Artigo 184.º – Associação de auxílio à imigração ilegal

1 — Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática dos crimes previstos no artigo anterior é punido com pena de prisão de um a seis anos.

2 — Incorre na mesma pena quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações, bem como quem os apoiar ou prestar auxílio para que se recrutem novos elementos.

3 — Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações mencionados nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

4 — A tentativa é punível.

5 — As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da atividade de um a cinco anos.


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Comentários


1 — O preceito em exame é inspirado no art. 299.º do CP, que tem por epígrafe "Associação Criminosa". Notória, desde logo, em relação ao ilícito-tipo estabelecido no artigo anterior é a diferença concernente à moldura penal.

Depois, o que se tipifica é a fundação, organização ou associação de grupo com o objectivo da prática de crimes de "auxílio à imigração ilegal" previstos no artigo antecedente. Não é necessário que a actividade produza efeitos concretos. Diz-se, por esse motivo, que este não é um crime de resultado, mas sim um crime de perigo. O que se pune é a própria criação do grupo com o propósito da prática de crimes, independentemente da actividade criminosa em si mesma do grupo. Por isso, o grupo, organização e associação podem ser condenados pela prática de um "crime de auxílio à imigração ilegal" do art. 183.º e ao mesmo tempo punidos pelo ilícito de constituição de "associação de auxílio à imigração ilegal" do art. 184.º

O fundador e os membros sofrerão pena de 1 a 6 anos de prisão (n.ºs 1 e 2). O chefe do grupo, da organização ou da associação é punível com pena que varia entre 2 e 8 anos de prisão (n.º 3). Nota SEF: Com a Lei 29/2012, de 28 de agosto, foram alterados os n.º 1 a 3 do artigo. Na sua redação inicial versavam o seguinte: "1 - Quem fundar grupo, organização ou associação cuja actividade seja dirigida à prática dos crimes previstos no artigo anterior é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos. 2 - Incorre na mesma pena quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações. 3 - Quem chefiar os grupos, organizações ou associações mencionados no n.º 1 é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos."


2 — A tentativa é punível (n.º 4). Cfr. arts. 22.º e 23.º do CP.


3 — As penas aplicáveis às entidades colectivas referidas no n.º 1, do art. 182.º da presente lei, tal como sucede com o crime do art. 183.º, são apenas as de multa, embora com os limites mínimo e máximo elevados ao dobro, e as de interdição do exercício da actividade de 1 a 5 anos.


4 — Tenha-se presente que as vítimas do auxílio à imigração ilegal: Podem obter autorização de residência em certos casos (sobre o assunto, ver anotações aos arts. 109.º e 111.º); Têm o direito de ser informados sobre a possibilidade de obterem autorização de residência (art. 110.º); Adquirem outros especiais direitos (ver art. 112.º e anotações); Se forem menores, merecem uma particular atenção e especiais cuidados (art. 114.º).


Nota SEF: A Lei n.º 13/2023, de 3 de abril (altera o Código do Trabalho e legislação conexa, no âmbito da agenda do trabalho digno), no seu artigo 19.º, aditou ao Decreto-Lei n.º 260/2009, de 25 de setembro (regime jurídico do exercício e licenciamento das agências privadas de colocação e das empresas de trabalho temporário), os artigos 28.º-B, 29.º-A e 29.º-B, com a seguinte redação:

«Artigo 28.º-B


Responsabilidade contraordenacional por intermediação laboral ilegal


Constitui contraordenação muito grave, imputável ao empregador e à agência privada de colocação, o recrutamento e colocação de trabalhadores por intermédio de agência que não tenha cumprido o disposto nos n.os 1, 2 ou 4 do artigo 16.º, punível com coima de 2800 (euro) a 6000 (euro) ou 12 000 (euro), consoante se trate de pessoa singular ou pessoa coletiva.


Artigo 29.º-A


Proibição do exercício de atividade em empresa de trabalho temporário ou agência privada de colocação


Pode ser condenado na proibição de exercício de atividade, no âmbito de empresa de trabalho temporário ou agência privada de colocação, incluindo de sócio, administrador ou trabalhador, por um período de entre 2 a 10 anos e atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, quem for punido:


a) Pelos crimes previstos no presente decreto-lei;


b) Pelos crimes previstos nos artigos 82.º, 83.º, 316.º, 407.º, 459.º, 543.º, 545.º e 547.º do Código do Trabalho;


c) Pelos crimes previstos nos artigos 159.º e 160.º do Código Penal;


d) Pelos crimes previstos nos artigos 183.º, 184.º, 185.º e 185.º-A da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho.



Artigo 29.º-B


Responsabilidade penal


O regime sancionatório constante do presente decreto-lei não prejudica eventual responsabilidade em matéria penal, prevista nos termos da lei.»



