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Sobre o Doutor Ruy Luis Gomes

 

 

Segundo leio no DN de hoje o Professor Arala Chaves referindo-se ao Dr. Ruy Luis Gomes  “recordou ter ficado surpreendido pelo facto de, quando em 1973 eclodiu o golpe militar no Brasil, país onde o matemático se encontrava exilado, não ter havido [de parte de RLG] qualquer reacção, apesar de muitos professores estarem a ser vítimas de violenta repressão”. Há, em primeiro lugar, um erro de datas: o golpe militar no Brasil foi em 1964 e não 1973.  Mas, sobretudo, a que título  o professor Arala Chaves se permite falar de uma situação que não conheceu directamente e sobre a qual, manifestamente, não se procurou informar.  No dia 1 de Abril de 1964 eu almocei em casa do Dr. Ruy Luis Gomes  depois de ter dado a primeira, mas já não a segunda aula, na Escola de Engenharia de Pernambuco, onde era professor.  Duas horas depois pedi a um estudante para ir a casa dele pedir uma camisa emprestada porque a minha tinha ficado encharcada com o sangue de um estudante que tinha levado ao hospital com uma bala na garganta e que me tinha morrido nos braços. Uns dias depois fui preso.  Quando, dois meses depois fui libertado, voltei a dar aulas  na

Escola de Engenharia.  Durante todo este periodo o apoio do Dr. Ruy Luis Gomes e da esposa, e lembro, também, do Professor José Morgado e da esposa, foi total.  O clima de insegurança naqueles dias era muito grande. Lembro-me de ver, ao lado da casa do dr. Ruy Luis Gomes, uma vivenda cercada pelo Exército com os soldados a apontar as espingardas a todas as janelas.  Houve estudantes que tiveram de fugir, mas:***************************************************++

professores presos foram poucos.  Lembro-me só do Arquitecto Amorim, também português, professor na Escola de Arquitectura que esteve preso  três dias. Estive preso com ele na sede da polícia nesses três dias.  Ele estava com uma profunda depressão antes de se preso e lembro-me de o ouvir dizer. “Estou-me a aguentar, estou-me a aguentar”.  Fiquei com a impressão de que se curou da depressão.  O Brasil é um país muito violento e muito diversificado. Houve presos interrogados com o cano de um revolver na boca. Mas eu era, manifestamente, um preso sem importância. Nunca fui seriamente incomodado e na prisão conheci a melhor sociedade do Recife. Depois de voltar a dar aulas, a minha situação foi-se tornando progressivamente insustentavel. A polícia disse que tinha vindo uma ordem do Sul para me prenderem de novo. A Universidade deu-me apoio e houve uma espécie de negociação tripla  em que eu pedi a rescisão do meu contrato para voltar à Europa. Em tudo isto houve a presença cívica do Dr. Ruy Luis Gomes, que depois se manteve durante todo o periodo da Ditadura. A ele, ao Professor Morgado e ao Professor Pereira Gomes ficou o Brasil a dever a criação no Nordeste de um centro de investigação em Matemática que criou razes e que continua. É sobre este Centro que o Professor Arala Chaves tem competência para se pronunciar, e não  sobre outros assuntos  que se desenrolaram num contexto e numa situação  relativamente à qual, provavelmente, não viveu nada de semelhante, e  que não é capaz de imaginar.

 

                                   António Brotas

            Professor Jubilado do IST e antigo Professor da Universidade do Recife

                      

Nota:  O Professor Arala Chaves informou-me quando lhe fiz chegar este texto que a comunicação social tinha deformado e mutilado muito a sua intervenção no encontro comemorativo do centenário do nascimento do Doutor Ruy Luis Gomes.