia pela fé no Cordeiro de Deus (cf. João 1:29). Abraão foi salvo pela graça (Romanos 4:1-3; Gálatas 3:8-9), Davi da mesma forma conquistou a graça pela fé em Cristo (Romanos 4:6).

A graça sempre esteve estendida a todos os homens (Tito 2:11-14; Romanos 5:18). Ela estava planejada antes mesmo do pecado de Adão (Tito 1:1-2), e começou a vigorar desde o Éden (Gênesis capítulo 3). Mas um dia ela será retirada(d), cessará de vigorar (Apocalipse 7:1-3; Apocalipse 16:17-21 cf. Hebreus 4:16). Portanto, os pecadores da época do Velho Testamento também se salvaram pela graça. Então por que afirmar que ela veio depois da cruz?

Em matéria de salvação toda a humanidade sempre esteve "debaixo da graça". Os sacrifícios realizados na antiguidade simbolizavam a fé no futuro Messias, Jesus (Hebreus 9:9-12). O cerimonialismo ensinado por Deus na antiga aliança não visava expressar obras, mas fé no perdão que se consolidou através de Cristo, na cruz do Calvário.

"Debaixo da lei"

Paulo nunca excluiu a lei da vida do cristão (Romanos 3:31; I Coríntios 7:18-19); nunca estabeleceu conflito algum entre lei e graça; nunca ensinou duas maneiras de alcançar a salvação. A sua afirmativa: "não estais debaixo da lei[e], e sim da graça" (Romanos 6:14 RA), declara que o pecador arrependido, ao abandonar a sua conduta pecaminosa, não está sujeito a condenação por ter transgredido a lei de Deus (cf. Romanos 7:5-12), pois a graça concedeu-lhe o perdão (cf. Ezequiel 33:12-16; Miquéias 7:18-20; Hebreus 8:10-12).

Paulo exortou os cristãos romanos a não retornarem às suas antigas atitudes de pecado, pois, agindo desta maneira, preservariam o respeito pela lei de Deus e evitariam que o mal dominasse novamente suas vidas; eles não seriam como antes, escravos do pecado (Romanos 6:11-23; Romanos 7:14-25). O verso de Romanos 6:14 apresenta o seguinte ensino: "Tendo abandonado os vossos pecados, tendo cessado de quebrar a lei, tendo crido em Cristo e sendo batizados, vós agora não sois mais governados pelo mal ou pelas paixões carnais; não sois condenados pela lei, porque achastes graça à vista de Deus, que vos concedeu este favor imerecido, e os vossos pecados foram perdoados." - E somente uma vida guiada pelo Espírito Santo é capaz de obedecer a lei de Deus.8

Quando o pecador aceita a salvação concedida pela graça, ele passa por uma conversão; há uma mudança do "velho" para o "novo" homem, do pecado para a santidade, da condenação para absolvição (Romanos 6:1-7). Todavia, se ele anular o perdão que lhe foi concedido, praticando novamente as más obras, a lei com toda a sua autoridade (firme e implacável), se fará atuante e apontará o seu respectivo pecado; ele estará mais uma vez "debaixo da lei". Ela exercerá novamente o seu direito de cobrar justiça e a devida punição: a morte eterna. E caso o pecador escolha sair desta condição, ele terá que recorrer novamente a graça para obter mais uma vez o perdão.

Pecaremos ou transgrediremos os mandamentos de Deus porque não estamos "debaixo da lei" (sob sua condenação) mas "debaixo da graça" (ao abrigo do perdão divino)? De modo nenhum (Romanos 6:15). Portanto, a própria conclusão de Paulo aniquila inteiramente a teoria de um suposto conflito entre a lei e a graça, ou, de que a graça anulou a lei. A ideia de se estar "livre da lei" (livre de obedecê-la) não é nova, este vil pensamento surgiu pela primeira vez, por volta de 608 a.C., nos tempos do profeta Jeremias. Naquela época esse argumento indigno foi apresentado pelo rebelde povo de Judá a fim de "justificar" os seus pecados:

"Mas vejam! Vocês confiam em palavras enganosas e inúteis. Vocês pensam que podem roubar e matar, cometer adultério e jurar falsamente, queimar incenso a Baal e seguir outros deuses que vocês não conheceram, e depois vir e permanecer perante Mim neste templo, que leva o Meu nome, e dizer: 'Estamos seguros!' Seguros para continuar com todas essas práticas repugnantes?" (Jeremias 7:8-10 NVI).

Atitude semelhante existe entre os professos cristãos da atualidade. É comum ouvir "não estamos debaixo da lei, e sim da graça", unicamente na tentativa de justificar a desobediência ao quarto mandamento. Ninguém a utiliza como pretexto para descumprir os demais preceitos de Deus. Acredita-se que aqueles que usam esse argumento para fugir da guarda do sábado, não sentem nenhum desejo de blasfemar, roubar, matar, adulterar e etc., certamente que estas coisas lhes causam horror. Contudo, com tal atitude, apenas provam que não é a lei de Deus que os inibe de cometer tais transgressões, mas a educação que receberam; a vigilância social e a opinião pública. Se a prática desses horríveis pecados fossem aceitos na sociedade, então não hesitariam em dizer que praticam tais coisas porque "não estão debaixo da lei, e sim da graça", usariam o mesmo argumento registrado em Jeremias 7:10.