Jurisprudência


"...No caso sub judice, perante o imenso rol dos factos conhecidos (existência de dezenas de cidadãos nepaleses, com os quais o recorrente UP contatou, e os quais “contratou”, ao serviço e sob as ordens do arguido NB), olhando à natureza de alguns desses factos (condições de alojamento e de trabalho dos aludidos cidadãos nepaleses, remunerações por estes auferidas, partes dessas remunerações retidas - e objeto de apropriação - pelos arguidos NB e UP), ponderando os lucros e os proventos, de relativamente elevado valor, com o uso e a exploração dessa mão-de-obra, e atendendo aos estratagemas utilizados pelos arguidos NB e UP para convencerem os referidos cidadãos nepaleses a virem para Portugal, e com o devido respeito por diferente opinião, verificam-se todos os pressupostos acabados de expor relativos à validade e legitimidade do uso de presunções.

Este tribunal de recurso, como, aliás, qualquer cidadão de média formação e de são entendimento, subscreve, com total segurança, os factos dados por provados na decisão recorrida quanto à autoria dos factos por parte do arguido UP (agindo em coautoria com os demais arguidos) - ou seja, e no essencial, que os cidadãos nepaleses em causa foram vítimas de crime, por terem sido “enganados” (nas promessas feitas pelos arguidos, com o objetivo de os fazerem vir para Portugal), por terem sido objeto de “exploração” da respetiva força de trabalho, por essa “exploração” ter revertido em lucro ilícito para os arguidos, e por o arguido UP conhecer tudo isso, agindo ainda com o propósito de obter vantagens patrimoniais indevidas (advenientes da “exploração” laboral desses mesmos cidadãos nepaleses).

É linear, por resultar inequivocamente das regras da experiência, a conclusão acabada de retirar. O arguido UP, por si e/ou em conjugação com os demais arguidos, “explorou”, repetidamente e de diversos modos, a mão-de-obra dos cidadãos nepaleses em causa, auferindo lucros (relativamente avultados) dessa atividade delitiva, e sabendo, claramente, que toda essa sua atuação era feita de forma ilícita, proibida e criminalmente punível..."

"...A experiência comum também não nos diz que, se alguém contrata trabalhadores numa “empresa de trabalho”, siga princípios de boa-fé contratual e pense que os trabalhadores estão “legais”. Bem pelo contrário: atendendo à natureza e às características de muitas dessas “empresas de trabalho”, um cidadão de média formação duvida sempre, legitimamente, que os trabalhadores que tal “empresa” forneça tenham a sua situação “regularizada”."

I - Reunidos os pressupostos processualmente exigidos para a respetiva produção, as declarações para memória futura constituem um modo de produção de prova pessoal submetido a regras específicas, visando acautelar, bem vistas as coisas, o respeito pelos princípios estruturantes do processo penal, designadamente (e sobretudo) pelo princípio do contraditório, não se impondo a sua leitura em audiência de julgamento para que possam ser valoradas.

II – No crime de tráfico de pessoas, com diversidade de vítimas, está afastada a figura do crime continuado, por estarem em causa bens eminentemente pessoais.

Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18-10-2018, no Processo 14/16.9ZCLSB.E1



AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL; ELEMENTOS TÍPICOS

I - ...

II – O crime de auxílio à imigração ilegal define-se pelos seguintes requisitos objectivos e subjectivos: A acção material criminosa reside no “favorecimento” e na “facilitação” da entrada, da permanência ou do trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional; Quanto ao modo de acção, não estando definido, qualquer um é idóneo; O objecto da acção é a “entrada”, o “trânsito” [n.º 1 do artigo 183.º da Lei 23/2007, de 04-07] e a “permanência” [n.º 2 do mesmo artigo] ilegais, consoante os casos, noções cuja verificação casuística há-de encontrar-se no disposto no artigo 181.º do referido diploma; O sujeito activo é qualquer pessoa, enquanto o sujeito passivo é um cidadão estrangeiro; O elemento subjectivo consiste na consciência de prestar ilicitamente ajuda a cidadão estrangeiro para entrar, permanecer ou transitar de forma ilegal no nosso país, não sendo essencial para a prática do crime a obtenção de um ganho ou benefício económico; exige, todavia, o n.º 2 do artigo 183.º a concorrência de uma intenção lucrativa, que funciona como elemento subjectivo agravante da moldura penal abstracta.

III – A necessidade da existência de contrato de trabalho e, bem assim, da inscrição na segurança social, para a concessão de autorização de residência - sem prejuízo da verificação dos requisitos gerais a que se reporta o artigo 88.º da Lei 23/2007 - não impede que com a sua celebração, muito menos que com o começo de execução da prestação de trabalho subordinado - numa ocasião em que o mesmo ainda não foi formalizado -, o crime de auxílio à imigração ilegal haja sido cometido."

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2018, no Processo 7/11.2ZRCBR.C1



DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES CONTRA A ORDEM E A TRANQUILIDADE PÚBLICAS / CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA / ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA.

IX. O crime de associação de auxílio à imigração ilegal previsto no artigo 184.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, é um crime de associação criminosa, numa relação de especialidade com o crime de associação criminosa p. e p. pelo artigo 299.º do Código Penal, constituindo uma forma de criminalidade altamente organizada, na definição da al. m) do artigo 1.º do CPP, pelo que é de seis meses o prazo de duração máxima da prisão preventiva até ser deduzida acusação (artigo 215.º, n.º 1 al. a), e n.º 2, do CPP).

