Que Tipo de Professor Eu Quero Ser?
Cristina Loureiro Chaves Soldera1
Revista Educação por Escrito – PUCRS, Edição Especial, jan. 2013. 11
Educação não é só ensinar, instruir, treinar,
domesticar, é, sobretudo, formar a autonomia do
sujeito histórico competente, uma vez que, o educando
não é o objetivo de ensino, mas sim sujeito do
processo, parceiro de trabalho, trabalho este entre
individualidade e solidariedade. (DEMO, 1996, p. 16)
O tema educação sempre esteve muito presente em minha vida, desde a infância. O fato de ter avó e pais professores, com certeza, influenciou muito nas decisões relativas ao meu futuro profissional, assim como influenciava nas minhas brincadeiras de infância nas quais já expressava o meu sonho com o futuro profissional. Ou seria vocação? Predestinação?
Neiva cita um grupo de teorias psicodinâmicas demonstrado por Roe que “Defende a ideia de que as primeiras experiências infantis no seio da família (satisfação e frustração de necessidades básicas) modelam o estilo que o indivíduo escolhe para satisfazer suas necessidades ao longo da vida, determinando seus objetivos e preferências vocacionais”. (NEIVA, 2007, p.17)
Mesmo após muitos anos (não cabe dizer quantos exatamente, mas mais de 20, com certeza) tenho a clara recordação de “adotar” trabalhos antigos, mas encadernados,
dos alunos do meu pai e espalhar em cima da cama de casal, nomeando cada um dos cadernos como se fossem meus alunos e compondo a cama como minha sala de aula, com “espelho de classe” e tudo. Em frente à cama, pendurava no puxador do armário um pequeno quadro negro no qual desenhava minhas explicações e tarefas aos alunos fictícios. Era, sem sombra de dúvida, a brincadeira que mais me agradava. Até hoje me pergunto o motivo desse fascínio pela docência desde tão cedo. Seria identificação com os pais? Seria porque eu gostava muito da minha professora do primário? Seria devido à minha incorrigível vontade de ajudar os outros? O motivo exato, eu acredito que jamais saberei com certeza. O que podemos afirmar é o inegável fascínio que a profissão de professor suscita nas pessoas. Ensinar é um ato de generosidade, pois envolve não somente o falar, mas também o ouvir. O ato da escuta é tão importante no ensino quanto o discurso, a fala, a explanação. Este é um dos meios pelo qual os alunos criarão um vínculo com o professor, se sentirão respeitados e valorizados – algo tão raro nos dias de hoje, tão informatizado e muitas vezes desumanizado.
Àquela época, durante minhas brincadeiras de infância, não pensava que tipo de professor eu quero ser, eu apenas representava a partir dos modelos que tinha e que, consequentemente, materializavam um sonho de um futuro profissional. Já na adolescência, não tendo apagado a vontade de exercer a docência, cursei o Magistério. Foi uma escolha fácil para mim. Apesar do que alguns amigos e conhecidos diziam: “O que tu queres com o magistério?!”; “Vais passar fome!”; “Como vais fazer para passar no vestibular?”. Eu tinha uma certeza interior de que estava indo pelo caminho certo. A esta altura da vida, já era o momento de começar a pensar no tipo de professor que eu queria ser. O conhecimento de algumas teorias de aprendizagem – behaviorismo, “tábula rasa”, construtivismo – e alguns autores como Piaget, Skinner, Pavlov e Freire – foram amadurecendo e tornando mais realista e palpável minha imagem ainda idealizada do magistério. Cada vez mais prestava atenção na maneira dos meus professores ministrarem suas aulas – o que eu gostava, o que não gostava, o que achava produtivo, o que atrapalhava, o que ajudava. Eles, além de todas as teorias que li e estudei, acabaram por delinear a imagem do que considerava ideal em um professor. Na
época, já tinha claro que queria que as crianças construíssem seu conhecimento, que eu seria apenas um facilitador para a aprendizagem e que teria que trabalhar com a realidade dos meus alunos, aproveitando a vivência deles e o que eles traziam para desenvolver os conteúdos exigidos pelo ensino formal. “As condições ou reflexões até agora feitas vêm sendo desdobramento de um primeiro saber inicialmente apontado como necessário à formação docente, numa perspectiva progressista. Saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. (FREIRE, 2008, p. 47)
Inevitavelmente, tive que pensar no vestibular e, entre uma pedra e outra no
caminho, acabei na Fonoaudiologia. Confesso que não sabia o que era, mas sabia que
trabalhava com crianças e tinha a ver com problemas de fala e escrita, para mim estava
ótimo! Durante toda minha formação no curso superior, o desejo de ser professora
nunca se apagou. Porém agora, o desejo era de ser professora universitária. Também
durante este percurso, fui tomada por certo “apaixonamento” pela área da Audiologia
(que nem sabia que existia ao optar pela Fonoaudiologia). O interessante da minha
caminhada no curso superior foi justamente essa mudança de interesse, pois tenho
certeza absoluta de que sofreu a influência dos professores que tive. Os docentes da área
que até então era do meu interesse, não despertavam minha curiosidade, meu afinco em
estudar. Algumas outras características que observava e que me desagradavam eram as
aulas sem planejamento, métodos de ensino antiquados e não estimulantes, aulas
sempre expositivas – na maioria das vezes sem a participação da turma – critérios de
avaliação confusos e falta de respeito com a turma. Exemplo do tipo de professor que
não quero ser.
Já a professora que tive na primeira disciplina de Audiologia, me marcou. Ela
visivelmente amava o que fazia, e seu sentimento transparecia e passava para a turma
mesmo sem querer. Ela nos fazia pensar e relacionar conhecimentos; era afetiva, mas
bastante exigente. Era disponível e acessível. Acabou sendo escolhida paraninfa da
nossa turma – homenagem mais do que merecida. Está aí! É uma professora assim que
quero ser! Sim, pois ainda quero ser professora, não desisti.
Ao se aproximar o término do curso, lembro claramente de uma conversa que
tive com meus pais sobre meu futuro profissional. Lembro que eles perguntaram o que
eu queria. Não hesitei: quero ser professora. Apesar de sentir um pouco de receio, não
temia o que poderia ouvir em resposta aos meus anseios, já que estava falando com dois
professores. O apoio foi mais do que o esperado. Lembro que meu pai disse: “então não
espere, se o objetivo é dar aulas, faça logo o Mestrado”. Foi o que fiz. Ao terminar a
faculdade fiz Especialização e Mestrado, nesse período já dei algumas aulas. Frio na
barriga, ansiedade, alegria. A cada aula que dava me sentia mais feliz e realizada.
Minha primeira experiência profissional – e oficial – como docente surgiu poucos
meses após a conclusão do Mestrado. Fui aprovada em um processo seletivo para
professor em um Centro Universitário da região metropolitana de Porto Alegre,
exatamente na área que defendi minha dissertação. Sorte! Ou destino? Recordo-me
como se fosse ontem do primeiro dia. Antes de entrar na sala de aula passei mal.
Náusea, enjoo, mal estar. Pura ansiedade. Achei que não conseguiria dar aula, mas
aconteceu o que até hoje acontece: entro em sala de aula, o mundo fica do lado de fora.
Isso curiosamente inclui a náusea e o enjoo. Até hoje, sempre que estou mal, chateada ou
triste – tudo passa quando estou com meus alunos em aulas ou estágios. É uma sensação
única de plenitude, acredito que inexplicável até para muitos professores não amantes
inveterados da docência. Mesmo após meus nove anos de estrada no ensino superior,
ainda sinto ansiedade ao entrar em uma turma nova. Por mais que a disciplina seja a
mesma e o conteúdo a ser desenvolvido seja quase tão comum a mim como o caminho
até o gol para um jogador de futebol, cada turma é diferente. Por mais que eu desejasse,
o conteúdo nunca é desenvolvido da mesma maneira. Cada turma (assim como cada
aluno) tem sua singularidade, suas particularidades. Aprendi, como o tempo, a respeitar
as individualidades e me adequar ao funcionamento de cada turma.
O curioso e o mágico dessa profissão, é que por mais que façamos disciplinas
sobre ensino, por mais que façamos leituras sobre o assunto, por mais dicas que os
outros nos deem, é na prática – e aos poucos – que realmente aprendemos o que é ser
professor. Durante esses anos de docência, muitas coisas mudaram em mim, mas muitas
permaneceram. O exemplo da paraninfa da minha turma de graduação me guiou – e
ainda me guia – em muitos aspectos da prática. Procuro sempre me colocar no lugar do
aluno e agir com eles como eu gostaria que tivessem agido comigo. Coloco-me
disponível sempre que possível para auxiliar e esclarecer dúvidas, procuro respeitar o
jeito e o tempo de cada um para aprender, planejo minha aulas pensando na turma, sou
afetiva e próxima aos alunos e procuro manter a linha tênue entre a autoridade e a
amizade. Nesses anos de atividade de ensino à graduação, fui três vezes paraninfa e três
vezes professora homenageada pelos formandos, o que me parece um indicador
positivo.
Hoje em uma Universidade Federal, sinto-me realizada exercendo a docência e
seria muito infeliz se não o fizesse. A Fonoaudiologia é minha segunda paixão e penso
que poder agregar as duas é um privilégio para poucos. Se tudo isso já é suficiente e se
eu sou hoje a professora que sempre almejei ser? Por mais positivos que sejam os
feedbacks que recebo, a resposta é não, pois o professor é um ser em constante mutação,
em constante transformação, em constante e infindo crescimento. Ainda tenho muito a
aprender com meus alunos, e isso é o especial de ser professor. Sempre há espaço para
crescer, mudar, melhorar. Tenho consciência da minha responsabilidade, do poder de
influenciar vidas, de como minha atuação irá refletir na prática profissional de futuros
fonoaudiólogos. Aprendi que não é possível agradar a todos, mas que a empatia e a
atenção podem fazer toda a diferença na vida de um aluno. Aprendi a me autoavaliar e
a reavaliar cada aula, cada semestre, cada ano de docência. Aprendi que não se dá aulas
perfeitas todos os dias, mas sim a melhor aula que podemos dar. Aprendi que a
professora que eu quero ser, não é a mesma que hoje almejo ser no futuro – e não sei se
um dia eu serei – pois a docência é dinâmica, assim como a vida.
Referências
DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados. 1996.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 38°ed.
São Paulo. Ed. Paz e Terra, 2008. 148p.
Revista Educação por Escrito – PUCRS, Edição Especial, jan. 2013. 14
NEIVA, K.M.C. Processos de Escolha e Orientação Profissional. São Paulo: Vetor, 2007