teseberkeley3.3-noções

III.3 - Noções

Berkeley utiliza a palavra "conhecimento" em um sentido muito estrito de "apreensão de

idéias e de relações entre idéias". "Ter noções" não é conhecer outros objetos, similares às

idéias. "Conhecer" e "ter noções" são duas formas de apreensão que correspondem a dois

tipos de realidade. A noção refere-se a um diferente tipo de experiência e não a um diferente

conteúdo de experiência. (86)

O empenho em justificar o conhecimento nocional deixa clara a dificuldade de Berkeley em

dar conta da coexistência dos dois aspectos - ativo e passivo - da alma. O espírito é definido

pela atividade, porém ao abrir os olhos simplesmente percebemos idéias sem poder de

escolha. Berkeley diz que sabemos por inferência racional que um espírito superior as

produz, que elas não deixam de ser sempre produtos de uma atividade. Mas isto não equivale

a identificar o espírito humano ao espírito divino? Qual é a relação "funcional", digamos

assim, entre o espírito divino e o espírito humano, para além da dependência causal? (87) Por

outro lado, Berkeley afirma repetidas vezes que temos noções do espírito e de suas

qualidades "internas" "na medida em que compreendemos o sentido das palavras "vontade",

"alma", etc. (88) Berkeley sugere aqui que não é do interior de um discurso substancialista

que entenderemos como se dá o conhecimento da alma e sim em termos de significações.

Mas como exatamente? Esta análise foi tentada por M. W. Beal no artigo Berkeley's

Linguistic Criterion: (89) Segundo Beal, a afirmação de que temos noções de certas

realidades "na medida em que entendemos o sentido das palavras que as nomeiam" revela

uma tendência geral da filosofia de Berkeley a conferir, progressivamente, cada vez mais

importância à significação como critério para a aceitação ou rejeição da realidade de uma

entidade ou da validade de uma tese. A teoria da significação de Berkeley apresenta a

substancial novidade de admitir como significativas palavras que não nomeiam idéias: certas

palavras cumprem função de influenciar a ação ou provocar emoções e portanto seu critério

de significabilidade é mais pragmática do que referencial. Com a introdução do termo

"noção", Berkeley estaria também introduzindo a significabilidade das palavras e teses como

critério para sua aceitabilidade. Assim, a expressão "substância material" é rejeitada e a

expressão "substância espiritual" é aceita porque a primeira não resiste a uma análise de sua

significabilidade e acaba revelando-se contraditória, ao contrário da segunda que possui um

sentido claro: "I know what I mean when I affirm that there is a spiritual substance, that is,

that a spirit know, perceives, wills and operates about ideas". (90) Da mesma forma a

palavra "graça", por exemplo, é aceita como significante porque desempenha um papel

importante em teologia e em moral, assim como a palavra "força" é significante porque

cumpre uma função importante na ciência, apesar de nenhuma delas nomear idéias. A

aceitabilidade de uma forma de conhecimento chamada "nocional" seria assim justificada

pela significabilidade da palavra "noção" como indicativa da apreensão dos atributos do

espírito ligados à sua atividade e não como nomeação de uma realidade comparável a uma

idéia.

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