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-09-2017, no Processo 33/17.8ZFLSB-B.S1


1 - A Lei não exige a leitura na audiência da prova documental contida nos autos, quando os arguidos dela tiveram prévio conhecimento, como é o caso daquela em que se alicerçou a acusação.

2 - É licito aos inspectores da polícia judiciária descreverem e contextualizarem em audiência todas as diligências investigatórias realizadas e em que directamente participaram.

3 - Não faz parte da tipicidade do crime de associação de auxílio a imigração ilegal a identificação dos cidadãos estrangeiros cuja entrada em território nacional foi favorecida e facilitada.

Acórdão da RL de 05-12-2001 - Processo n.º 0095173



1 - Não fazendo, o recorrente, nas conclusões da motivação do recurso da decisão final qualquer referência ou menção ao recurso intercalar, não é possível conhecer-se deste recurso, de nada valendo que surja da parte do recorrente, na resposta à posição do MP, apresentada nos termos do nº2 do artigo 417, do CPP, manifestação do seu interesse no conhecimento do recurso intercalar.

2 - O exame crítico das provas, introduzido na revisão de 1998, do CPP, consiste, antes, no exame crítico dos meios de prova, indicando, relativamente a cada um dos que foram atendidos, os motivos por que foram aceites, de forma a explicitar e clarificar o processo de formação da convicção do tribunal.

3 - A entrega de cópia dos registos de prova gravada em vídeo, só pode ser feita ao recorrente se todas as pessoas cujas imagens aí constam, se não opuserem a essa entrega, não existindo esta limitação em caso de gravação áudio.

4 - Ocorre o crime de associação de auxílio à imigração ilegal quando se comprove a existência de uma organização, com carácter autónomo e subjacente às vontades individuais, cuja actividade se dirigia a favorecer ou facilitar a entrada irregular de cidadãos estrangeiros em território nacional, de que os arguidos voluntária e conscientemente faziam parte.

Acórdão da RL de 17-10-2002 - Processo n.º 0019709

 

Origem do texto


Direito comunitário

Reproduz, com adaptações, o preceituado no artigo 2.º da Decisão-quadro do Conselho, de 28 de Novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares. O disposto na norma dá ainda cumprimento ao cominado no n.º 1 do artigo 27.º da Convenção de Aplicação do Acordo de Schengen, de 14 de Junho de 1985.



Direito nacional                                    

Na última redacção do anterior diploma a matéria era regulada no artigo 135.º

A ilicitude da associação de auxílio à imigração ilegal tem origem no Decreto-lei 59/93, de 3 de Março, à luz do disposto no seu artigo 94.º, cujo texto, à excepção do n.º 5, a actual norma reproduz na íntegra, incluindo o tipificado para a moldura penal.  A origem e o texto do n.º 5 remontam ao n.º 5 do artigo 135.º do Decreto-Lei 244/98, de 8 de Agosto, introduzido pelo Decreto-Lei 34/2003, de 25 de Fevereiro.


Procedimento legislativo 


Proposta de Lei 93/X do Governo (2006)         

Artigo 184.º - Associação de auxílio à imigração ilegal

1 - Quem fundar grupo, organização ou associação cuja actividade seja dirigida à prática dos crimes previstos no artigo anterior é punido com pena de prisão de um a seis anos.

2 - Incorre na mesma pena quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações.

3 - Quem chefiar os grupos, organizações ou associações mencionados no n.º 1 é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

4 - A tentativa é punível.

5 - As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da actividade de um a cinco anos.

Discussão e votação indiciária: artigo 184.º da proposta de lei n.º 93/X — aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes.




Proposta de Lei 50/XII do Governo (Lei n.º 29/2012)        

Artigo 184.º – Associação de auxílio à imigração ilegal

1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática dos crimes previstos no artigo anterior é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Incorre na mesma pena quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações, quem os apoiar ou prestar auxílio para que se recrutem novos elementos.

3 - Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações mencionados nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.

4 - A tentativa é punível.

5 - As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da atividade de um a cinco anos.

Discussão e votação na especialidade: artigo 184.º da Lei n.º 23/2007 – Proposta de alteração ao n.º 3, apresentada pelo PS na versão de substituição – aprovada com os votos a favor do PSD, do PS do CDS-PP e do PEV e a abstenção do BE; Proposta de alteração Artigo 184.º (…) 1. (…). 2. (…). 3. Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações mencionados nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. 4. (…). 5. (…). N.º 3 da PPL – prejudicada; N.ºs 1 e 2 da PPL 50/XII – aprovados com votos a favor do PSD, do PS, do CDS-PP e do PCP e abstenções do BE e do PEV. Redação original da Lei n.º 23/2007

Artigo 184.º - Associação de auxílio à imigração ilegal

1 - Quem fundar grupo, organização ou associação cuja actividade seja dirigida à prática dos crimes previstos no artigo anterior é punido com pena de prisão de 1 a 6 anos.

2 - Incorre na mesma pena quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações.

3 - Quem chefiar os grupos, organizações ou associações mencionados no n.º 1 é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

4 - A tentativa é punível.

5 - As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da actividade de um a cinco anos.