Outra questão inegável, os que pisam deliberadamente o quarto mandamento dizendo que não estão "debaixo da lei", creem que não devem insultar o nome de Deus, desonrar pai e mãe, idolatrar, furtar; enfim, evitam estas e outras práticas hediondas. Em outras palavras, "obedecem" parcialmente a lei de Deus apenas por formalismo social e agem de maneira contraditória, pois, segundo a teoria que defendem, estão certamente "debaixo da lei" pelo fato de "guardarem" nove dos Dez Mandamentos.

Vídeos relacionados: A Lei e a Graça; Cremos na Graça

Texto baseado em: CHRISTIANINI, A. B. (1981). Subtilezas do Erro, 2.ª ed., São Paulo: CPB, p. 93-96.

a. Prática da igreja romana, na idade média, que consistia em conceder perdão parcial ou total de pecados; ocorrendo casos em que este perdão era vendido e o comprador recebia um documento "garantindo" a quitação de sua(s) transgressão(ões). Alguns desses documentos continham prazo de validade.

b. Acesse: Perdão e Salvação

c. Acesse: Lei de Deus & Lei de Moisés

d. Acesse: Finda-se o Tempo

e. A expressão "debaixo da lei" também é usada nos seguintes versos: "[...] Para os que estão debaixo da lei, tornei-me como se estivesse sujeito à lei (embora eu mesmo não esteja debaixo da lei), a fim de ganhar os que estão debaixo da lei." (I Coríntios 9:20 NVI); "Mas, quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou Seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, a fim de redimir os que estavam sob a lei, para que recebêssemos a adoção de filhos." (Gálatas 4:4-5 NVI). Nos dois casos a expressão "debaixo da lei" não é aplicada com o mesmo significado de Romanos 6:14-15. Enquanto Paulo em Romanos 6:14-15 utiliza esta expressão para comparar duas condições distintas na vida do homem, aquela dominada pelo pecado e consequentemente sob a condenação da lei (debaixo da lei) e aquela livre do comportamento pecaminoso e consequentemente sob o perdão de Deus (debaixo da graça), em I Coríntios 9:20 e Gálatas 4:4-5 ele utiliza a expressão "debaixo da lei" para indicar a condição de submissão (obediência) integral da lei de Moisés. Em Gálatas 4:4, Paulo refere-se a condição de nascimento de Jesus, que foi sob a jurisdição da lei mosaica. E Ele cumpriu todas as exigências desta lei (Mateus 5:17-18 cf. Isaías 53:9). Igualmente, a afirmativa em Gálatas 4:5: "a fim de redimir os que estavam sob a lei", refere-se aos demais judeus que estavam submissos as peculiaridades cerimoniais da lei de Moisés (Gálatas 3:23-29 cf. II Coríntios 3:12-18), mas haviam sido libertos de tais coisas com o sacrifício de Jesus (Mateus 27:51 cf. Efésios 2:15). Portanto, o sentido contextual, o valor semântico da palavra "debaixo" (gr. hupo) em I Coríntios 9:10 e Gálatas 4:4-5 é completamente distinto de Romanos 6:14-15. Para maiores esclarecimentos sobre I Coríntios 9:10 acesse: Obediência por Interesse?

1. Ezequiel 18:20; I João 3:4; Romanos 6:23; Êxodo 32:33; Apocalipse 20:15.

2. Signs of the Times, 19 de maio de 1898. In: WHITE, E. G. Cuidado de Deus, São Paulo: CPB, p. 325; (Meditações Matinais, 1995).

3. WHITE, E. G. Desejado de Todas as Nações, O; São Paulo: CPB, sec. III, cap. 64, p. 587. Acesse: Misericórdia Infinita, Paciência Limitada.

4. STRONG, A. H. (1097). Systematic Theology, vol. II, Philadelphia: American Baptist Publication Society, chap. III, sec. III, p. 548-549; (Augustus Hopkins Strong foi presidente e professor de teologia bíblica no Seminário Teológico de Rochester, fundado pela universidade de Rochester).

5. Isaías 24:5-6; Romanos 5:12-13 cf. I Coríntios 15:56; Apocalipse 21:8.

6. Isaías 42:21; João 14:15-21; I João 3:21-24; I João 5:1-5.

7. Mateus 5:17-19; Lucas 16:17; Romanos 3:31; Apocalipse 11:19, Apocalipse 15:5 cf. Êxodo 25:8-16, Hebreus 9:1-5.

8. Romanos 7:14; Romanos 8:5-8 cf. João 14:21-26, Hebreus 10:15-17.

Outros estudos: