catastrofe

A Catástrofe

 

                Relato de acontecimentos ocorridos  na terceira década do terceiro milénio no planeta Terra, em particular no lado Oeste da península Ibérica, com eventual registo de alguns acontecimentos anteriores.

               

Antecedentes:  Título de uma notícia do D.N. de 13 de Março de 1998:

 

                               “ MAIS UM ASTERÓIDE PERIGOSO

Avistado pela primeira vez em Dezembro, o 1997-XF-11 vai interceptar a órbita terrestre em 2028. Colidirá com o nosso planeta? Ninguém sabe”.

 

                                              

Capítulo  1º

 

                   O Fim da Comunidade Europeia   

 

 

                                    Passa-se no ano de 2026.

 

                O primeiro ministro de Portugal entrou no avião profundamente acabrunhado.  Só com a ajuda do colega espanhol conseguira aquele transporte.  A reunião dos primeiros ministros da UE terminara da pior maneira. A UE acabara na verdade.

 

                Dois dias antes era terrível o peso da  angústia que dominava o planeta. O medo era terrível, mas havia a esperança de que nada sucedesse.           

 

                Mesmo os mais pessimistas acreditavam que a probabilidade do asteróide   passar ao lado da Terra sem impacto era  superior  à probabilidade do choque.  Os pessimistas  consideravam que a relação entre estas probabilidades era mais ou menos da ordem dos 3 para 1,  os optimistas dos 10 para 1. Havia mesmo uns inveterados optimistas que consideravam que a relação era de 100 para l. 

 

                Todos, obviamente, tinham medo. Muito medo. Porque à imprevisão sobre a concretização da catástrofe  se somava a dúvida  sobre a sua extensão. Havia  desde os “pessimistas”  que admitiam que o choque mataria toda a Humanidade, até aos “optimistas” que  admitiam que só mataria 10%.  A opinião média era de que, em caso de choque, morreria 50%.       

 

                Obviamente, todas  as probabilidades referidas tinham um valor subjectivo. Em  cada indivíduo elas resultavam, no fundo, das variadíssimas e dispersas informações, quase sempre  superficiais e sem valor científico, que a comunicação social, num crescendo, nos últimos anos lhe fizera chegar.

 

                Não havia Universidade,  cientista na berra,  ministro da Cultura, ou vidente, que não tivesse emitido uma opinião. 

 

                Os cientistas mais sérios e que mais aprofundadamente estudavam o assunto eram , exactamente, os menos ouvidos pela comunicação social.

 

                Os políticos responsáveis pela condução do planeta - não no que diz respeito à órbita da Terra, que aí  nada podiam, mas no que diz respeito aos homens que vivem  à sua superfície  -  tiveram o mérito no problema em questão de não ir atrás da Comunicação Social  e de compreender que já se perdera muito tempo.

 

                Não propriamente no impulsionar  básico  de estudos,  porque as  verbas  atribuídas aos centros  de estudo de órbitas  tinham crescido vertiginosamente nos últimos anos, mas no saber retirar  informações úteis, credíveis e essenciais de uma  montanha de resultados - os artigos publicados em revistas tidas por científicas pesavam toneladas - que  misturavam o sério,  o supérfluo, o essencial, as abordagens  limitadas e estreitas típicas de alguns cientistas, a fantasia, o irresponsabilidade e, não poucas vezes, a fancaria.

 

                Fora neste terreno que algo se conseguira  nos últimos dois  meses.   Influenciados  por alguns dos seus elementos que reuniam  bom senso, visão organizativa e  formação científica, os políticos responsáveis pela condução do planeta tinham ultrapassado a fase das discussões verbais e posto em marcha um plano  que consistia essencialmente no seguinte.

 

                Tinham seleccionado e organizado, com critérios que tinham sido bem aceites,  uma  equipe de cientistas e técnicos de primeiríssimo plano  a quem, tendo-lhe fornecido todos os meios e todo o acesso à informação, tinham   encarregue, com o compromisso de silêncio absoluto até ao final, de responder, no prazo de dois meses, com o máximo de objectividade,  á pergunta:

 

                O que é que vai suceder? 

 

                 Era esta resposta que tinha sido dada umas horas antes. Para a ouvir e poderem imediatamente actuar,  tinham-se  reunido todos os grandes núcleos  de decisão política mundial, entre eles o conselho dos primeiros ministros da UE.

 

                A comunicação tida sido feita em Nova Iorque, na ONU, pelo Presidente da comissão ladeado por alguns dos seus elementos mais proeminentes, com transmissão simultânea para todo o mundo.   Ao entrarem na sala,  a expressão algo fechada de todos eles não permitiu adivinhar o que iam dizer, mas  a ausência de qualquer sorriso  fez desde logo sentir que  o acto não terminaria numa explosão de júbilo.

 

                O Presidente, numas breves  palavras iniciais , disse  que tinha havido concordância unânime da comissão  nas conclusões que ia apresentar e, entrando de imediato no assunto, disse que o choque era certo  e que  provocaria uma terrível catástrofe mundial.

 

                Haveria   um gigantesco tremor de terra e  um maremoto, mas , no dia seguinte,  o planeta estaria na normalidade, não estando previsto um aumento da actividade vulcânica nem alterações da atmosfera. As destituições seriam, no entanto, gigantescas,  sendo de prever a morte de  cerca de 50% da população  mundial  no caso de não serem tomadas nenhumas medidas preventivas. A percentagem podia ser significativamente reduzida com medidas adequadas.  A destruição  dos edifícios seria superior a 80%. 

 

                Acrescentou  que a catástrofe teria uma gravidade    muito variável nas diferentes regiões da Terra.  Uma informação  sobre o assunto estava incluída no relatório que, no momento, começava a ser transmitido por meios informáticos para todo o mundo.  Disse uma palavras mais sobre a necessidade de continuar os  estudos, mas  praticamente já  ninguém o ouviu.

 

                À superfície da Terra  a vida dos homens  quase parou.  Mais tarde, houve quem  dissesse  que  o mais importante que acontecera a seguir  fora  os  pássaros terem continuado a cantar.  Alguém o escreveu e outros o repetiram, mas, na altura,  muito poucos foram os que ouviram os pássaros a cantar.

 

Na sede  da UE ,  na sala onde estavam os os primeiros ministros a assistir em directo à transmissão da reunião da ONU, houve primeiro um imenso silêncio. Depois, uma secretária desatou aos gritos e saiu pela porta fora.

 

A seguir foi a vez da primeira ministra da Islândia ter um ataque de histeria e foi preciso leva-la em braços para o hospital (se é que ainda havia hospitais a funcionar). No imenso écram tinham começado a aparecer as previsões da mortalidade, país por país, e na Islândia a percentagem  era de 60%.

 

Depois, foi o primeiro ministro da Noruega que se levantou e, muito calmo, arrumou os papeis e saiu com a  equipe sem dizer palavra. Todos compreenderam que os afortunados se dispunham a gerir sozinhos as suas vantagens. Na Noruega a previsão dos mortos era de  20%. 

 

O primeiro ministro da Suíça  pediu a palavra - já poucos o ouviram -  e comunicou oficialmente que a Suíça saia da UE (onde tinha acabado de entrar ao fim de 30 anos de negociações). A previsão dos mortos na Suíça era de 25% enquanto na Bélgica e na Holanda era de 90%. A Suíça fora o único país que se preparara para  todas as eventualidades. Todos sabiam o que  ia fazer.   Ia  mobilizar o exército para controlar as fronteiras.

 

O primeiro ministro da Alemanha esteve muito tempo a falar  pelo telemóvel  ignorando o que se passava  em volta. Depois, preocupadíssimo,  levantou-se e saiu sem se despedir. O mesmo fizeram quase todos os outros.  A reunião desfez-se. A UE tinha acabado. 

 

O primeiro ministro de Portugal ficou quase sozinho. Siderado. A Previsão dos mortos em Portugal era de 78%.  Foi preciso que um dos secretários lhe tocasse no braço. “Senhor Primeiro Ministro é melhor irmos para a embaixada”.  Deixou-se conduzir. Na embaixada demoraram muito tempo a abrir a porta. O embaixador não estava.  Só um secretário se dispôs a levar o primeiro ministro ao aeroporto no seu carro particular.

 

No aeroporto era um caos. Não partiam aviões.  Em certa altura, o primeiro ministro viu-se sozinho e sentiu-se um pobre europeu perdido, a levar encontrões,  no  meio de  uma multidão quase em pânico.

 

Foi quando uma voz o chamou. “António, adonde vás?” . Era o primeiro ministro de Espanha. Solidário. “Tengo un logar para ti”. Foram a pé até ao avião da Força Aérea  Espanhola que esperava no fim da pista. “El avion te lleva despoés a Lisboa”.

         

A tripulação fez-lhe a continência e, por um momento,  sentiu-se de novo primeiro ministro, mas dentro a  lotação de passageiros ia  duplicada e teve de ir sentado quase ao colo de uma matrona espanhola. 

 

                Durante a viagem,  os espanhóis iam animadíssimos. A previsão  de mortos em Espanha era de 30% , mas todos tinham uma imensa confiança na solidez da meseta ibérica  e  acreditavam  que, com medidas adequadas, a percentagem seria reduzida para menos de metade.  À chegada a Madrid já havia quem dissesse que morreriam menos espanhóis do que na guerra de Espanha. E a alma ainda lhes sobrava para serem solidários  com Portugal.   A matrona espanhola dizia: “Los portugueses, pobrecitos ...”.

 

                À despedida, em Madrid, o primeiro ministro espanhol deu-lhe um apartado abraço e disse:  “És  necessário estarmos unidos”. O  português deixou escapar um débil sim.  Depois, já sozinho na viagem para Lisboa, no meio da sua depressão, interrogou-se: “Mas o que é que ele queria com aquele  “Estarmos unidos?” . Terá interpretado mal o meu sim?”

 

                Em Lisboa ninguém o esperava. O ambiente era o da última noite no Titanic.  Atravessou  o aeroporto sem ninguém o reconhecer  mas, quando saiu, no sítio exacto, estava o Sr. Santos com o carro da Presidência.

 

                 O Sr. Santos, impecável como sempre,  tomou-lhe a bagagem das mãos, arrumou-a na mala, ocupou o seu lugar e perguntou:  “Para onde é que V. Excelência deseja seguir?”.

                “Para São Bento”.

 

                O trânsito era muito denso e o carro avançava  lentamente.      Adivinhando a pergunta o Sr. Santos disse: “ O metro não funciona”.

                “Há greve?”. 

                “Não, a população deixou de pagar bilhete e a Administração parou as composições.   Os trabalhadores estão agora reunidos em plenário para arranjarem uma solução”.

 

                 O primeiro ministro sentiu-se, de súbito,  imensamente cansado. Agarrou-se à esperança de os trabalhadores resolverem o problema  e  só desejou, naquela noite, ir deitar-se e  dormir.

                “Siga antes para minha casa”.

                 

 

                            Capitulo 2

 

No Alentejo

 

                        ( Seis meses antes da “tremedura”)

 

            Foram muitos os acontecimentos que perturbaram o país (Portugal), como todo o mundo,  depois do terrível  dia em que se soube,  com toda a certeza, que o choque com o asteróide era inevitável.

 

            Houve, no entanto, uma região portuguesa que continuou praticamente na mesma, o Alentejo. Quem passasse  pelas praças das vilas, via os mesmos alentejanos sentados nos bancos dos jardins a apanhar sol,  sem que  nada aparentemente alterasse  o ritmo das suas vidas. À soleira das portas, as mulheres  falavam da “tremedura” que se aproximava com a maior das naturalidades, e era frequente ver alentejanas encarrapitadas em escadas a caiar as paredes das suas casinhas.  Todas elas continuavam as cuidar das flores e o Alentejo continuou irrepreensivelmente limpo.

 

            Apesar da sua lentidão, o Alentejo tinha-se, no entanto, transformado numa região pioneira da Europa.

 

            A seguir ao anúncio da Catástrofe, a construção  pública e privada parou  instantaneamente em todo o mundo. A crise do sector foi a primeira grande e violenta crise social e económica que abalou a Europa. Com a suspensão, mais exactamente, desaparecimento, dos créditos da UE, os Estados, e muito em particular o Estado português, viram-se impedidos de pagar as grandes obras em que se tinham empenhado: auto-estradas, pontes, aeroportos e TGVs.. 

 

            Não houve dinheiro para pagar os salários aos operários sem trabalho,  nem sequer  os subsídios de desemprego, como  insistiam os ministros do Trabalho e da  Administração Interna, que muito bem sabiam o que podia suceder.

 

            No privado, obviamente,  ninguém mais comprou casas e a maior parte das  empresas de construção civil, descapitalizadas, pura e simplesmente desapareceu. Os antigos directores, e mesmo os engenheiros, evitavam ir aos estaleiros onde os operários,  muitas vezes em fúria, só encontravam as máquinas paradas.

 

            A crise foi tremenda e ia num  crescendo em toda a Europa.

 

             Numa altura em que os  peritos ainda se deslocavam para, sob variados pretextos,  irem de um lado para o outro,  num encontro de economistas e peritos financeiros do mais alto nível  reunidos para tentar encontrar  uma solução para a crise  da construção civil, um ingénuo disse que o problema  era um problema de descapitalização das empresas e dos Estados.

 

            Todos ficaram, porém, calados quando um velho professor, com o peso da sua  autoridade de Prémio Nobel da Economia, perguntou:  

 

             “ Algum dos senhores é capaz de me  explicar o que é o capital?”

 

            Todos se sentiram como estudantes cábulas na véspera de um exame.  Mais ainda, sentiram que a pergunta só podia ser formulada no passado:

 

            “O que era (o que tinha sido) o capital?”

 

            ( Houve quem se dispusesse, ao chegar a casa, a ir à  biblioteca desenterrar o velho  Marx  para fazer uma reciclagem desde os fundamentos.  De qualquer modo,  todos sentiram que a resposta só poderia - e muito duvidosamente - ,  ser dada por individuos de grande gabarito.  Os  economistas teriam de pensar muito, e nem sequer estava provado que a profissão continuaria  a dar  dinheiro).

 

            Foi quando começaram a chegar notícias de que a construção civil  no Alentejo continuava,  tal como antes,  sem mais nem menos  trabalho, nem mais nem menos desemprego.  Naturalmente, os jornalistas, e depois os peritos,  foram ver o que se passava. 

 

            Os alentejanos tinham pura e simplesmente inventado a indústria da desconstrução civil.  Se a “tremedura” ia deitar tudo abaixo, em vez de se  esperar que tudo ficasse destruido, o melhor era apear as casinhas para depois as voltar a levantar. 

 

            O Alentejo estava a apear as suas casinhas e os operários  alentejanos estavam muito contentes porque,  conforme eles próprios diziam, dá muito menos trabalho trazer as coisas para baixo do que levá-las para cima.

 

            Foi esta ideia, mais do que o contributo de qualquer perito, que reactivou a industria de construção na Europa, que se  transformou em indústria de desconstrução.

 

            Os  alentejanos fizeram mais. Intensificaram  o fabrico de tijolos e, ao ouvir as famílias alentejanas falar dos tijolos  que já tinham prontos  para as suas futuras casinhas, sentia-se que, de  algum modo, falavam  de algo que tinha a ver com  uma forma de capital.

 

            O Alentejo tornou-se, assim, uma referência económica para a Europa.

 

            E foi verdadeiramente pioneiro.  Num dia em que se reuniram uns peritos internacionais  em Évora  para estudar a economia do Alentejo,  viram que os alentejanos já tinham desmanchado metade da sua sé catedral. Quando lhes perguntaram por quê, eles disseram:

 

            “Então vocês não ouviram dizer que todas as catedrais da Europa vão abaixo?”

 

            Os peritos voltaram a correr  para as suas terras para fazer a toda a pressa aquilo que os alentejanos  já tinham iniciado com toda a sua lentidão.  

 

                                   

                                    Capitulo 3

 

                               O  impacto  científico

                                                

            Cálculos  precisos indicaram, oito meses antes da Catástrofe, que o asteróide iria cair, com uma margem de erro de 10 km, num ponto do Mar dos Sargaços, no centro do Triângulo das Bermudas, zona associada a lendas e relatos de mistérios.

 

             A comunidade científica recusou-se a ver nisso mais do que uma simples  coincidência. As lendas e mistérios não entraram - nem sequer eram tema de conversa -  nos centros de cálculo onde numerosas equipes dotadas de meios poderosíssimos procuravam afanosamente (e com alguma controvérsia entre elas)  determinar as características da onda sísmica e do terrível maremoto que assolariam a Terra.

 

            Mas, fora, a coincidência deu origem a numerosíssimas especulações.

 

Monges tibetanos apareceram  logo a afirmar  que a data do impacto  estava prevista  há mais de mil anos  no que foram imitados por várias Igrejas ocidentais recentes.

Numerosos   relatos  surgiram segundo os quais, no momento do impacto, no Triângulo das Bermudas, apareceriam a voar aviões desaparecidos durante a 2ª Guerra Mundial.  Expressões como “buracos no tempo” e outras similares encheram as páginas ditas científicas dos  jornais e de  inúmeras  publicações

 

            Vários  inquéritos revelaram que os  leitores médios dos jornais aceitavam, ou pelo menos não rejeitavam de todo, a ideia de os mistérios do Mar dos Sargaços  serem a prova, ou pelo menos um indício antecipado, de que um asteróide ali iria cair.

 

            A aceitação pelo público deste tipo de literatura deveu-se, naturalmente, à angústia em que se encontrava, propícia  à aceitação de todos os misticismos e irracionalidades, mas, também, ao descalabro do ensino secundário  das Ciências, que, confiado em vários  países durante décadas a especialistas das Ciências da  Educação, fizera da  Física  uma Ciência totalmente incompreensível para os estudantes.

 

            Anteriores textos de divulgação subscritos por iminentes  cientistas que tinham tentado explicar  em linguagem corrente ao grande publico problemas complexos da  topologia do espaço-tempo como se de meros problemas de canalizações se tratassem, não contribuíram, também,  para uma melhor compreensão  do que  realmente se ia passar.

 

            Embora a Catástrofe, em termos de vida  da Humanidade, fosse um acontecimento de uma  importância gigantesca, em termos científicos era um acontecimento  inteiramente normal,  tratável  com a física de  Newton (salvo numas muito pequenas  correcções relativistas a ter em conta na determinação da  órbita  do asteróide).  Nada mais era do que  uma  vulgar colisão entre dois objectos celestes, que em nada abalava  a solidez euclidiana do espaço, nem  o fluir do tempo.

 

             Qualquer referência à Relatividade Generalizada de Einstein na matéria era, pois, pura especulação, própria para jornalistas. Os melhores relativistas aceitaram, aliás, por um período, dar todo  seu contributo à Geofísica e à Oceanografia a que deram um grande  impulso com  seus métodos matemáticos e a precisão dos seus meios de observação instalados em satélites.(A utilização dos físicos das partículas e interacções fundamentais  foi  menos frutuosa  e deu origem a complicados  debates). 

 

            A Parapsicologia  teve um surto gigantesco e foi discutida em inúmeros congressos, em que a questão de fundo foi  a de se saber se se deviam manter  cortadas as pontes com as antigas  Ciências  Ocultas, ou  se se devia aproveitar a ocasião  para reatar uma ligação com elas, aceitando-as  como Ciências legítimas. Em qualquer caso, os parapsicólogos ganharem uma grande  influência  nos centros de decisão e poder. 

 

A Matemática, a Biologia, a Medicina,  a conservação dos alimentos  e das bibliotecas,  a construção de balões, foram Ciências e Técnicas que sofreram impactos imensos, motivados pela necessidade de fazer com toda a rapidez o que podia ser util, deixando todo o resto para  mais tarde.

 

Desapareceram totalmente  os projectos a médio prazo. Ficaram só os projectos a curtíssimo e longo prazo.  Na Aeroespacial, aproveitaram-se  as estações de lançamento para lançar satélites de longa duração que serviriam a Terra durante  um século.  A Internet  ficou assim assegurada para depois da Catástrofe.

 

Integrados num  vasto plano de salvaguarda da cultura e dos conhecimentos da Humanidade, foram construídos  por robots na Lua ,  a uma distância conveniente uns dos outros para evitar o perigo de serem atingidos simultaneamente por meteoritos, três centros de documentação digitalizada  com capacidade para armazenar toda a documentação científica produzida até à data e prevista para o século a seguir.   

 

            Adoptou-se o princípio  de que nesses centros não haveria segredos e assegurou-se que todo o cidadão munido de um telemóvel a eles pudessem ter, não só completo acesso, mas, ainda, para eles pudesse enviar informação,  ficando esta, no  entanto, arquivada em diferentes planos.  Os cientistas e cidadãos em geral passaram, assim, a ter ao seu dispor  um volume de informação e possibilidades de registo como nunca tinham tido antes. 

 

Começaram-se,  desde logo, no entanto a notar sérios indícios de que o excesso de informação podia levar a Humanidade à ignorância.  Mas o problema da procura e escolha da informação - do ganho de conhecimentos e de compreensão a partir da informação digitalizada -  foi deixado para mais tarde. Os cientistas e filósofos que se preocupavam com o problema da  formação da consciência no hardware  biológico da cabeça dos homens, tiveram de se render ao imediato. O problema ficou adiado, talvez por um século.

 

                                              Capitulo  4

 

                                 O  impacto cultural

                                                  (fragmentos)

 

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            No ensino, a prioridade foi para os cursos curtíssimos.  O desejo  era ensinar coisas imediatamente úteis, ou que  pudessem servir depois da Catástrofe como, por exemplo, a agricultura tradicional. Verificou-se, porém, que havia muito pouca gente,   em particular poucos professores, capazes de ensinar coisas úteis. As aulas foram então transformadas em sessões de debate que nalguns casos se revelaram incomparavelmente  mais interessantes que as aulas tradicionais.  

 

            Alguns professores, considerados os  mais eminentes, foram encarregues de preparar os textos  e os planos de estudo para o ensino  depois da Catástrofe. Alguns escreveram textos notáveis,  mas outros revelaram  uma  absoluta falta de senso dispondo-se, desde logo ,  a massacrar os futuros estudantes  com   programas  e matérias absolutamente inúteis e estupidificantes. Foi realmente pena que esses professores não tivessem ido assistir  às sessões de debate que se realizavam  nas escolas onde teriam começado a aprender algo.

    

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            Nas artes, o valor das telas dos  pintores mais consagrados desceu ao zero, o que fez com que quase todos eles deixassem de pintar.  Aumentou,  no entanto,  o número de pessoas que começou a  pintar por simples  prazer de pintar.  Apareceu, também, mais gente a fazer versos, mas não surgiram  obras poéticas significativas.  Em face da secura poética da época, surgiu o jogo  de tentar imaginar o que fariam os grandes poetas do passado, num momento como aquele. A opinião generalizada  foi a de que não fariam nada. A emoções eram demasiado duras para fazer boa Poesia

 

            Surgiu também muita gente a escrever memórias.

           

A fotografia,  desenvolveu-se …….. …..